O RELATÓRIO SECRETO DO EMBAIXADOR BRASILEIRO NOS EUA (1850) SOBRE
A TRAMA INTERNACIONAL PARA
A CONQUISTA DA AMAZÔNIA
Há séculos a Amazônia é alvo da cobiça
internacional
A TRAMA INTERNACIONAL PARA
A CONQUISTA DA AMAZÔNIA
Há séculos a Amazônia é alvo da cobiça
internacional
A conspiração internacional para tomar a Amazônia do Brasil é antiga. Em 14 de novembro de 1850, o nosso embaixador nos EUA, Teixeira de Macedo, na época denominado ministro, dirigiu ao Chanceler Souza Franco, ofício confidencial onde denunciava a intensa conspiração que se organizava nos EUA visando uma futura intervenção em nossa região amazônica, onde não estava descartada uma invasão armada pura e simples. A justificativa era a de sempre, ainda hoje usada pelos EUA nas intervenções ao redor do mundo: levar a civilização e os valores ocidentais àquela região atrasada do mundo, onde a imensa maioria dos habitantes eram índios que ainda viviam na Idade da Pedra, e cujo incompetente governo brasileiro era incapaz de arrancar da barbárie. Também falava-se nas imensas riquezas que os bisonhos empresários nacionais, carentes do arrojo e da criatividade dos homens de negócios anglo-saxões, eram incapazes de explorar e de pô-los ao desfrute comum da humanidade. Urgia, portanto, que as nações adiantadas do mundo tomassem a iniciativa que faltava aos primitivos habitantes locais e ao seu ronceiro governo.
Teixeira de Macedo, nosso ministro-embaixador nos EUA que
em 1850 denunciou a trama internacional das grandes
potências para apoderarem-se da Amazônia
O ofício de Teixeira de Macedo é longo e detalhado, verdadeira obra-prima produzida por um diplomata culto e patriota que não subordinava os interesses do Brasil às grandes potências coloniais e conquistadoras da época, França, Inglaterra e Estados Unidos. Após historiar minunciosamente as origens da trama, sobretudo a campanha levada a cabo junto a opinião pública dos EUA e dos altos escalões do seu governo por um brilhante oficial naval americano, que, como agente-espião, havia percorrido toda a Amazônia, o nosso ministro-embaixador desmascara os argumentos utilizados para influenciar o povo e seus líderes, que eram, basicamente, levar a "civilização e os elevados princípios da cultura ocidental" às primitivas populações amazônicas, cuja imensa maioria vivia ainda na "Idade da Pedra". Como se vê, nada muito diferente do palavreado que o governo dos EUA usa até hoje para justificar suas intervenções políticas e militares ao redor do mundo. Mas o papel da França e da Inglaterra na trama também lhe chama a atenção:
"As nações que têm interesse e podem exercer influência sobre o Brasil são unicamente os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, porque são as únicas que têm uma marinha de comércio de guerra considerável, reúnem o espírito de empresa, uma larga indústria fabril, e por conseguinte a necessidade de obter mercados a seus produtos, e ir para esse fim contender com países longínquos, agrícolas e consumidores de gêneros manufaturados".
Logo adiante ele analisa a política externa de cada uma dessas nações, mostrando que não são guiadas por nenhum "alto princípio", mas pura e simplesmente por interesses, seja o demagógico de satisfazer o orgulho e a arrogância dos seus governos e povos, seja o comercial de satisfazer a ganância de suas elites financeiras e empresariais. Vejamos o que diz ele sobre a França:
"O governo francês, ou esteja na mão de fidalgos, ou de professores, ou de advogados, ou de generais, é sempre o mesmo, inepto em suas relações estrangeiras, incapaz de fundar estabelecimento algum colonial que prospere, mas sempre atrapalhado com questões de nenhuma utilidade, como a das ilhas Marquesas, e só sabendo criar dificuldades em países remotos, para poder redigir boletins e cantar louvores à bravura dos seus guerreiros nos discursos em solenidades, em banquetes, e na abertura do Corpo Legislativo. Se o governo de Luis Napoleão, ou de quem lhe suceda, achar na questão do cônsul em Pernambuco pretexto para bombardear alguma cidade nossa, destruir alguma fortaleza, meter a pique algum navio, folgará de poder apresentar-se ao público e ao Corpo Legislativo, dizendo como Carlos X em 1828 - 'Dans les parages lontains et sous la domination incertaine de gouvernements naissants, notre pavillon a eprouvé quelques agressions, mais j'ai ordonné qu'on exigeat de justes reparations' - e, como aquele desditoso rei, Luis Napoleão julgará assim firmar e prolongar seu poder. É este perigo que deve preocupar-nos em nossas relações com a França, e o de estabelecimentos baseados sobre usurpações do nosso território."
"Para abrir ao seu comércio os portos da China à chicana do ópio, fez a um povo fraco e inocente uma guera injusta, com pretexto de certas faltas de forma, arrancou-lhe dinheiro, obrigou-o a envenenar-se com o seu ópio, a renuncia à sua política secular, a conceder-lhe terras, e por fim ainda se voltou para os povos civilizados, e veio blasonar da generosidade, com que, em vez de reservar para si o comércio dos portos, cuja abertura conseguia, os franqueava a todo o mundo, obteve aplausos, e cada povo foi pensando em aproveitar a seu modo dos portos abertos."
"Para obter uma das passagens do istmo de Panamá, não recorreu ao ópio, mas à cachaça. Com ela comprou um aliado, que arvorou em rei legítimo. À sombra dessa impostura criou uma cidade inglesa, estabeleceu os regulamentos que bem quis para o rio São João e do lado da Nicarágua espatifou uma República, criou por onde lhe pareceu comoções populares, e iria por diante tranquilamente se seus interesses não se achassem em oposição com os interesses do único povo que pode contrariar suas empresas naquelas paragens. Uma vez a braços com este rival, fingiu recuar, firmou Tratado, prometeu desistir, mas chegado o momento nem quer recuar, nem entender francamente o Tratado, nem largar o que já tem nas mãos. Cumpre porém notar que o governo norte-americano, atravessando-se diante dos projetos britânicos, não lhe foi intimar que deixasse a Nicarágua o que lhe pertence, mas sim que não monopolizasse o que usurpara a Nicarágua e que o deixasse a todo o mundo."
"Estes dois exemplos dão uma ideia dos meios que o Gabinete de S. James empregaria, para nos forçar a abrir-lhe a navegação do Amazonas, no momento em que isso lhe parecesse vantajoso. Suas multiplicadas relações conosco, seus tratados vigentes e caducos, os estabelecimentos ingleses entre nós existentes podem fornecer-lhe quantos motivos de guerra ele quiser imaginar mais plausíveis do que o ópio da China. Suas possessões na Guiana lhe podem fornecer quantas facilidades queira para improvisar alianças denominadas antigas, com reis denominados legítimos das tribos dos índios Jumas, Parintintins, Araras, ou Mandacurus, que lhe deem direitos de exigir para sua bandeira a navegação do Amazonas como ribeirinhos do Rio Branco, do Rio Negro, ou do mesmo Amazonas. Bastar-lhe-á a declaração que vai seguir neste caso a política generosa e civilizadora que seguiu na China, para que não só ninguém se lhe oponha, mas todos o aplaudam e exaltem o seu espírito justiceiro."
Este quadro aterrador que o notável ministro-embaixador Teixeira de Macedo nos traça em 1850 da ameaça das duas super-potências, Inglaterra e França, que na época pairava sobre a nossa Amazônia, agravada pelo fato das duas serem nossas vizinhas nas duas Guianas que dominavam, e que no final do século avançariam sobre o nosso território tentando anexar os nossos atuais estados do Amapá e de Roraima, o que foi em parte evitado pela arguta diplomacia do Barão do Rio Branco, mostra-se muito pior quando Macedo aborda o papel dos Estados Unidos na trama sinistra.
"Quaisquer porém que sejam as vantagens do governo britânico, não têm elas comparação com as dos norte-americanos quando se trata de usurpações de territórios ou senhorios quaisquer dentro da América. Este país apresenta hoje um sistema de conquista e usurpação desconhecido nos tempos passados e no Velho Mundo, sistema que está encarnado na população que faz parte de suas opiniões, de seus preconceitos, que se pratica independente do governo, e mesmo contra a vontade do governo, e que portanto de continuar por muitos anos, talvez por séculos. O anglo-americano não se apresenta como um exército para combater, comprimir e submeter os outros povos, como fizeram até Napoleão todos os conquistadores, e como ainda fazem os ingleses na Índia".
Após longa análise do caráter aventureiro, conquistador e exclusivista do anglo-americano, ele diz:
"O anglo-americano se identifica completamente, absorve e assemelha a si todas as raças caucasianas mas a nenhuma delas, antes dessa completa fusão por muitas gerações, deixa subir ao governo ou ter uma verdadeira influência. Com a raça africana, com o homem em que seu sangue tenha a menor mescla do africano, não quer nunca identificar-se, não reconhece a essa raça direitos políticos nem civis, e só lhe reserva a escravidão doméstica. Nessa condição, engorda e faz multiplicar os pretos e mulatos como animais úteis, de sorte que é a raça cujo aumento aqui é maior e mais rápido mesmo comparado com a prolífica raça anglo-saxônica. Os indígenas do país estão votados ao completo extermínio. Eles não servem para a escravidão como os africanos e o anglo-saxão não admite mescla de sangue; não há outro destino a dar-lhe senão a morte".
Continuando sua acurada análise por várias páginas, onde descreve a sordidez dos métodos americanos de sistemática conquista de territórios alheios, e da sabujice com que muitos em nossa sociedade e nos meios políticos olham para o "colosso do norte", e antes de apresentar as suas sábias considerações finais no seu extraordinário relatório secreto que honra a nossa diplomacia, o ministro-embaixador apresenta provas do tamanho atingido nos EUA pela conspiração usurpadora da nossa soberania sobre a Amazônia:
"Estabelecidos os anglo-americanos na margem esquerda do Amazonas, e podem estar nele antes de 30 ou 40 anos, a questão da navegação do rio fica por si decidida. No número que incluso remeto do National Intelligencer, de 28 do mês passado, V. Exa. verá que os desejos de explorar o Amazonas não estão só no governo, mas já se espalham pelo público. Verá ainda uma amostra desse desprezo com que o anglo-americano olha para os outros povos, e especialmente para o nosso, e como a si mesmo se inclui como o civilizador por excelência da América. Devemos pois contar que muito em breve, e muito tempo antes de estenderem os americanos seu domínio até nós, começarão a insistir por essa navegação, irritando-se a qualquer recusa ou demora, e empregando contra nós ou essas manobras com que provocam a guerra, e portanto o direito de fazer a conquista da ilha de Marajó, ou as outras manobras com que se podem por em comoção essas províncias, destaca-las do Império, formar nelas repúblicas da ordem da Nicarágua, para delas obterem quanto quiserem. À página 490 do folheto. V. Exa. achará um vigoroso e bem escrito artigo a propósito da expedição de Cuba, sobre essa falta de escrúpulo com que este povo lança mão desses meios odiosos, para verificar suas não menos odiosas usurpações, sobre a cumplicidade dos altos poderes do estado às mais das vezes, e sobre sua impotência outras vezes para reprimir essa nefanda pirataria. É um norte-americano que escreve, seus raciocínios são baseados em fatos, e a única couraça que o defende contra a intolerância democrática é a verdade. No seu trabalho já citado, o tenente Maury insiste e prova que as comunicações entre o Pará e Nova Iorque são mais fáceis e curtas do que entre o Pará e o Rio de Janeiro, e por consequência é mais fácil governar as regiões banhadas pelo Amazonas de Washington do que da capital do Império do Brasil."
O longo relatório secreto de Teixeira de Macedo teve consequências práticas imediatas, pois, alertado do perigo, o imperador Pedro II, apesar de envolvido na Guerra do Prata contra a Argentina, cuidou de duplicar nossa esquadra com novos e modernos navios, vários deles couraçados a vapor, e encarregou o barão de Mauá, empresário mais rico do Império, de fundar companhia de navios de carga e passageiros a vapor para navegar o rio Amazonas. Mauá também cuidou de estabelecer ao longo do rio vasta rede de entrepostos comerciais privados financiados pelo seu Banco, com isso afastando o argumento estrangeiro sobre nossa incapacidade de levar a "civilização" às populações locais e de explorar as suas vastas riquezas naturais.
Mas creio que o que realmente salvou a Amazônia de na época cair em mãos norte-americanas foi o agravamento da sua questão escrava, que o dividiu e poucos anos depois o levou ao quase esfacelamento na custosa, demorada e catastrófica Guerra da Secessão entre os seus estados do norte e do sul. Terminada a Guerra, o país estava tão combalido e assoberbado de problemas e dívidas, que dedicou-se a cuidar inteiramente de suas próprias graves questões internas, entre as quais sua galopante industrialização e a colonização do seu "wild west", recentemente conquistado ao México. Isto o fez "esquecer" a Amazônia por pelo menos algumas décadas, mas a questão voltaria sob novas roupagens já no século XX.
"As nações que têm interesse e podem exercer influência sobre o Brasil são unicamente os Estados Unidos, a Inglaterra e a França, porque são as únicas que têm uma marinha de comércio de guerra considerável, reúnem o espírito de empresa, uma larga indústria fabril, e por conseguinte a necessidade de obter mercados a seus produtos, e ir para esse fim contender com países longínquos, agrícolas e consumidores de gêneros manufaturados".
Logo adiante ele analisa a política externa de cada uma dessas nações, mostrando que não são guiadas por nenhum "alto princípio", mas pura e simplesmente por interesses, seja o demagógico de satisfazer o orgulho e a arrogância dos seus governos e povos, seja o comercial de satisfazer a ganância de suas elites financeiras e empresariais. Vejamos o que diz ele sobre a França:
"O governo francês, ou esteja na mão de fidalgos, ou de professores, ou de advogados, ou de generais, é sempre o mesmo, inepto em suas relações estrangeiras, incapaz de fundar estabelecimento algum colonial que prospere, mas sempre atrapalhado com questões de nenhuma utilidade, como a das ilhas Marquesas, e só sabendo criar dificuldades em países remotos, para poder redigir boletins e cantar louvores à bravura dos seus guerreiros nos discursos em solenidades, em banquetes, e na abertura do Corpo Legislativo. Se o governo de Luis Napoleão, ou de quem lhe suceda, achar na questão do cônsul em Pernambuco pretexto para bombardear alguma cidade nossa, destruir alguma fortaleza, meter a pique algum navio, folgará de poder apresentar-se ao público e ao Corpo Legislativo, dizendo como Carlos X em 1828 - 'Dans les parages lontains et sous la domination incertaine de gouvernements naissants, notre pavillon a eprouvé quelques agressions, mais j'ai ordonné qu'on exigeat de justes reparations' - e, como aquele desditoso rei, Luis Napoleão julgará assim firmar e prolongar seu poder. É este perigo que deve preocupar-nos em nossas relações com a França, e o de estabelecimentos baseados sobre usurpações do nosso território."
O Brasil hoje monitora a floresta amazônica com o que há de mais moderno em tecnologia, mas ainda falta muito para ter total controle sobre as suas imensas riquezas |
Sobre a Inglaterra, vejamos o seu julgamento objetivo e honesto:
"Para abrir ao seu comércio os portos da China à chicana do ópio, fez a um povo fraco e inocente uma guera injusta, com pretexto de certas faltas de forma, arrancou-lhe dinheiro, obrigou-o a envenenar-se com o seu ópio, a renuncia à sua política secular, a conceder-lhe terras, e por fim ainda se voltou para os povos civilizados, e veio blasonar da generosidade, com que, em vez de reservar para si o comércio dos portos, cuja abertura conseguia, os franqueava a todo o mundo, obteve aplausos, e cada povo foi pensando em aproveitar a seu modo dos portos abertos."
"Para obter uma das passagens do istmo de Panamá, não recorreu ao ópio, mas à cachaça. Com ela comprou um aliado, que arvorou em rei legítimo. À sombra dessa impostura criou uma cidade inglesa, estabeleceu os regulamentos que bem quis para o rio São João e do lado da Nicarágua espatifou uma República, criou por onde lhe pareceu comoções populares, e iria por diante tranquilamente se seus interesses não se achassem em oposição com os interesses do único povo que pode contrariar suas empresas naquelas paragens. Uma vez a braços com este rival, fingiu recuar, firmou Tratado, prometeu desistir, mas chegado o momento nem quer recuar, nem entender francamente o Tratado, nem largar o que já tem nas mãos. Cumpre porém notar que o governo norte-americano, atravessando-se diante dos projetos britânicos, não lhe foi intimar que deixasse a Nicarágua o que lhe pertence, mas sim que não monopolizasse o que usurpara a Nicarágua e que o deixasse a todo o mundo."
"Estes dois exemplos dão uma ideia dos meios que o Gabinete de S. James empregaria, para nos forçar a abrir-lhe a navegação do Amazonas, no momento em que isso lhe parecesse vantajoso. Suas multiplicadas relações conosco, seus tratados vigentes e caducos, os estabelecimentos ingleses entre nós existentes podem fornecer-lhe quantos motivos de guerra ele quiser imaginar mais plausíveis do que o ópio da China. Suas possessões na Guiana lhe podem fornecer quantas facilidades queira para improvisar alianças denominadas antigas, com reis denominados legítimos das tribos dos índios Jumas, Parintintins, Araras, ou Mandacurus, que lhe deem direitos de exigir para sua bandeira a navegação do Amazonas como ribeirinhos do Rio Branco, do Rio Negro, ou do mesmo Amazonas. Bastar-lhe-á a declaração que vai seguir neste caso a política generosa e civilizadora que seguiu na China, para que não só ninguém se lhe oponha, mas todos o aplaudam e exaltem o seu espírito justiceiro."
Este quadro aterrador que o notável ministro-embaixador Teixeira de Macedo nos traça em 1850 da ameaça das duas super-potências, Inglaterra e França, que na época pairava sobre a nossa Amazônia, agravada pelo fato das duas serem nossas vizinhas nas duas Guianas que dominavam, e que no final do século avançariam sobre o nosso território tentando anexar os nossos atuais estados do Amapá e de Roraima, o que foi em parte evitado pela arguta diplomacia do Barão do Rio Branco, mostra-se muito pior quando Macedo aborda o papel dos Estados Unidos na trama sinistra.
"Quaisquer porém que sejam as vantagens do governo britânico, não têm elas comparação com as dos norte-americanos quando se trata de usurpações de territórios ou senhorios quaisquer dentro da América. Este país apresenta hoje um sistema de conquista e usurpação desconhecido nos tempos passados e no Velho Mundo, sistema que está encarnado na população que faz parte de suas opiniões, de seus preconceitos, que se pratica independente do governo, e mesmo contra a vontade do governo, e que portanto de continuar por muitos anos, talvez por séculos. O anglo-americano não se apresenta como um exército para combater, comprimir e submeter os outros povos, como fizeram até Napoleão todos os conquistadores, e como ainda fazem os ingleses na Índia".
Após longa análise do caráter aventureiro, conquistador e exclusivista do anglo-americano, ele diz:
"O anglo-americano se identifica completamente, absorve e assemelha a si todas as raças caucasianas mas a nenhuma delas, antes dessa completa fusão por muitas gerações, deixa subir ao governo ou ter uma verdadeira influência. Com a raça africana, com o homem em que seu sangue tenha a menor mescla do africano, não quer nunca identificar-se, não reconhece a essa raça direitos políticos nem civis, e só lhe reserva a escravidão doméstica. Nessa condição, engorda e faz multiplicar os pretos e mulatos como animais úteis, de sorte que é a raça cujo aumento aqui é maior e mais rápido mesmo comparado com a prolífica raça anglo-saxônica. Os indígenas do país estão votados ao completo extermínio. Eles não servem para a escravidão como os africanos e o anglo-saxão não admite mescla de sangue; não há outro destino a dar-lhe senão a morte".
Continuando sua acurada análise por várias páginas, onde descreve a sordidez dos métodos americanos de sistemática conquista de territórios alheios, e da sabujice com que muitos em nossa sociedade e nos meios políticos olham para o "colosso do norte", e antes de apresentar as suas sábias considerações finais no seu extraordinário relatório secreto que honra a nossa diplomacia, o ministro-embaixador apresenta provas do tamanho atingido nos EUA pela conspiração usurpadora da nossa soberania sobre a Amazônia:
"Estabelecidos os anglo-americanos na margem esquerda do Amazonas, e podem estar nele antes de 30 ou 40 anos, a questão da navegação do rio fica por si decidida. No número que incluso remeto do National Intelligencer, de 28 do mês passado, V. Exa. verá que os desejos de explorar o Amazonas não estão só no governo, mas já se espalham pelo público. Verá ainda uma amostra desse desprezo com que o anglo-americano olha para os outros povos, e especialmente para o nosso, e como a si mesmo se inclui como o civilizador por excelência da América. Devemos pois contar que muito em breve, e muito tempo antes de estenderem os americanos seu domínio até nós, começarão a insistir por essa navegação, irritando-se a qualquer recusa ou demora, e empregando contra nós ou essas manobras com que provocam a guerra, e portanto o direito de fazer a conquista da ilha de Marajó, ou as outras manobras com que se podem por em comoção essas províncias, destaca-las do Império, formar nelas repúblicas da ordem da Nicarágua, para delas obterem quanto quiserem. À página 490 do folheto. V. Exa. achará um vigoroso e bem escrito artigo a propósito da expedição de Cuba, sobre essa falta de escrúpulo com que este povo lança mão desses meios odiosos, para verificar suas não menos odiosas usurpações, sobre a cumplicidade dos altos poderes do estado às mais das vezes, e sobre sua impotência outras vezes para reprimir essa nefanda pirataria. É um norte-americano que escreve, seus raciocínios são baseados em fatos, e a única couraça que o defende contra a intolerância democrática é a verdade. No seu trabalho já citado, o tenente Maury insiste e prova que as comunicações entre o Pará e Nova Iorque são mais fáceis e curtas do que entre o Pará e o Rio de Janeiro, e por consequência é mais fácil governar as regiões banhadas pelo Amazonas de Washington do que da capital do Império do Brasil."
Alertado por seu embaixador nos EUA sobre a trama que se urdia para a tomada da Amazônia, ele adotou imediatas e eficazes providências |