quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Post nº 89 


O RELATÓRIO SECRETO DO EMBAIXADOR BRASILEIRO  NOS EUA (1850) SOBRE
A TRAMA INTERNACIONAL PARA
CONQUISTA DA AMAZÔNIA 

Há séculos a Amazônia é alvo da cobiça
internacional

A conspiração internacional para tomar a Amazônia do Brasil é antiga. Em 14 de novembro de 1850, o nosso embaixador nos EUA, Teixeira de Macedo, na época denominado ministro, dirigiu ao Chanceler Souza Franco, ofício confidencial onde denunciava a intensa conspiração que se organizava nos EUA visando uma futura intervenção em nossa região amazônica, onde não estava descartada uma invasão armada pura e simples. A justificativa era a de sempre, ainda hoje usada pelos EUA nas intervenções ao redor do mundo: levar a civilização e os valores ocidentais àquela região atrasada do mundo, onde a imensa maioria dos habitantes eram índios que ainda viviam na Idade da Pedra, e cujo incompetente governo brasileiro era incapaz de arrancar da barbárie. Também falava-se nas imensas riquezas que os bisonhos empresários nacionais, carentes do arrojo e da criatividade dos homens de negócios anglo-saxões, eram incapazes de explorar e de pô-los ao desfrute comum da humanidade. Urgia, portanto, que as nações adiantadas do mundo tomassem a iniciativa que faltava aos primitivos habitantes locais e ao seu ronceiro governo.


Teixeira de Macedo, nosso ministro-embaixador nos EUA que
em 1850 denunciou a trama internacional das grandes
potências para apoderarem-se da Amazônia

O ofício de Teixeira de Macedo é longo e detalhado, verdadeira obra-prima produzida por um diplomata culto e patriota que não subordinava os interesses do Brasil às grandes potências coloniais e conquistadoras da época, França, Inglaterra e Estados Unidos. Após historiar minunciosamente as origens da trama, sobretudo a campanha levada a cabo junto a opinião pública dos EUA e dos altos escalões do seu governo por um brilhante oficial naval americano, que, como agente-espião, havia percorrido toda a Amazônia, o nosso ministro-embaixador desmascara os argumentos utilizados para influenciar o povo e seus líderes, que eram, basicamente, levar a "civilização e os elevados princípios da cultura ocidental" às primitivas populações amazônicas, cuja imensa maioria vivia ainda na "Idade da Pedra". Como se vê, nada muito diferente do palavreado que o governo dos EUA usa até hoje para justificar suas intervenções políticas e militares ao redor do mundo. Mas o papel da França e da Inglaterra na trama também lhe chama a atenção:

"As nações que têm interesse e podem exercer influência sobre o Brasil são unicamente os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, porque são as únicas que têm uma marinha de comércio de guerra considerável, reúnem o espírito de empresa, uma larga indústria fabril, e por conseguinte a necessidade de obter mercados a seus produtos, e ir para esse fim contender com países longínquos, agrícolas e consumidores de gêneros manufaturados".

Logo adiante ele analisa a política externa de cada uma dessas nações, mostrando que não são guiadas por nenhum "alto princípio", mas pura e simplesmente por interesses, seja o demagógico de satisfazer o orgulho e a arrogância dos seus governos e povos, seja o comercial de satisfazer a ganância de suas elites financeiras e empresariais. Vejamos o que diz ele sobre a França:

"O governo francês, ou esteja na mão de fidalgos, ou de professores, ou de advogados, ou de generais, é sempre o mesmo, inepto em suas relações estrangeiras, incapaz de fundar estabelecimento algum colonial que prospere, mas sempre atrapalhado com questões de nenhuma utilidade, como a das ilhas Marquesas, e só sabendo criar dificuldades em países remotos, para poder redigir boletins e cantar louvores à bravura dos seus guerreiros nos discursos em solenidades, em banquetes, e na abertura do Corpo Legislativo. Se o governo de Luis Napoleão, ou de quem lhe suceda, achar na questão do cônsul em Pernambuco pretexto para bombardear alguma cidade nossa, destruir alguma fortaleza, meter a pique algum navio, folgará de poder apresentar-se ao público e ao Corpo Legislativo, dizendo como Carlos X em 1828 - 'Dans les parages lontains et sous la domination incertaine de gouvernements naissants, notre pavillon a eprouvé quelques agressions, mais j'ai ordonné qu'on exigeat de justes reparations' - e, como aquele desditoso rei, Luis Napoleão julgará assim firmar e prolongar seu poder. É este perigo que deve preocupar-nos em nossas relações com a França, e o de estabelecimentos baseados sobre usurpações do nosso território."
O Brasil hoje monitora a floresta amazônica com o que há de mais
moderno em tecnologia, mas ainda falta muito para ter total
controle sobre as suas imensas riquezas
Sobre a Inglaterra, vejamos o seu julgamento objetivo e honesto:

"Para abrir ao seu comércio os portos da China à chicana do ópio, fez a um povo fraco e inocente uma guera injusta, com pretexto de certas faltas de forma, arrancou-lhe dinheiro, obrigou-o a envenenar-se com o seu ópio, a renuncia à sua política secular, a conceder-lhe terras, e por fim ainda se voltou para os povos civilizados, e veio blasonar da generosidade, com que, em vez de reservar para si o comércio dos portos, cuja abertura conseguia, os franqueava a todo o mundo, obteve aplausos, e cada povo foi pensando em aproveitar a seu modo dos portos abertos."

"Para obter uma das passagens do istmo de Panamá, não recorreu ao ópio, mas à cachaça. Com ela comprou um aliado, que arvorou em rei legítimo. À sombra dessa impostura criou uma cidade inglesa, estabeleceu os regulamentos que bem quis para o rio São João e do lado da Nicarágua espatifou uma República, criou por onde lhe pareceu comoções populares, e iria por diante tranquilamente se seus interesses não se achassem em oposição com os interesses do único povo que pode contrariar suas empresas naquelas paragens. Uma vez a braços com este rival, fingiu recuar, firmou Tratado, prometeu desistir, mas chegado o momento nem quer recuar, nem entender francamente o Tratado, nem largar o que já tem nas mãos. Cumpre porém notar que o governo norte-americano, atravessando-se diante dos projetos britânicos, não lhe foi intimar que deixasse a Nicarágua o que lhe pertence, mas sim que não monopolizasse o que usurpara a Nicarágua e que o deixasse a todo o mundo."

"Estes dois exemplos dão uma ideia dos meios que o Gabinete de S. James empregaria, para nos forçar a abrir-lhe a navegação do Amazonas, no momento em que isso lhe parecesse vantajoso. Suas multiplicadas relações conosco, seus tratados vigentes e caducos, os estabelecimentos ingleses entre nós existentes podem fornecer-lhe quantos motivos de guerra ele quiser imaginar mais plausíveis do que o ópio da China. Suas possessões na Guiana lhe podem fornecer quantas facilidades queira para improvisar alianças denominadas antigas, com reis denominados legítimos das tribos dos índios Jumas, Parintintins, Araras, ou Mandacurus, que lhe deem direitos de exigir para sua bandeira a navegação do Amazonas como ribeirinhos do Rio Branco, do Rio Negro, ou do mesmo Amazonas. Bastar-lhe-á a declaração que vai seguir neste caso a política generosa e civilizadora que seguiu na China, para que não só ninguém se lhe oponha, mas todos o aplaudam e exaltem o seu espírito justiceiro." 

Este quadro aterrador que o notável ministro-embaixador Teixeira de Macedo nos traça em 1850 da ameaça das duas super-potências, Inglaterra e França, que na época pairava sobre a nossa Amazônia, agravada pelo fato das duas serem nossas vizinhas nas duas Guianas que dominavam, e que no final do século avançariam sobre o nosso território tentando anexar os nossos atuais estados do Amapá e de Roraima, o que foi em parte evitado pela arguta diplomacia do Barão do Rio Branco, mostra-se muito pior quando Macedo aborda o papel dos Estados Unidos na trama sinistra.

"Quaisquer porém que sejam as vantagens do governo britânico, não têm elas comparação com as dos norte-americanos quando se trata de usurpações de territórios ou senhorios quaisquer dentro da América. Este país apresenta hoje um sistema de conquista e usurpação desconhecido nos tempos passados e no Velho Mundo, sistema que está encarnado na população que faz parte de suas opiniões, de seus preconceitos, que se pratica independente do governo, e mesmo contra a vontade do governo, e que portanto de continuar por muitos anos, talvez por séculos. O anglo-americano não se apresenta como um exército para combater, comprimir e submeter os outros povos, como fizeram até Napoleão todos os conquistadores, e como ainda fazem os ingleses na Índia".

Após longa análise do caráter aventureiro, conquistador e exclusivista do anglo-americano, ele diz:

"O anglo-americano se identifica completamente, absorve e assemelha a si todas as raças caucasianas mas a nenhuma delas, antes dessa completa fusão por muitas gerações, deixa subir ao governo ou ter uma verdadeira influência. Com a raça africana, com o homem em que seu sangue tenha a menor mescla do africano, não quer nunca identificar-se, não reconhece a essa raça direitos políticos nem civis, e só lhe reserva a escravidão doméstica. Nessa condição, engorda e faz multiplicar os pretos e mulatos como animais úteis, de sorte que é a raça cujo aumento aqui é maior e mais rápido mesmo comparado com a prolífica raça anglo-saxônica. Os indígenas do país estão votados ao completo extermínio. Eles não servem para a escravidão como os africanos e o anglo-saxão não admite mescla de sangue; não há outro destino a dar-lhe senão a morte".

Continuando sua acurada análise por várias páginas, onde descreve a sordidez dos métodos americanos de sistemática conquista de territórios alheios, e da sabujice com que muitos em nossa sociedade e nos meios políticos olham para o "colosso do norte", e antes de apresentar as suas sábias considerações finais no seu extraordinário relatório secreto que honra a nossa diplomacia, o ministro-embaixador apresenta provas do tamanho atingido nos EUA pela conspiração usurpadora da nossa soberania sobre a Amazônia:

"Estabelecidos os anglo-americanos na margem esquerda do Amazonas, e podem estar nele antes de 30 ou 40 anos, a questão da navegação do rio fica por si decidida. No número que incluso remeto do National Intelligencer, de 28 do mês passado, V. Exa. verá que os desejos de explorar o Amazonas não estão só no governo, mas já se espalham pelo público. Verá ainda uma amostra desse desprezo com que o anglo-americano olha para os outros povos, e especialmente para o nosso, e como a si mesmo se inclui como o civilizador por excelência da América. Devemos pois contar que muito em breve, e muito tempo antes de estenderem os americanos seu domínio até nós, começarão a insistir por essa navegação, irritando-se a qualquer recusa ou demora, e empregando contra nós ou essas manobras com que provocam a guerra, e portanto o direito de fazer a conquista da ilha de Marajó, ou as outras manobras com que se podem por em comoção essas províncias, destaca-las do Império, formar nelas repúblicas da ordem da Nicarágua, para delas obterem quanto quiserem. À página 490 do folheto. V. Exa. achará um vigoroso e bem escrito artigo a propósito da expedição de Cuba, sobre essa falta de escrúpulo com que este povo lança mão desses meios odiosos, para verificar suas não menos odiosas usurpações, sobre a cumplicidade dos altos poderes do estado às mais das vezes, e sobre sua impotência outras vezes para reprimir essa nefanda pirataria. É um norte-americano que escreve, seus raciocínios são baseados em fatos, e a única couraça que o defende contra a intolerância democrática é a verdade. No seu trabalho já citado, o tenente Maury insiste e prova que as comunicações entre o Pará e Nova Iorque são mais fáceis e curtas do que entre o Pará e o Rio de Janeiro, e por consequência é mais fácil governar as regiões banhadas pelo Amazonas de Washington do que da capital do Império do Brasil."
Alertado por seu embaixador nos EUA sobre a trama
que se urdia para a tomada da Amazônia, ele
adotou imediatas e eficazes providências


O longo relatório secreto de Teixeira de Macedo teve consequências práticas imediatas, pois, alertado do perigo, o imperador Pedro II, apesar de envolvido na Guerra do Prata contra a Argentina, cuidou de duplicar nossa esquadra com novos e modernos navios, vários deles couraçados a vapor, e encarregou o barão de Mauá, empresário mais rico do Império, de fundar companhia de navios de carga e passageiros a vapor para navegar o rio Amazonas. Mauá também cuidou de estabelecer ao longo do rio vasta rede de entrepostos comerciais privados financiados pelo seu Banco, com isso afastando o argumento estrangeiro sobre nossa incapacidade de levar a "civilização" às populações locais e de explorar as suas vastas riquezas naturais. 

O imperador Pedro II aumentou o tamanho e poderio da nossa frota,
inclusive com couraçados a vapor, e quando da Guerra do Paraguai
ela se tornara a 3ª maior do mundo. Os EUA só a igualou e
ultrapassou nos anos 1880

Mas creio que o que realmente salvou a Amazônia de na época cair em mãos norte-americanas foi o agravamento da sua questão escrava, que o dividiu e poucos anos depois o levou ao quase esfacelamento na custosa, demorada e catastrófica Guerra da Secessão entre os seus estados do norte e do sul. Terminada a Guerra, o país estava tão combalido e assoberbado de problemas e dívidas, que dedicou-se a cuidar inteiramente de suas próprias graves questões internas, entre as quais sua galopante industrialização e a colonização do seu "wild west", recentemente conquistado ao México. Isto o fez "esquecer" a Amazônia por pelo menos algumas décadas, mas a questão voltaria sob novas roupagens já no século XX.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017


Post nº 88

JANE  AUSTEN - A  GENIAL  CRONISTA
DA  SOCIEDADE  INGLESA  NO  INÍCIO
DA  REVOLUÇÃO  INDUSTRIAL 


Jane Austen morreu solteira e quase desapercebida aos 41 anos de idade,
mas hoje é a mais famosa romancista inglesa de todos os tempos

O livro de Piketty é o maior bestseller de Economia do século XXI e usa a obra de Austen
para analisar as relações sócio-econômicas no início da Revolução Industrial


Há 200 anos (18-7-1817) falecia Jane Austen, a mais popular romancista inglesa de todos os tempos. Filha de um clérigo membro da pequena nobreza rural, morreu solteira aos 41 anos de idade após publicar em vida quatro romances dos seis que escreveu: Pride and Prejudice, Reason and Sensibility, Emma e Mansfield Park. Os dois restantes, Persuasion e Northanger Abbey, foram publicados postumamente. Porém o que mais surpreende é que ela publicou seus livros anonimamente, mesmo quando já eram sucesso de venda e de público. A sua timidez e excesso de modéstia não só diminuiu o seu valor de mercado, e portanto os seus ganhos, como a impediu de gozar fama e prestígio em vida, o que poderia ter evitado seus graves ataques de depressão e minorado o sofrimento causado pela cruel doença que a levou a prematuro final de vida doloroso e solitário. Na época, sua obra foi considerada "água com açúcar (tea table romance, no jargão literário inglês), própria para senhoras românticas e mocinhas casadoras, parecendo que nem mesmo seus familiares mais íntimos levaram a sério sua literatura, pois no carinhoso epitáfio que lhe fizeram exaltam seu intelecto e suas virtudes pessoais e morais, mas omitem ter sido ela escritora!!!


Casa paroquial onde Jane nasceu e tornou-se adulta. Gravura da época.
  
Nos anos seguintes à sua morte o manto do esquecimento caiu sobre ela e sua obra, até que nos anos 1830 seu editor resolveu reimprimi-la e devolvê-la ao mercado com bom sucesso de vendas, o que atraiu a atenção da crítica e de alguns respeitados intelectuais da época. À medida que as vendas se mantinham em bom patamar e as edições se sucediam, a atenção da crítica e dos intelectuais se voltava cada vez mais para a infeliz escritora, até que em meados do século XIX a atenção virou entusiasmo e alguns chegaram a compará-la a Shakespeare, o que era incabível mas perdoável por serem tempos de lutas entre escolas (realistas x românticos) e exaltado frenesi literário. Fato é que se passou a admirar e tratar com respeito a escritora "caipira", pois Austen sempre viveu no bucólico interior campestre inglês e conhecia Londres apenas de visita. Por isso fala da grande metrópole apenas incidentalmente, e tudo indica que o único lugar sofisticado que conheceu bem foi a pequena Bath, onde viveu seis anos e era na época o mais elegante balneário da Inglaterra, lugar preferido da alta sociedade inglesa para passar o inverno e as festas de fim de ano.


Centro da elegante cidade de Bath na época de Jane Austen (primeiras décadas do século XIX)

Mas o fato é que apesar da "redescoberta" literária de Austen ter causado vívido interesse entre os intelectuais, a maioria continuou a vê-la como simples autora "chá das cinco", sem valor maior, salvo a apurada linguagem e o refinado estilo. De qualquer forma, o debate despertou a curiosidade do público leitor e desde então Austen não parou de ser lida, fazendo com que seus livros virassem peças de teatro e, mais modernamente, filmes para o cinema e séries para a TV. Dentre estas últimas destacam-se as produzidas pela BBC, com destaque para a notável versão de Pride and Prejudice levada ao ar em 1995.


Gravura de antiga edição da obra mais popular de Austen,
sucesso permanente desde que dada a público em 1814

No passado, teve-se como seu maior defeito a "atemporalidade" e "vazio histórico" de sua obra, pois embora escrita durante as Guerras Napoleônicas, um dos momentos mais difíceis da história inglesa, nunca fala-se das guerras nem dos seus atores. Não há menções a Napoleão nem aos heróis ingleses Nelson, Wellington ou quaisquer outros. Para Austen, é como se a tragédia, da qual dependia a existência da sua pátria, não existisse ou ocorresse no planeta Marte. Nem mesmo em seu livro Persuasion, cujos principais personagens masculinos são marinheiros, há menções a batalhas navais, ao almirante Nelson ou a quaisquer outros militares notáveis em virtude dos seus feitos gloriosos. Os oficiais existem apenas como namorados, noivos, maridos ou "bons partidos" em razão da fortuna ganha com os saques dos navios inimigos, sem que se saiba quem é o "inimigo" e em qual guerra ou batalha foram eles saqueados.


Na época de Austen a Inglaterra lutava ferozmente contra a França pela hegemonia
 mundial, mas para a escritora é como se a guerra não existisse
  
Mas a "atemporalidade" de Austen, tida no passado como grave defeito, hoje é vista como grande virtude, pois permitiu-lhe focar com exclusividade na mentalidade, usos e costumes da nobreza e da burguesia na hora em que o feudalismo morria, o industrialismo avançava, a burguesia se enobrecia e a nobreza se aburguesava, tornando o dinheiro o valor maior e fazendo com que as duas classes se misturassem em processo pacífico que pouparia a Inglaterra dos horrores da recente Revolução Francesa, a qual tampouco é citada por Austen. As duas últimas décadas do século XVIII e as duas primeiras do século XIX, durante as quais ela viveu, foi a época do deslanche da "Revolução Industrial" e do crescimento em grande escala do capitalismo moderno na Inglaterra, mas isso não acontecia uniformemente em todo país. A grande transformação econômica em curso passava-se principalmente em Londres e no centro-norte do Reino Unido, poupando dos seus aspectos mais dramáticos e deletérios o bucólico sudoeste rural onde Austen vivia, mas suas consequências sociais e espirituais espalhavam-se por toda sociedade, embora ela disso não tivesse consciência, dando às pessoas novo modo de sentir, pensar e proceder. Assim, o rentismo ocioso da nobreza e o empreendedorismo dinâmico da burguesia se amalgamaram na tarefa de evitar os horrores da revolução político-social, dando bases sólidas ao capitalismo, derrotando a França Napoleônica e tornando a Inglaterra mundialmente hegemônica. Para isso nem sequer precisaria ter grande exército, bastando-lhe ter grande esquadra que protegesse suas rotas marítimas e interesses econômicos ao redor do mundo, pois seus industriais, comerciantes e banqueiros fariam o resto. O resultado foi a criação do poderoso Império Britânico que dominaria o mundo por mais de um século.
Casa onde Jane viveu os últimos anos de sua vida. Hoje é um museu.

Nada indica que Austen tivesse noção do drama histórico em meio ao qual seus personagens se moviam, mas isso não muda o fato de que ninguém retratou melhor, com ironia, argúcia e talento, a alma de uma sociedade que procurava disfarçar sua paixão pelo dinheiro com hipócrita polidez e hiperbólico linguajar, onde jamais se ia direto ao ponto e a ele só se chegava indiretamente por círculos tortuosos e subtendidos que as vezes originavam incríveis confusões. Nunca as palavras foram mais usadas para ocultar os pensamentos nem estes para sepultar os sentimentos quanto na sociedade capitalista da Inglaterra do século XIX, o que deu aos ingleses a fama de "hipócritas", "excêntricos" e "esquisitos". É graças à pena magistral de Austen que hoje podemos conhecer as incríveis distorções espirituais e morais que podem ser causados pelo "deus dinheiro" nos corações e mentes de uma jovem sociedade que avança a passos de gigante rumo à grandeza material e política. 

Em seu recente livro "O Capital no Século XXI", best seller mundial no gênero, o economista francês Thomas Piketty cita a obra de Austen como o mais autorizado retrato das classes alta e média da Inglaterra e das instituições econômicas que procuravam se firmar no desabrochar da nossa moderna sociedade capitalista. Creio que nem mesmo em seus mais loucos sonhos, Austen imaginaria que dois séculos depois a sua obra "água com açúcar", retrato da sociedade em que viveu, viria a ser sobre ela a fonte mais valiosa de que lançaria mão uma das mais brilhantes obras de Economia do século XXI.




terça-feira, 8 de setembro de 2015


Post 87

BATALHA  DO  RIO  TRÉBIA  -  A  FUGA

SIMULADA  E  A  CILADA  MORTAL


Os elefantes de Aníbal foram fundamentais para a sua esmagadora vitória na batalha do Rio Trébia (218 AC)

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A batalha do Rio Trébia foi travada entre os exércitos de Roma e de Cartago no final de 218 AC, poucas semanas depois do general cartaginês Aníbal Barca cruzar os Alpes à frente de grande exército. Foi a mais surpreendente e dramática travessia da mais alta cadeia de montanhas da Europa em todos os tempos, o que permitiu ao genial estrategista ocupar o noroeste da Itália antes que os romanos se refizessem da surpresa. O inverno estava próximo e eles estavam certos de que Aníbal, com dezenas de elefantes, milhares de cavalos e numerosa infantaria, seria aniquilado pelas tempestades de neve durante sua inacreditável marcha por traiçoeiros desfiladeiros e profundos abismos gelados. Aníbal perdeu metade do seu exército na quase impossível travessia, mas sua genialidade militar lhe permitiu não só realizá-la como desbaratar o exército reunido às pressas que os estupefatos romanos mandaram ao seu encontro na região do Tessino. A vitória obtida por Aníbal lhe valeu o precioso apoio dos gauleses cisalpinos, ansiosos para livrarem-se do domínio de Roma. Com o exército reconstituído e reforçado, Aníbal marchou para o sul e os romanos, refeitos da derrota no Tessino e com exército muito superior, decidiram cortar seu avanço no vale do rio Trébia, bastante apropriado para as manobras das suas pesadas legiões.

Abaixo, publicamos um resumo adaptado de trecho da notável obra do ilustre historiador espanhol Juan Eslava Galan sobre o grande comandante cartaginês, na qual o autor descreve a batalha como se o narrador fosse o próprio Aníbal.


A  VÉSPERA  DA  BATALHA

Aníbal foi um dos maiores generais de todos os tempos e suas batalhas até hoje são estudadas
nas melhores academias militares do mundo como modelo de perfeição estratégica

"Notícias recentes diziam que os exércitos romanos tinham se reunido sob o comando do cônsul Semprônio, homem robusto de tez rosada e temperamento fogoso. Sabíamos que ele era experiente e gozava em Roma de grande fama como hábil e valente estrategista, mas sabíamos também que era irritadiço e irreflexivo, defeitos imperdoáveis em um general.

Concebi um plano simples, adequado à irreflexão de Semprônio: o exporíamos à isca de uns poucos regimentos de cavalaria e estes, em sua fuga, o atrairiam a uma cilada. Durante dois dias estudei cada trecho do terreno às margens do rio Trébia e não foi difícil achar o local ideal para os meus planos: uma pradaria descampada onde nossa cavalaria podia manobrar livremente! Era limitada de um lado pelas elevadas margens do rio e do outro por cadeia de suaves colinas revestidas de espessa arborização. A cavalaria espanhola podia ocultar-se no bosque e passaria completamente despercebida até que chegasse o momento de entrar em ação.

O exército de Semprônio atravessou o rio Pó e acampou a cinco quilómetros de nós, do outro lado do rio Trébia, e eu decidi provocar o inimigo antes que se refizesse de sua marcha. Uma hora antes do amanhecer, os meus generais Maharbal e Nura Avas foram à minha tenda para repassarmos o plano, depois desejei-lhes boa sorte e os despedi.

Ainda era noite quando três mil cavaleiros númidas dos nossos melhores regimentos cruzaram o Trébia, cujas águas geladas chegavam ao peito dos cavalos. Enquanto isso nossas sentinelas e vigias reavivavam as fogueiras e os sargentos despertavam seus homens silenciosamente. O frio era intenso, fazendo a respiração dos homens e dos animais formarem nuvens de vapor enquanto os oficiais, à frente dos seus pelotões, iam para os locais designados. Depois, homens e cavalos deitaram-se no solo e aguardaram em completo silêncio, ao mesmo tempo em que próximo a eles ocultava-se um esquadrão de trezentos fundibulários. Atrás do bosque, nossos batalhões de guerreiros insubros e boios também aguardavam em silêncio.

A  BATALHA

Apanhados em uma armadilha mortal, os romanos foram massacrados
pelos guerreiros de Aníbal

Quando começou a clarear, nossa cavalaria númida caiu de surpresa sobre as tropas inimigas que pernoitavam fora do acampamento e soltaram seus cavalos, incendiaram suas carroças e mataram os legionários que saiam das tendas antes que entendessem o que estava ocorrendo. O irreflexivo Semprônio pensou que todo meu exército sitiava seu acampamento e, furioso consigo mesmo por se haver deixado surpreender, ergueu os estandartes, organizou suas tropas e contra-atacou impetuosamente.

Seguindo nosso plano, o general Maharbal retardou o contra-ataque durante algum tempo e depois mandou inverter as insígnias, que era o sinal de fuga. Assim que o viram, os cavaleiros númidas voltaram as costas ao inimigo e fugiram em rápido galope, perseguidos furiosamente pelos romanos.

Já amanhecera por completo e apesar de chover bastante eu podia ver, do outeiro onde estabelecera meu posto de observação, o curso do rio e a planície abaixo. Como planejado, os cavaleiros númidas chegaram em desordenado galope, cruzaram o rio e depois prosseguiram sua carreira pela planície, como se tentassem refugiar-se nas elevações vizinhas. Quase imediatamente surgiu a cavalaria romana, que se lançou à água sem nenhuma vacilação. Ela acabara de cruzar o rio quando chegou a infantaria em marcha acelerada, mas sem romper sua rígida formação. Os disciplinados legionários estavam se agrupando junto ao rio, como se esperassem ordens para atravessá-lo, quando o irritado Semprônio chegou de espada na mão, censurando sua hesitação e ordenando que cruzassem o rio imediatamente.

Era o que eu estava esperando.

Obedecendo às irrefletidas ordens de Semprônio, a infantaria romana começou a cruzar o rio em jejum e com água gelada até o peito! Quando sua primeira linha de manípulos chegou à planície e a última entrou na água, ordenei aos sinaleiros que fizessem subir a fumaça branca combinada. A este sinal, os fundeiros baleares surgiram pela direita lançando os projéteis mortais de suas compridas fundas. Isto foi para os romanos um verdadeiro pesadelo, pois o zumbido do projétil só é percebido instantes antes do impacto e a vítima não tem tempo de se proteger nem de erguer o escudo para atenuar os danos.

Atrás dos fundeiros surgiram os elefantes que, açulados pelas varas e gritos dos seus indis, precipitaram-se sobre a cavalaria inimiga, ao mesmo tempo em que os cavaleiros númidas cessavam sua fuga simulada e voltavam-se contra seus arrojados perseguidores.


A batalha do Rio Trébia foi a última em que Aníbal usou elefantes na Itália. Algum tempo depois perdeu
todos eles, vitimados por moléstia infecciosa contraída nos pântanos italianos 

No lado oposto da planície, os guerreiros gauleses ocultos no bosque saiam do seu esconderijo e arremetiam contra a retaguarda inimiga. Confusos e desorganizados, vendo-se atacados por vários lados, os oficiais romanos davam ordens contraditórias que só faziam piorar sua grave situação.

Chovia torrencialmente quando os legionários mais prudentes começaram a recuar em ordem para escapar do massacre. Mas sua sensata manobra de retirada contaminou com medo incontrolável os menos valentes, instaurando o pânico e o “salve-se quem puder” nas fileiras inimigas. Em pouco tempo quase todos fugiam e seus cavalos atropelavam-se diante dos furiosos elefantes, jogando ao solo os aterrorizados cavaleiros.

Milhares de fugitivos correram de volta para o Trébia sem perceber que suas margens já estavam ocupadas por nossos guerreiros celtiberos. Mesmo assim, parte deles conseguiu organizar-se em relativa ordem para escapar pelo único local do rio que eu não guardara por ser muito profundo. Isto fez com que muitos deles, que não sabiam nadar ou não eram inteligentes o bastante para livrarem-se das suas pesadas armaduras, fossem arrastados pela correnteza e morressem afogados.

A mortandade entre os inimigos foi enorme e nossa vitória foi esmagadora. Tivemos poucas baixas, mas os romanos perderam dois terços do seu exército, incluindo o impetuoso general Semprônio. De quebra, fizemos cerca de dez mil prisioneiros e capturamos equipamento bélico suficiente para armar vinte mil homens. Também apreendemos grande quantidade de prata e de objetos valiosos, mas não fiquei com nada, pois mandei distribuir tudo entre os meus homens. Infelizmente perdemos vários dos nossos preciosos elefantes e em pouco tempo perderíamos os restantes, vítimas de cruel doença contraída nos pântanos da Itália.

À noite, comemoramos a vitória com alegres cânticos, ruidosas danças, muito vinho e comida abundante. Embriagados, muitos dos meus oficiais diziam que a guerra terminara e os romanos logo pediriam a paz. Acrescentavam alegremente que em breve voltaríamos para casa vitoriosos e ricos!

Eu também partilhava de sua otimista esperança, mas o implacável futuro nos mostraria que a guerra estava apenas começando e os romanos jamais se renderiam.
         



terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Post nº 86

VITELLIUS  -  O  IMPERADOR  GLUTÃO  QUE  FOI  LINCHADO  PELA  PLEBE  NAS
RUAS  DE  ROMA

A plebe arranca o glutão imperador Vitellius do seu esconderijo
e o leva às ruas para linchá-lo
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Por quase um século, desde a subida de Augusto ao poder em 30 AC até a queda de Nero em 68 DC, Roma gozou de paz interna sob o comando de líderes como o ótimo Augusto, os bons Tibério e Cláudio, e até mesmo os péssimos Calígula e Nero, cujos absurdos não foram muito além das suas Cortes para perturbar a paz geral. Mas quando as legiões da Gália e da Espanha rebelaram-se em 68 DC contra a insensata tirania de Nero, fazendo-o suicidar-se, a longa paz acabou e a anarquia a substituiu, fazendo cinco imperadores sentarem no trono imperial em menos de dois anos, sendo que três deles sentaram-se por tão pouco tempo que mal puderam esquentá-lo. O último dos três foi Vitellius, um gordo aristocrata romano preguiçoso e comilão, que seria bom chefe de cozinha e ótimo gerente de restaurantes se não escolhesse ser mau chefe militar e péssimo gerente de impérios.

Galba era bom general, mas era mau político. Muito correto e honesto, caiu
no desagrado dos corruptos pretorianos e eles o assassinaram

O general Galba, sucessor de Nero, era homem idoso e decente, mas desconhecia as nuances da sociedade civil, nada sabia da Corte e não tinha experiência política ou administrativa, por isso desde o início o seu governo foi um desastre de relações públicas e algumas de suas boas medidas foram feitas sem habilidade, criando-lhe censuras em lugar de aplausos. Ao invés de dissolver a viciada Guarda Pretoriana e substituí-la por batalhão dos seus fiéis soldados, quis reformá-la e moralizá-la, tornando-a sua inimiga mortal. O resultado é que tão logo a cidade foi pacificada e o exército voltou aos quartéis, guardas instigados por Othon, ex-cortesão de Nero, assassinaram Galba antes que ele sequer esquentasse o trono. Othon foi aclamado novo imperador provocando graves discórdias no Senado e no exército, disso aproveitando-se Vitellius, indolente governador da baixa Germânia, para desafiar Othon e reclamar o trono. Ele gozava do apoio das tropas da Germânia porque a estas não impunha qualquer disciplina e as cumulava de benefícios, vez que ocupando todo o seu tempo com farras e banquetes pouco se importava com a administração, a eficiência do exército e a defesa das fronteiras a seu cargo. Após dar gorda gratificação à soldadesca, encarregou seus melhores oficiais de comandarem o exército rebelado e marchar sobre Roma, enquanto ele na retaguarda os acompanhava a uma distância segura com luxuoso séquito, como se estivesse em divertida excursão, fazendo apenas o que sabia fazer bem: preguiçar, comer e beber!

Vitellius era bonachão e preguiçoso, mas era sobretudo um glutão que se
preocupava mais com comidas e bebidas do que com o Império

Durante o percurso, bajuladores lhe traziam o que na região havia de mais requintado em comida e bebida. Nas cidades onde passava, reunia os principais cidadãos e os oficiais em banquetes esplêndidos, enquanto a soldadesca, livre de qualquer disciplina, imitava-o e fazia parecer que no seu acampamento se festejava perpétua bacanal. Assim, cruzaram a Itália na época da colheita devastando, pilhando e violando como se estivessem em país inimigo, mas a sua má conduta não causou falta de apoio e, sem nem ao menos se dar ao trabalho de assistir a batalha, derrotou o exército do seu rival Othon, que não quis sobreviver à derrota e suicidou-se (15-4-69 DC).

Ao aproximar-se de Roma, Vitellius decidiu lá entrar de couraça e espada como um conquistador que conduzia adiante de si o senado e o povo, mas os seus amigos disseram-lhe que seria levado no ridículo, pois todos sabiam que ele não lutara e nem sequer vira a batalha que lhe dera a "vitória". O vaidoso gorducho desistiu da tola fanfarronice, porém em seu discurso aos senadores e ao povo, agradecendo as insignias imperiais, exagerou nos auto-elogios e provocou enorme gargalhada quando falou da sua "temperança e incansável dedicação ao trabalho". Mas no fim todos o aplaudiram, apesar de conhecerem de sobra sua glutoneria, preguiça e vergonhosa devassidão.

Como o seu séquito de comilões e beberrões entrara em Roma sob gerais aplausos das massas, ele tratou de cortejá-las com magníficos espetáculos no circo e distribuição gratuita de rações dobradas, mesmo estando o Estado falido e o Tesouro vazio. Porém, de um modo ou de outro, arranjou dinheiro e por alguns meses Roma foi palco de permanente festa, enquanto nas horas vagas ele adotava algumas boas medidas, como a de restaurar a autoridade do Senado, ao qual ia com assiduidade ganhando a simpatia de todos. Isto não quer dizer que fosse isento de crimes e crueldades, mas na época as infâmias da tirania eram corriqueiras e todos as tinham como naturais, sobretudo porque Vitellius parecia ser inofensivo devido à sua conduta simplória, típica dos gordos comilões que se ocupam mais de comida que de política. Por isso ninguém estranhava suas atrocidades e até as aplaudia por serem quase sempre cometidas sob a justificativa de “defesa da república”.

Os banquetes e festins de Vitellius superaram os de Nero em abundância de comidas e bebidas finas

Apesar de lhe render simpatias, seu procedimento bonachão era toldado por sua mania de festas e banquetes, a eles dedicando-se com exclusividade após entregar a administração do Império aos seus íntimos assessores Valens, Cecina e Asiático. Nesses meses sinistros, em que três imperadores morreram violentamente em meio a guerras civis e Roma precisava com urgência de líder sério que lhe curasse as feridas, a principal ocupação de Vitellius foi procurar novos meios para estimular o apetite. Chegando a banquetear-se cinco vezes por dia, convidava-se para almoçar na casa de um amigo, jantar na casa de outro, lanchar com um terceiro e cear com um quarto, todos apostando para ver quem o trataria mais esplendidamente. Porém seu irmão Lúcio os venceu, servindo-lhe dois mil pratos de peixe e sete mil de aves, as mais delicadas trazidas de todos os recantos do mundo. O próprio Vitellius imaginou prato chamado “Escudo de Minerva” por sua grandeza prodigiosa e que reunia os mais refinados manjares capazes de lisonjear o paladar. Eram miolos de faisões, fígados de sargos, ovas de lampreias, línguas de aves, araras de mil cores tiradas da gaiola na hora certa, sendo as fêmeas surpresas sobre as suas ninhadas e os machos tirados do seu sono porque a inquietação fazia do seu fígado delicioso manjar. Eram ovas de peixe tiradas do fundo dos lagos com aparelhos de pescar pérolas; outros peixes vinham a Roma na mesma água em que tinham sido pescados; cogumelos tinham seus nascimentos espreitados nas noites úmidas antes de serem colhidos para a mesa do imperador; frutas ainda nas árvores, levadas em caixas com a mesma terra onde cresceram, eram trazidas para que Vitellius as colhesse e gozasse das primícias do seu perfume e lanugem.  

Por onde passava era preciso ter manjares preparados, do contrário lançava-se a tudo que estivesse ao alcance dos seus dentes e chegou até a devorar as oferendas depositadas pelos devotos no altar dos deuses. Em pouco tempo gastou novecentos mil sestércios em banquetes e outro tanto em estrebarias para animais do circo, corridas e lutas de gladiadores e de animais ferozes. Para adular a plebe, que muito usufruíra das loucuras de Nero, gastou uma fortuna promovendo-lhe esplêndido funeral para grande alegria da gentalha e profunda indignação das pessoas decentes.

Vespasiano era bom general, mas ao contrário de Galba era bom político, por
isso calculou bem sua campanha e não deu chance ao adversário

Mas enquanto reinava o descalabro em Roma, o general Vespasiano, competente governador da Síria, preparava o seu golpe. Ele recebera bem a notícia da subida ao trono do decente general Galba e lhe dera seu apoio, mas quando soube que ele fora assassinado por cortesãos ambiciosos e pretorianos corruptos, resolvera tomar o poder e por ordem na casa. O seu exército era o maior e o mais poderoso do império, pois tinha a seu cargo o Oriente Médio e a problemática fronteira com o Império Persa, mas estava empenhado em duríssima guerra no Reino da Judéia, protetorado romano que sob a liderança de fanáticos religiosos rebelara-se algum tempo antes. Ele varrera os rebeldes do interior do país e os acuara em Jerusalém, onde agora estavam cercados e lutavam com feroz determinação. Diante da dificuldade da guerra e sabendo que Othon vira-se às voltas com a revolta de Vitellius após sentar-se no trono, resolveu adiar o seu projeto até que as coisas ficassem mais claras e esperou. Com o suicídio de Othon e a vitória de Vitellius, viu que sua hora chegara e com o general Tito, bravo filho que o ajudava na luta contra os judeus, traçou seu plano. Sendo seu exército muito grande, o dividiu em três: o primeiro ficaria sob o comando de Tito cercando Jerusalém, operação que dispensava abundância de tropas; o segundo marcharia pelos Bálcãs sob o comando de general Muciano e invadiria a Itália pelo norte; finalmente, o terceiro marcharia pelo litoral da África mediterrânea sob o seu comando e invadiria a Itália pelo sul. Assim foi planejado e assim foi feito sem pressa e sem afobação, pois Vespasiano acreditava que face à incompetência de Vitellius, era provável que seu governo e exército se desintegrassem antes de combater.

A maioria das províncias do império aderiu a Vespasiano, porém as províncias ocidentais, sobretudo Gália, Espanha e Britânia ficaram divididas porque Vitellius as cobrira de favores e privilégios. Mas nem todos eram tão gratos, e Cecina, artífice da sua vitória sobre Othon e chefe do seu exército, o traiu. Não obstante esse revés, o gorducho imperador mostrou que graças à sua largueza possuía muitos amigos e soldados fiéis não só nas províncias ocidentais, mas na própria Itália, todos dispostos a combater por ele. Entre estes estava o valoroso general Valens, que com grande habilidade conseguiu organizar a resistência, inclusive obtendo o decidido apoio da estratégica cidade de Cremona no norte da Itália. Com o exército acampado próximo às suas muralhas, ele decidiu cortar o avanço dos rebeldes, mas foi uma atitude suicida porque, apesar dos seus esforços, não tivera tempo de restituir eficiência ao exército e suas indisciplinadas tropas foram massacradas. Cremona foi cercada, tomada e destruída pelo inimigo vitorioso, não sem antes ser saqueada e ter sua população civil submetida aos piores horrores. Valens conseguiu fugir e dirigiu-se à Gália, onde planejava organizar novo exército com os partidários que lá possuía, mas no caminho foi preso e executado.

Enquanto tudo isso se passava e milhares morriam por ele, Vitellius permanecia indiferente ao futuro, distribuindo benesses e favores a mancheias, bebendo, comendo e entregando-se aos prazeres da sensualidade como se somente o hoje existisse e o amanhã fosse apenas uma abstração distante que jamais chegaria. Quando finalmente viu que não mais poderia ignorar o perigo, convocou enorme comício e com lágrimas, súplicas e promessas recrutou avultado número de vagabundos que se disseram dispostos a lutar por ele até o fim. Os seus oficiais organizaram os “recrutas” em um simulacro de Legião para opor-se ao aguerrido exército rebelde, porém bastou a notícia de que este tinha cruzado os montes Apeninos com a rapidez do raio para que eles desertassem aos bandos, principalmente quando portadores neutros levaram a Roma a cabeça sangrenta de Valens, última esperança dos vitelianos. Estes, após ignorar a realidade e derramar rios de sangue em luta inútil, tentaram encerrá-la persuadindo Vitellius a renunciar. Ele estava propenso a fazê-lo, mas a turba se opôs e o indeciso imperador resolveu adiar o assunto enquanto comia e bebia ainda mais.

A plebe rebelada com a notícia da renúncia de Vitellius incendeia o Capitólio, mata Sabino,  governador
de Roma e irmão de Vespasiano, e dá seu apoio ao imperador glutão

Roma tinha por governador Sabino, amigo íntimo de Vitellius e irmão de Vespasiano, que ficara neutro enquanto oferecia sua intermediação para que se chegasse a um acordo e a luta terminasse. Ele fez o irmão garantir que Vitellius nada sofreria e poderia retornar tranquilamente à vida privada caso renunciasse, mas quando se espalhou o boato da provável renúncia a turba foi tomada de frenesi inconformista e rebelou-se, invadindo e incendiando o Capitólio. No meio do tumulto, o cauteloso governador Sabino foi assassinado, extinguindo-se a última possibilidade de um acordo satisfatório. Mas, ao invés de lamentar a desgraça e punir os culpados, Vitellius iludiu-se com o ilusório apoio da multidão e julgando-se forte resolveu jogar na espera de um milagre que o conservasse no trono. Por isso mandou emissários aos rebeldes, comunicando-lhes que precisava de mais tempo para se decidir. Eles estavam furiosos com o assassinato de Sabino e responderam que não mais esperariam. No dia seguinte invadiram Roma massacrando os últimos partidários de Vitellius, mas nem assim ele foi capaz de buscar um fim digno, suicidando-se como Othon ou apresentando-se altivamente na entrada do palácio imperial para render-se e enfrentar o seu destino nas mãos dos vitoriosos. Ao invés disso, escondeu-se em um covil onde foi descoberto por vagabundos que aproveitavam a balbúrdia para saquear e destruir, como sempre acontece nas ocasiões anárquicas.

A plebe raivosa com o boato da renúncia do imperador invade o Capitólio e
mata Sabino, mas logo depois também mata Vitellius de modo infame 

Sem surpresa para os que sabem o quanto a populaça é volúvel e cruel, sempre disposta a depositar sua duvidosa lealdade aos pés de quem lhe dá mais, a mesma canalha que até o dia anterior jurava lutar e morrer por Vitellius resolveu com ele divertir-se perversamente e bajular o vencedor com espetáculo da mais vil baixeza. Após o espancarem brutalmente e o deixarem seminu, amarraram-lhe os braços nas costas e ataram-lhe uma corda no pescoço para puxá-lo pelas ruas, chicoteando-o como a um animal, em meio a insultos e gargalhadas. Durante o torpe linchamento, o desgraçado Vitellius repetia, lembrando aos seus algozes: “todavia eu já fui vosso imperador e todos vocês me adoraram”!

Por fim, quando ele já era somente uma posta de carne e sangue disforme, sem condições de continuar andando e apanhando para sórdido divertimento da plebe traiçoeira e cruel, o mataram (20-12-69 DC) e jogaram seu cadáver no rio Tibre rindo e cantando como se fosse uma festa: “tu que comeste tantos peixes vais agora ser por eles comido”!

Linchamento e assassinato de Vitellius nas ruas de Roma - 20.12.69 DC

O infame linchamento de Vitellius não foi o fim da anarquia, pois a vanguarda do exército rebelde que ocupou a cidade queria vingança pela resistência encontrada no caminho e o apoio que os citadinos tinham dado a Vitellius. Eles sabiam que mesmo o seu linchamento fora feito pela turba irresponsável por mero divertimento e maldade, pois dele só recebera benesses, por isso deixaram que se devorassem entre si, com grupos de desordeiros roubando e incendiando ricas mansões cujos donos não tinham guarda numerosa o bastante para defendê-las. Muitos assaltantes, vários guardas e alguns proprietários imprudentes que ficaram para defender os seus bens morreram durante os saques e depredações. A anarquia só cessou quando Vespasiano chegou a Roma com o grosso do exército e sumariamente prendeu e executou os criminosos, porém meses se passariam antes que as feridas causadas pelos quase dois anos de tumultos que se seguiram à morte de Nero fossem curadas e ele pudesse de fato começar a governar.

Devido à sistemática destruição nas mãos de Papas e Cardeais na Idade Média, o Coliseu virou uma ruína,
mas foi uma das mais notáveis edificações de todos os tempos e ainda hoje impressiona

Vespasiano viu com acerto que a principal fonte de instabilidade era a multidão de desocupados que vivia em Roma improdutivamente do "pão e circo" dado por imperadores populistas e irresponsáveis, como Nero e Vitellius, por isso iniciou enorme programa de obras públicas capaz de dar emprego a milhares de ociosos. Se eles agora quisessem "pão" teriam que trabalhar duro para ganhá-lo. Entre estas obras, planejadas e executadas por equipes de ótimos engenheiros, estava a maior, mais funcional e mais imponente edificação da antiguidade clássica, destinada não só a imortalizar o nome de Vespasiano, mas também a se tornar o símbolo de Roma nos séculos vindouros: o Coliseu!  


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Post nº 85

LORD  COCHRANE  -  O ALMIRANTE  CORSÁRIO  QUE  SE  TORNOU  HERÓI  DE  TRÊS  MUNDOS

Cochrane tornou-se famoso nas guerras napoleônicas, obtendo notáveis vitórias navais
contra navios de guerra franceses e espanhóis






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Ler os clássicos é sempre fonte de ilustração, mas é também fonte de preciosas lições sobre como agir face a difíceis circunstâncias do presente com base em situações ainda mais difíceis do passado. Parece ser uma fatalidade histórica que todos os séculos da Era Moderna comecem bem e logo entrem em crises de grandes proporções. O nosso começou eufórico, mas em 2008 mergulhou na pior crise econômica dos últimos 70 anos. O século XX começou tão bem que foi chamado de belle époque, porém 14 anos depois veio a catástrofe da 1ª Guerra Mundial. O século XIX não foi diferente: começou com o que se chamou de jeunesse doré usufruindo da riqueza e da paz trazida à Europa por Napoleão após a tempestade da Revolução Francesa e logo teve que enfrentar o tufão das Guerras Napoleônicas e das Guerras Latino-Americanas de Libertação.

É no sangrento cenário do início do século XIX que aparece o britânico lord Cochrane, notável capitão de navio de batalha nas guerras napoleônicas e comandante naval de fundamental importância nas lutas de independência do Brasil e do Chile, cujas esquadras ele organizou e comandou no posto de almirante outorgado pelos governos dos referidos países. Tão extraordinária foi a sua vida que ele virou personagem de romances de aventuras, dos quais o mais famoso é Peter Simple de Frederick Marryat, seu antigo subordinado na marinha. Por óbvias razões literárias, em todos eles o lendário comandante aparece sob nomes fictícios e em Peter Simple ele é o capitão Savage, notável lobo do mar em torno de cujos feitos gira o núcleo da obra.

Mas esqueçamos o capitão Savage “herói do romance de aventuras” e vejamos o almirante Cochrane “herói da vida real”. Thomas Cochrane nasceu em 1775 em nobre família escocesa cujas raízes remontavam à Idade Média, tornando-se sir Thomas Cochrane ainda jovem e lord Cochrane, décimo conde de Dundonald, já homem maduro. Na época, consoante a ordem natural das coisas, o jovem aristocrata estava destinado à vida pacata de grande senhor rural como seu pai, porém “ordem natural das coisas” e “vida pacata” eram coisas fora do âmbito do caráter aventureiro de Cochrane. Ademais, há anos sua nobre família enfrentava sérias dificuldades econômicas e muitos dos seus membros haviam escolhido a carreira militar como meio seguro de vida e de manter o elevado status social através da conquista de altos postos nos forças armadas. Um dos seus tios era almirante e graças a ele entrou na marinha em 1793 aos 18 anos de idade como suboficial, passando a oficial após rápido treinamento. Como todas as marinhas da época, a Royal Navy era depósito de rebotalho social da pior espécie, somente superado por prisões e colônias de criminosos, mas Cochrane sentiu-se à vontade nesse meio bizarro e perigoso, logo se destacando por sua notável eficiência profissional e grande liderança, qualidades que cedo lhe deram o comando de um navio de guerra.

Cochrane ainda jovem nas guerras napoleônicas. Mais tarde lutaria pela liberdade
de novos países no Pacífico, no Atlântico e no Mediterrâneo

Tivesse Cochrane entrado na marinha em tempos pacíficos teria sido apenas mais um burocrático capitão de navio sonolento criando lodo nos portos, mas creio que se na época este fosse o caso ele não teria sido marinheiro. Para os bravos e aventureiros os tempos ideais são aqueles onde o tumulto e os perigos substituem a pasmaceira da vida pacífica e bem ordenada, pois são os que permitem seus talentos e qualidades destacarem-se e serem apreciados. Os tempos de Cochrane foram desse tipo, pois havia permanente guerra com a França desde antes da rebelião das colônias americanas ocorrida há décadas. A Revolução Francesa a agravou e o advento de Napoleão a levou aos quatro cantos do globo. Para um voraz lobo do mar como Cochrane isso era “sopa no mel” porque nas marinhas da época reinava o sistema do “butim”, pelo qual, em operações navais singulares, o vencedor ganhava os despojos do inimigo e os dividia com seus homens, cabendo-lhe a melhor parte. Isto levava capitães ousados como Cochrane a operar como “piratas”, atacando e roubando tudo que pertencesse ao adversário. O nome elegante para esse tipo de pirataria legalizado era “guerra de corso” e ao capitão não se dava o nome de pirata, mas de “corsário”.  

Cochrane era rematado “corsário” e seu alvo principal eram cidades médias do litoral da França e da Espanha. Ele ancorava próximo de uma delas durante a noite e mandava botes espiões verificar se havia navios inimigos mercantes ou de guerra no porto. Conforme a informação, traçava seu plano e ao amanhecer atacava de surpresa para apreender o maior número possível de barcos e levá-los como “presa de guerra” à Inglaterra, onde os vendia e embolsava sua parte após a divisão com seus homens. Quando a apreensão não era possível, saqueava e incendiava o navio assaltado. Às vezes atacava mesmo quando não havia navios que valessem à pena e saqueava armazéns e lojas da área portuária, de sorte que de um modo ou de outro suas operações traziam grandes lucros e faziam marujos com vocação para o perigo, o roubo e a pirataria adorá-lo.

Embora os moralistas e alguns membros do almirantado fizessem sérias restrições aos atos de Cochrane e dos seus iguais, “violadores de elementares princípios de ética e cavalheirismo”, o povo o tinha como “herói”, pouco ligando para sua ladroeira e vítimas civis. Diziam que “guerra é guerra” e “na guerra vale tudo”, nela não havendo lugar para tolices como “cavalheirismo” e “considerações éticas”. Suas façanhas deram-lhe o título de cavaleiro, indo a sua bandeira adornar uma das naves da abadia de Westminster, e sua popularidade o elegeu ao Parlamento em 1807, onde se integrou à ala reformista do Partido Liberal chamada de liberal radical. Muito atuante, logo se destacou, mas era homem de caráter difícil, duro e com enorme facilidade para fazer inimigos. Assim, aos muitos desafetos que tinha na marinha somou os desafetos que fez no Parlamento, sobretudo no Partido Conservador, cujo reacionarismo e oposição às reformas ele não cessava de vergastar em discursos cáusticos e até mesmo insultuosos.

A esquadra inglesa colheu grandes vitórias contra as esquadras coligadas da França e da Espanha,
dando importante contribuição para a derrota final de Napoleão

As sessões parlamentares duravam poucos meses e o resto do ano ele passava no mar combatendo ou saqueando navios mercantes e portos inimigos. Seus hábitos não mudaram nem mesmo quando casou por amor em 1812 com uma bela jovem plebeia contra a vontade da sua nobre família, coisa que o obrigou a casar apenas no civil. Somente anos mais tarde ambos casaram também na Igreja Anglicana, único tipo de casamento aceitável pela nobreza da época. A noiva, além de bonita, era muito mais moça e Cochrane estava tão apaixonado que dela não se separava um só instante, levando-a consigo em suas perigosas viagens, fato naquele tempo comum entre os oficiais de alta patente. Os riscos eram enormes para as esposas e isso hoje nos parece absurdo, mas testemunhos da época nos informam que o perigo era aceito de bom grado pelos cônjuges, sobretudo quando se tratava de uniões por amor. Como diz o ditado, “mudam os tempos, mudam os costumes”!

Com a derrota de Napoleão e seu exílio na ilha de Elba, as guerras napoleônicas pareciam ter acabado e parte da Royal Navy foi desmobilizada, sobretudo os “corsários”, mas Cochrane já estava riquíssimo e mostrando que era corsário tanto no mar quanto em terra pôs-se a especular na Bolsa de Valores e ganhou muito dinheiro. Foi quando em 1814 circulou o boato de que Napoleão tinha morrido e o perigo que ele representava acabara. A bolsa subiu às alturas e alguns especuladores ganharam fortunas porque compraram barato grande volume de títulos pouco antes do boato e os venderam caro quando a Bolsa chegou ao pico. No dia seguinte o boato foi desmentido, os preços caíram, perderam-se fortunas e suspeitas de manipulação surgiram, instaurando-se processo para apurar possível fraude. Entre os que lucraram muito estava Cochrane e as provas contra ele eram fracas, mas o juiz que presidia a Corte era seu desafeto e ele foi condenado à prisão e a pagar pesada indenização e multa. Perdeu o título de cavaleiro, o mandato de deputado, a patente de oficial e além da pena de prisão recebeu também a pena infamante de exposição no pelourinho, mas o povo protestou e grandes manifestações tomaram conta das ruas de Londres, fazendo com que esta última fosse anulada por temerem revoltas populares mais graves do que as já ocorridas.

Porém a solidariedade do povo não evitou que Cochrane fosse para a cadeia. Quando dela saiu, estava arruinado e alguém de espírito mais fraco teria ido para a casa ancestral no interior da Escócia e lá vivido recluso até que a morte misericordiosa viesse buscá-lo. Mas abandonar a vida do mar era coisa que não passava por sua cabeça e ele saiu em busca de emprego. Foi quando a sorte lhe sorriu de novo. As guerras napoleônicas e a ocupação francesa tinham desagregado o império da Espanha e revoltas eclodiram assim que seus enviados chegaram às colônias para repor a antiga ordem de coisas. Várias proclamaram sua independência e agora travavam dura guerra de libertação. Entre estas estava o Chile, cuja forma geográfica fazia crucial a guerra naval, por isso tentava construir frota que lhe permitisse enfrentar à poderosa esquadra espanhola que lhe devastava o extenso litoral, onde ficava o que havia de relevante no país. Cochrane estava ansioso para voltar à ação e assim que foi lavrado o contrato ele alistou muitos marujos da sua antiga tripulação, navegou célere com a esposa para o Pacífico e lá chegando em 1817 caiu sobre os espanhóis como águia faminta.

A frota chilena comandada por Cochrane em operações de guerra contra os espanhóis no
litoral sul-americano do oceano Pacífico

No início sua frota tinha poucos navios apropriados ao combate, pois a maioria era de pequenos barcos cargueiros adaptados, mas, à medida que com suas táticas corsárias apreendia vasos de guerra espanhóis, sua frota crescia e em breve estava apta a travar grandes combates. Porém era ainda muito inferior e preferiu evitá-los, pois não queria arriscar tudo em uma única cartada; por isso continuou a fustigar o inimigo com a sua ousada “guerra de corso”. Até porque era esta que lhe dava os maiores lucros.

Descrever as incríveis façanhas de Cochrane nos anos em que lutou no Chile daria um livro e lembraremos apenas uma: a captura do poderoso navio de batalha Esmeralda, nave capitania da frota espanhola! Informado de que o inimigo concentrara-se em porto peruano de onde partiria para operações no litoral chileno, ele usou o método que usava no litoral francês e ancorou secretamente a uma distância segura da frota inimiga. À noite, mandou dezenas de escaleres com os seus “piratas” até os barcos espanhóis, dos quais se aproximaram silenciosamente, lançaram ganchos de abordagem em suas amuradas e as escalaram rapidamente, capturando vários navios que estavam com quase toda tripulação adormecida ou em terra. Aqueles onde houve luta e não puderam ser capturados foram incendiados e os assaltantes nadaram de volta aos botes, indo para os barcos já em poder dos seus companheiros. Ao amanhecer, diversos vasos de guerra, inclusive o Esmeralda, tinham caído em suas mãos e outros estavam em chamas. Quando se retirou, a esquadra espanhola praticamente deixara de existir e ele dominava o Pacífico Sul, com o poder de sua frota duplicado graças aos navios apreendidos.

Enquanto Cochrane derrotava os espanhóis no mar o general O'Higgins, chefe do governo
chileno, derrotava os espanhóis em terra

Seu trabalho no Chile terminara e poderia tê-lo adotado como nova pátria, lá ficando como chefe da esquadra e eminente cidadão, vivendo rico e feliz o resto da vida, mas ele era aventureiro por instinto e inclinação, não sendo do seu feitio ter vida sedentária, próspera e pacata, sonho da grande maioria das pessoas. Sem o mar profundo abaixo e as ondas furiosas ao redor, ele era como peixe fora d’água, e sem combates à frente ele era como ave migratória que perde o rumo e voa sem destino até morrer de desespero e cansaço. Ademais, a despeito de ser um mercenário, era um patriota que nunca deixara de sonhar com o seu país que o tratara tão mal e buscara sempre estar ao seu serviço, mesmo quando lutava por outros países, como no caso do Chile. Antes de aceitar o contrato, informara-se da posição da Inglaterra e ficara aliviado ao saber que era do seu interesse o fim do império colonial espanhol, seu rival. Sua ligação com representantes diplomáticos ingleses na região, que agiam discretamente para não ofender a Espanha e oficiosamente por não ter sido ainda reconhecida a independência dos novos países, era estreita e lhe dava a curiosa condição de ser ao mesmo tempo agente pago de país estrangeiro e agente gratuito de seu próprio país, sem que houvesse contradição entre as duas coisas.

Em uma de suas muitas audazes operações corsárias na costa do Pacífico durante a guerra de libertação
do Chile, os marinheiros de Cochrane capturam o porto de Valdívia

Com o fim da guerra no Chile, ele tentou se juntar a Bolívar no norte, mas a guerra que este travava era basicamente terrestre e dispensava operações navais. Foi quando em 1822 recebeu convite para comandar a esquadra do recém criado Império do Brasil. O príncipe herdeiro do Reino de Portugal era príncipe regente do Reino do Brasil e, instigado pelo ministro José Bonifácio e por sua esposa, a arquiduquesa Maria Leopoldina, filha do imperador da Áustria e mulher muito culta que secretamente articulava o apoio europeu à causa brasileira, rompera com Portugal, proclamando a separação dos dois reinos e promovendo-se de príncipe regente a imperador do Brasil sob o nome de Dom Pedro I. O rei de Portugal seu pai, Dom João VI, não aceitara a separação e a guerra eclodira. Os dois países ficavam frente a frente, tendo o Oceano Atlântico no meio, e o litoral brasileiro era duas vezes mais extenso e mais rico que o chileno, o que fazia da guerra naval um imperativo estratégico.

A frota ficara ao lado de Portugal e o imperador teria de criar nova frota se não quisesse ficar sem o trono de Portugal e sem o trono do Brasil. Assim, pegou velhos navios de guerra portugueses ancorados no porto do Rio quando da separação e os juntou com cargueiros adaptados às pressas, dando-lhes o pomposo título de “frota imperial”. Cochrane quase desesperou ao ver o seu péssimo estado, mas não se intimidou e velejou para a Bahia, então a mais importante província brasileira e que estava em poder dos portugueses. Intensos combates se travavam em terra, com clara vantagem para Portugal, pois sua esquadra bloqueava o porto da capital baiana, impedindo a vinda por mar de socorros aos separatistas enquanto os portugueses recebiam reforços de soldados, armas e munições.

Após proclamar a dissolução do Reino Unido do Brasil e Portugal, o príncipe herdeiro do trono dos
dois países se fez coroar imperador do Brasil com o título de Dom Pedro I

Na sua rota, Cochrane capturou um cargueiro português, mas quando tentou entrar na baía de Todos os Santos o inimigo lhe infligiu pesada derrota. Só a sua habilidade permitiu-lhe escapar com metade dos seus barcos e voltar ao Rio, onde fez amargo relato ao governo acerca do miserável estado da “frota imperial”: barcos desconjuntados, que ameaçavam se desmanchar apenas com a vibração dos próprios disparos, velas apodrecidas rasgando-se com ventos fortes, canhões mal conservados explodindo e matando os artilheiros, pólvora velha ou falsificada produzindo tiro chocho ou nenhum, e por aí vai. Porém sua maior queixa era das tripulações compostas por negros libertados da escravidão para servirem na armada, marinheiros portugueses ancorados no Rio quando da separação e malandros recrutados nas ruas. Os únicos que tinham treino eram os marinheiros portugueses, mas não mereciam confiança porque estiveram a ponto de se amotinar e de apoderar-se de vários navios para aderir ao inimigo durante a batalha. Os outros eram quase inúteis e todos eram indisciplinados e sujos, recusando-se a fazer qualquer trabalho de limpeza dos próprios alojamentos e latrinas. Mostrando seu liberalismo radical, que tinha como um dos seus pontos programáticos a abolição da escravatura, dizia que um dos piores efeitos do regime escravocrata, amplamente vigorante no Brasil, era a criação de uma cultura avessa ao trabalho manual e à disciplina que lhe é inerente, fazendo as pessoas tê-lo como "coisa de escravos" e julgá-lo degradante, mesmo quando trabalhavam em seu próprio benefício. À essa perversa "cultura" gerada pela escravidão devia-se a ausência de indústrias no país, para as quais é essencial o trabalho manual e a disciplina, assim como a ela devia-se também a preguiça, o relaxamento e a imundície reinantes na frota, mero reflexo do que ocorria na sociedade brasileira. 

Sua posição extremamente crítica não lhe causou maiores incômodos porque na época o imperador Pedro I e o ministro José Bonifácio eram maçons e liberais radicais que não defendiam a escravidão, apenas tolerando-a como mal necessário às especiais condições econômicas do país, mas tanto nos encontros oficiais como nas conversas pessoais Cochrane deve ter sido muito mais incisivo no que se referia à frota porque navios novos foram adquiridos, velhos foram reequipados, antigas tripulações dispensadas e muitos marujos ingleses e americanos contratados. Daí em diante Cochrane só teve vitórias e quando os portugueses finalmente retiraram-se da Bahia ele os perseguiu até o meio do oceano Atlântico, capturando vários dos seus navios. Após fustigar ao máximo o comboio inimigo, fez meia-volta e seguiu para o Maranhão, outra grande província insubmissa, onde com um ardil obteve a rendição e retirada dos ocupantes tanto do Maranhão quanto do Pará, província até então também fiel a Portugal. Orgulhosamente, oficiou ao governo comunicando que os últimos inimigos tinham sido varridos do litoral brasileiro e o país agora estava em paz.

Muitos têm criticado o comportamento de Cochrane em São Luís, capital do Maranhão, pois a bombardeou e saqueou após ocupa-la militarmente, mas isto estava em seu contrato e as ordens do Imperador eram tratar com dureza os reinóis impenitentes. Ademais, não há notícia de que lá houvesse lojas maçônicas ou um partido liberal pró-independência, tendo a cidade ficado firme ao lado da antiga metrópole e das suas carcomidas instituições absolutistas e fradescas. Isto talvez explique a diferença entre o tratamento que o maçom liberal Cochrane deu a São Luís e o que mais tarde daria ao Recife.  

A imperatriz Maria Leopoldina era filha do imperador da Áustria e mulher muito culta. Junto com
o ministro José Bonifácio ela articulou o apoio europeu ao novo Império do Brasil

Ao voltar recebeu grandes homenagens e o imperador lhe outorgou o título de marquês do Maranhão. Pedro I era muito irônico e gostava de fazer piadas, por isso a cota d’armas correspondente ao título era decorada com cabeças de ferozes lobos diabólicos, certamente em alusão aos apelidos Loup de Mer e El Diablo que franceses e espanhóis lhe deram. Nos meses de paz que se seguiram Cochrane se dedicou a fazer da imperial marinha brasileira uma marinha de verdade, agregando novos barcos, modernizando os antigos e treinando os marinheiros na tradição, disciplina e eficiência britânicas. Foi com certeza o seu trabalho que possibilitou ao Brasil meio século depois ter a terceira maior esquadra do mundo, superior às esquadras russa, alemã e americana.

Em 1824 a importante província de Pernambuco proclamou sua separação do Império e com outras províncias menores circunvizinhas formou uma república com o nome de Confederação do Equador. Porém tratava-se mais de um protesto de liberais radicais contra a dissolução da Assembleia Nacional Constituinte e outorga autoritária de uma Constituição pelo imperador do que de movimento realmente separatista, para o qual não havia apoio popular nem reais condições sociais e econômicas. Mas o governo não hesitou e Cochrane bloqueou o porto do Recife, capital da província rebelde e QG da revolução, sem, todavia bombardeá-lo ou ocupá-lo, podendo-se dizer que o seu papel foi apenas tático. Até então, tanto no Chile como no Brasil, ele lutara ao lado de liberais contra opressores, mas agora via-se lutando contra liberais que se rebelaram contra um imperador que era liberal e se tornara opressor. É possível que a conduta moderada de Cochrane no episódio deva-se à sua secreta simpatia pelos rebeldes, maçons e “liberais radicais” como ele, mas não há evidência disso. De qualquer forma, mesmo sem ações mais violentas, o bloqueio impediu os revolucionários de receberem suprimentos por mar e teve grande impacto psicológico, enfraquecendo-os bastante. Todavia a provável desconfortável situação de Cochrane não durou muito porque, enquanto sua esquadra permanecia ameaçadora defronte ao porto do Recife, exército vindo da Bahia por terra invadiu Alagoas e Pernambuco, derrotou os rebeldes em vários combates e eles renderam-se.

A repressão foi sangrenta, mas Cochrane nela não se envolveu porque tão logo os imperiais ocuparam Recife ele voltou ao Rio com o seu dever cumprido, apesar de não haver registro dele ter lutado durante a campanha. É até mesmo possível que a duríssima repressão ordenada por Pedro I contra os rebeldes tenha sido uma das causas do posterior rompimento entre ambos, pois vários dos liberais radicais executados eram maçons e o imperador fez ouvidos moucos aos apelos dos mais eminentes membros da Maçonaria, da qual era Grão-Mestre, para que os perdoasse. 

Cochrane em seu apogeu no comando da esquadra imperial do Brasil durante
a vitoriosa guerra de separação travada contra Portugal

Depois de pacificado o país nada mais havia a fazer, porém fosse porque o casal gostasse do Rio, onde a colônia inglesa era grande, fosse porque não queria partir antes de arranjar novo emprego, fosse porque o governo relutava em pagar o que lhe devia, ele deixou-se ficar cuidando dos afazeres rotineiros na marinha brasileira e entretendo-se com os amigos. Mas seu caráter irrequieto o levou a sérias desavenças com o imperador, que lhe era de caráter muito semelhante, pois ambos eram valentes, brigões e sem papas na língua. Houve insultos de lado a lado, com Cochrane chamando o imperador de caloteiro e este chamando-o de ladrão, o que fez ambos romperem definitivamente suas conturbadas relações. O resultado foi que Cochrane não recebeu o que julgava ter direito por contrato e decidiu deixar o Brasil. Mas parece que na briga ele tinha razão, tudo indicando que foi apenas mais uma vítima do hábito latino-americano de desrespeitar ajustes e não pagar dívidas, pois apesar do caso se arrastar durante décadas nos escaninhos da burocracia e não se saber até onde a diplomacia inglesa influiu na final decisão, cerca de meio século depois suas pretensões foram atendidas e seus herdeiros receberam polpuda quantia do governo brasileiro.

Mas muito tempo antes, cansado do “devo, não nego, pago quando puder” das autoridades imperiais, Cochrane rompeu o contrato com o Brasil sem dar quitação e partiu para outras aventuras, agora no leste do mar Mediterrâneo, onde a Grécia lutava contra os turcos após separar-se do Império Otomano. Por indicação do governo inglês, mostrando o quanto suas mútuas relações tinham melhorado desde a sua infame condenação, a Grécia contratou Cochrane para comandar a sua frota e ele não decepcionou, derrotando os turcos em várias batalhas e assolando os seus portos na Europa e na Ásia Menor com suas táticas corsárias. Finalmente a Grécia obteve a sua independência e Cochrane encerrou sua missão mais rico e glorioso do que nunca.  

Tendo recebido dos gregos tudo que fora acertado e duplicado sua fortuna saqueando os portos turcos no litoral da Ásia Menor, ele voltou à Inglaterra após muitos anos de ausência e foi surpreendido ao ver que se tornara uma “celebridade”. A única mídia existente na época era a imprensa e esta padecia da falta de notícias que despertassem o público da sua madorra, pois os anos que se seguiram à queda de Napoleão foram incrivelmente aborrecidos para o ávido leitor de jornais que está sempre atrás de notícias capazes de lhe despertar a imaginação e a emoção. Nesse ambiente abúlico, depois de serem coloridas por penas talentosas, “as aventuras de lord Cochrane em mares distantes”, lutando pela liberdade de países remotos dos quais poucos tinham ouvido falar, era um tônico para as mentes românticas, enervadas pela falta de novidades excitantes.

O seu pai falecera há alguns anos e ele tornara-se o 10º conde de Dundonald e lord Cochrane. Assim, logo que voltou à Inglaterra tomou posse da sua cadeira na Câmara dos Lords e foi à luta para obter o que se tornara o seu principal objetivo: limpar o seu nome da infame condenação! Devido à popularidade que sempre teve e ao prestígio de que agora gozava nas altas esferas por seu papel no enfraquecimento dos impérios da Espanha, Portugal e Turquia, rivais do Império Britânico, a tarefa não lhe exigiu muito e em 1833 o rei lhe anulou a condenação, devolveu-lhe o título de cavaleiro e o reintegrou à marinha no posto de almirante. Só não lhe devolveu o mandato de deputado porque este há muito se extinguira e agora, como membro da Câmara dos Lords, não mais poderia exercer mandatos na Câmara dos Comuns. Mas foi plenamente reabilitado e o perdão real teve enorme repercussão militar, política e social. 

A marinha do Brasil homenageia Cochrane em seu túmulo na abadia de Westminster. De frente, na foto,
vê-se Joaquim Nabuco, então ministro do Brasil na Inglaterra

Ele estava com quase 60 anos de idade, muito cansado após 40 anos de aventurosa e intensa atividade no mar, sem igual entre líderes navais de sua época ou de qualquer outra época, e decidiu parar. Daí por diante levou vida de grão-senhor, mantendo atividade social compatível e desempenhando apenas funções rotineiras na Royal Navy. Devido à sua avançada idade, esta o usava apenas como blefe quando precisava incutir respeito em algum país rival que estava pensando em adotar medidas que não eram do interesse da Inglaterra, e divulgava uma nota mais ou menos assim: “dados os recentes acontecimentos, o almirantado em sessão desta data considerou seriamente a possibilidade de mandar uma esquadra sob o comando do almirante lord Cochrane a fim de garantir os interesses do governo de sua majestade”. Quase sempre isso era considerado ameaça de duríssima guerra e o agora avisado atrevido retirava-se calmamente antes que o pior acontecesse e ele tivesse que enfrentar os métodos letais do feroz “lobo do mar”. Mas Cochrane, elevado a “bicho papão”, não voltou a comandar frotas nem navios, pois o almirantado decidira que ele era idoso para isso e muito mais útil seria aproveitar sua imensa experiência e talento no próprio alto comando, onde sigilosamente formularia novas políticas e estratégias navais que seriam repassadas aos oficiais mais novos e promissores.

Rico, famoso e respeitado, Cochrane tornou-se personagem de livros de aventuras avidamente consumidos pelo público e morreu em 1860 aos 85 anos de idade durante cirurgia nos rins. Foi sepultado entre os heróis nacionais britânicos na abadia de Westminster, mas permanece na história como o único caso de herói que transcende as fronteiras de sua pátria para também ser herói de outros países situados em continentes, mares e oceanos diferentes. Enfim: herói de vários mundos!