segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Post nº 51

NASCIMENTO  E  MORTE  DA
CAVALARIA  MEDIEVAL

Cavaleiros Medievais avançam para a batalha. 

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O que chamamos de “Cavalaria Medieval” foi um fenômeno social e político que ocorreu sob forma militar e que, a grosso modo, nasceu no século IX e morreu no século XV. Todavia nossas pesquisas mostram que suas raízes são bem mais antigas, pois suas sementes foram plantadas  ainda no século IV AC por Alexandre Magno. Já sabemos, mas não custa repetir que até então a arma principal dos grandes exércitos era o “carro de guerra”, veículo tosco sobre duas rodas puxado por cavalos e dirigido por hábil cocheiro; junto deste ia um arqueiro de elite disparando flechas contra inimigos à direita e à esquerda, rompendo as linhas adversárias e pondo-as em fuga; depois as perseguia e as aniquilava. Quando as fileiras eram muito compactas, desfilava à sua frente em grande velocidade atirando-lhe flechas e as rodeava para atacá-las pela retaguarda, forçando-as a sair da sua sólida formação de batalha. Só então a infantaria avançava e terminava o serviço. A Ilíada se refere ao carro de guerra no episódio da luta entre Heitor e Aquiles: ambos lutam a pé, mas quando Aquiles sai vencedor ele ata o cadáver de Heitor ao seu carro e o arrasta triunfalmente em torno da cidadela inimiga. Tal como os anteriores grandes impérios da antiguidade, os persas o tiveram como principal arma dos seus exércitos e é com a sua final derrota frente aos gregos que o carro de guerra desaparece. Existe uma famosa pintura mural nas ruínas de Pompéia retratando com alta dose de simbolismo o decisivo momento da História Militar em que a cavalaria sobrepuja o carro de combate como arma de guerra: no meio da batalha, Dario em seu sofisticado carro foge de Alexandre que o persegue em seu simples cavalo!

             Neste famoso mural preservado pelas cinzas do Vesúvio em Pompéia, o rei Alexandre da Macedônia
                                              em seu cavalo persegue o rei Dario da Pérsia em seu carro de combate

A partir de Alexandre os esquadrões de carros foram substituídos por esquadrões de cavalaria, mas cavalos eram também de aquisição e manutenção dispendiosas; por isso a cavalaria era formada quase que somente por nobres e o seu papel sempre foi acessório até o último século do Império Romano. Na barafunda do período seguinte, chamado de Alta Idade Média, os exércitos regulares sumiram no Ocidente e somente voltaram no século VIII com Charles, rei dos francos, mais tarde elevado pelo Papa à dignidade de Imperador Romano sob o nome de Carolus Magnus (Carlos Magno) e chamado pelos franceses de Charlemagne. Seu exército possuía grandes esquadrões de cavalaria, pois os invasores bárbaros dos séculos V e VI tinham trazido vastos rebanhos de cavalos do leste europeu, tornando-os abundantes no Ocidente. Assim, os seus melhores cavaleiros ficaram famosos, formando uma elite de guerreiros chamados de Pares de França pelo povo, ou seja, companheiros do Rei tão bravos e nobres quanto ele!

 Imperador Carlos Magno, maior dos soberanos medievais e criador da cavalaria como
  instituição social e política 

Mesmo na antiguidade os cavaleiros geralmente eram soldados nobres e os romanos haviam criado uma categoria chamada de Ordem Eqüestre, cujos membros, denominados cavaleiros, situavam-se logo abaixo da Ordem Senatorial, formada pelos patrícios. Mas o que no Império Romano era apenas uma categoria social de segunda classe, no Império Carolíngio tornou-se uma casta militar e uma categoria social de primeira classe. O título de cavaleiro se tornou mais ambicionado que o de conde ou barão, pois muitos destes não o tinham e por isso não gozavam da mesma estima e prestígio por mais ricos que fossem. Mesmo o poder sobre seus vassalos ficava enfraquecido se não o tivessem, e por isso não era raro ver-se príncipe querendo adquirir o status, que somente conseguia após realizar grandes façanhas militares e passar por uma pomposa cerimônia religiosa. Claro que havia consagrações indevidas onde o prestígio político pesava mais que as façanhas exigidas, pois ser “sagrado cavaleiro” passou a ser a ambição de todo nobre desejoso de fama, popularidade e sucesso com as damas.

        Ser sagrado cavaleiro era a maior ambição do jovem nobre

Quando em 1176 o futuro rei da Inglaterra Ricardo Coração de Leão se fez sagrar cavaleiro em Paris, apesar de já ser duque reinante da Aquitânia e guerreiro famoso, nenhuma dúvida restou mais na cabeça dos aristocratas de que ser sagrado cavaleiro era essencial ao guerreiro nobre por mais importante que ele fosse! Todavia não é demais lembrar que o cavaleiro medieval com a sua pesada armadura só se tornou possível graças à revolucionária invenção do estribo no século VII da nossa Era. Hoje nos parece inacreditável que um tão óbvio apetrecho para quem quer montar e andar a cavalo não existisse antes, entretanto, por mais absurdo que pareça, era sem ele que as pessoas tinham cavalgado e a cavalaria tinha sido militarmente utilizada durante séculos. A partir da invenção do estribo cavalgar e lutar passou a ser muito mais fácil e militarmente eficaz, possibilitando ao cavaleiro, que até então tinha de usar couraça leve para montar e desmontar, usar pesadas armaduras para combater. Porém necessitava de um escudeiro para vesti-lo e levar seu armamento, ajudando-o na complicada tarefa de montar. Só depois é que o escudeiro lhe passava o escudo e a lança. A difícil operação repetia-se na hora de desmontar e o alto custo do sofisticado aparato e de posuir um escudeiro tornava a condição de cavaleiro impossível para quem não fosse das classes altas. Assim, a cavalaria tornou-se privilégio dos mais nobres entre os nobres. Por outro lado, cavaleiros e cavalos pesadamente couraçados permitiram a criação de grandes esquadrões de cavalaria blindada, coisa que tornou o seu ataque irresistível e deu à cavalaria medieval absoluta supremacia sobre a infantaria no campo de batalha.

        As batalhas das cruzadas foram travadas principalmente entre batalhões de cavaleiros
                          cristãos e muçulmanos. A infantaria foi acessória. Iluminura medieval

No século XI a cavalaria tornou-se uma espécie de carreira militar-aristocrática. Para chegar à dignidade de cavaleiro percorria-se um longo caminho, como se fosse um curso escolar, e adotava-se um modo de vida específico. A criança nobre era entregue aos sete anos de idade aos cuidados de um cavaleiro e da sua nobre família para servi-lo como pajem por outros sete anos; se tivesse aptidão e disciplina, passava a escudeiro aos qutorze, podendo portar lança e espada; ao mesmo tempo cuidava da armadura e do armamento do seu mestre, ajudando-o a vestir-se, armar-se, montar e desmontar. Os escudeiros tinham sob suas ordens os pajens e os cavalariços, cujo trabalho era fiscalizado com rigor para que nada saísse errado. Após sete anos como escudeiro, caso fosse aprovado por seu mestre, tornava-se cavaleiro em solene cerimônia religiosa e militar após passar a noite anterior orando na capela do castelo. Ao amanhecer confessava-se, assistia missa e comungava; ao final o sacerdote abençoava suas armas, fazendo-o jurar de joelhos fidelidade à Igreja, ao seu senhor e a lutar pela justiça em defesa dos fracos e necessitados; em seguida seu mestre tocava-lhe com a espada o topo da cabeça inclinada em contrita oração e declarava-o cavaleiro; seguia-se um torneio onde demonstrava ao público suas habilidades e o seu dia inesquecível terminava com banquetes e danças. Porém o que mais enobreceu a instituição na Idade Média foi a criação de um rígido Código de Conduta, no qual não era admitido ao cavaleiro qualquer tipo de comportamento vulgar ou desonroso. Além de cristão devoto, ele devia ser humilde, honesto, bravo, leal e, sobretudo, generoso com os fortes e os fracos.

       Combater vilões e monstros para defender os fracos, sobretudo damas indefesas, é
                                             obrigação primordial do cavaleiro

Embora isso fosse mais teoria que prática, com a dura realidade sempre se impondo sobre os princípios éticos, uma auréola de respeitabilidade e estima públicas se estendeu sobre a cavalaria. Em tempos de paz o mais sofisticado divertimento eram os torneios que os cavaleiros disputavam sob o patrocínio de reis e príncipes, assim como as estórias e poemas celebrando os seus feitos guerreiros e proezas galantes. As aventuras misturavam o real com o maravilhoso em um mundo de magia povoado por santos, vilões, bruxas, magos e seres fantásticos que o cavaleiro precisava vencer no cumprimento de sua nobre missão em defesa da justiça ou do amor.

         Dos séculos XI a XIV a cavalaria dominou as batalhas. O príncipe vencedor era sempre o que tinha a
                                                               seu serviço os melhores cavaleiros 

 A literatura elevou ainda mais o prestígio da Cavalaria Medieval, que  alcançou o seu maior esplendor nos séculos XII e XIII quando as cruzadas chegaram ao auge e as ordens religiosas militares foram criadas. Foi também o período da 1ª Renascença, espalhando por toda a Europa Ocidental as universidades e as catedrais góticas. Nas primeiras décadas do século XII apareceu em forma escrita o poema popular Chanson de Roland, celebrando os feitos do bravo cavaleiro de Charlemagne, e o bispo Geofrey de Monmouth publicou a sua História dos Reis da Inglaterra, apresentando o lendário Rei Arthur como real personagem histórico. A obra foi o primeiro best seller da história e o bispo ficou rico e famoso. Porém o mais importante foi que o seu livro de história provocou um enorme movimento ficcional que podemos tomar como marco criador do gênero romance para os latinos e novel para os anglo-saxônicos.

  Rolland viveu no século VIII, antes do apogeu da cavalaria, mas é o maior
                                           dos cavaleiros medievais

Em um século tão rico de fervor religioso, intelectual, literário, artístico e guerreiro, na cavalaria militar destacaram-se o rei cristão Ricardo Coração de Leão e o sultão muçulmano Saladino como os maiores representantes dos seus nobres ideais de bravura e cavalheirismo. Para coroar o apogeu da aristocrática instituição, o poeta francês Chrètien de Troyes criou o gênero literário Romance de Cavalaria e de Amor Cortês, onde a lenda do Rei Arthur e dos cavaleiros da távola redonda adquiriu caráter romanesco, povoando de fantasias os corações apaixonados e aventureiros.

      Todo jovem aristocrata sonhava com os combates e as glórias da cavalaria, pois só assim teria o prestígio
                                                         das cortes e o amor das mulheres nobres

Outros talentosos escritores exploraram o filão descoberto por Chrètien, temperando o brutal panorama social e político da época com livros onde o fantástico e o maravilhoso misturavam-se em altas doses com o romance e a poesia. Assim, supriram com lindos poemas e emocionantes estórias de belas damas e galantes cavaleiros um mercado ávido de fantasiosas aventuras e amores apaixonados, fazendo da Cavalaria Medieval rendosa indústria e popular gênero midiático até os dias atuais.

             Em 1415 os infantes ingleses com o arco longo derrotaram os cavaleiros franceses e a cavalaria
                                                                          entrou em declínio

Mas no século XIV a Cavalaria entra em declínio com o fim das Cruzadas e a extinção da Ordem dos Cavaleiros Templários. A Ordem dos Cavaleiros Teutônicos sofre graves derrotas em suas guerras contra os príncipes russos, fervorosos cristãos ortodoxos, e a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários é expulsa pelos muçulmanos de quase todas as suas bases no leste do Mediterrâneo. À adversidade militar junta-se a adversidade natural na figura tétrica da terrível Peste Negra que assola a Europa em meados do século. Calcula-se que um terço da população pereceu, os servos fugiram e os campos ficaram desertos, obrigando os senhores feudais a contratarem camponeses livres a alto preço para lavrarem suas terras. Com isso as classes baixas se fortaleceram e as classes altas se enfraqueceram, o que fez parcela significativa do poder militar e político transferir-se para os burgos e os seus moradores, chamados de burgueses.

Sempre carentes de dinheiro e soldados, em troca deles os reis outorgaram aos burgos grandes privilégios, fazendo os ricos mercadores, especialmente os dos grandes burgos comerciais, tornarem-se mais importantes que os outrora poderosos barões dos grandes feudos rurais. Com a sua decadência econômica e política, agravou-se a decadência militar dos nobres cavaleiros medievais, seus pares.

            No século XIV a Peste Negra matou um terço da população e os servos abandonaram os campos.
                                     O declínio dos senhores agravou o declínio militar dos cavaleiros

Finalmente, no começo do século XV, a plebéia infantaria de camponeses ingleses, armados com o prosaico porém mortífero “arco longo” que usavam para caçar nos bosques, esmagou a nobre cavalaria francesa na histórica batalha de Agincourt. Mortos a flechadas os cavalos, os couraçados cavaleiros que escapavam das flechas tinham dificuldade de se levantar e eram implacavelmente degolados pelos ágeis camponeses ingleses, que assim eliminaram dois terços da alta nobreza da França.

       Após setecentos anos de hegemonia, a nobre cavalaria é esmagada pela plebeia infantaria em Agincourt

A matança em Agincourt da fina flor da cavalaria francesa, a mais brilhante e poderosa da Europa, é um golpe que faz a instituição agonizar e morrer. Em poucos anos ela desaparecerá de todos os exércitos europeus como principal arma de guerra e o nome de cavaleiro tornar-se-á apenas um título nobiliárquico vazio de qualquer conteúdo ético ou guerreiro. As tentativas do Rei Sebastião de Portugal para ressuscitá-la no século XVI terminam em desastre e todos que ainda com ela sonham são ridicularizados por Miguel de Cervantes em seu Dom Quixote de La Mancha. 

    Cervantes ridicularizou no Dom Quixote o que sobrara da Cavalaria Medieval

A cavalaria ainda ensaiará tímido retorno em meados do século XIX na Guerra da Crimeia e na Guerra Civil Americana. Nesta tornou-se lendária A Carga do General Pickett da cavalaria do Sul contra a infantaria do Norte e naquela ficará mundialmente famosa A Carga da Brigada Ligeira da cavalaria inglesa contra a infantaria russa graças ao popular romance escrito por Alfred Tennyson alguns anos depois. Mas apesar de heroicas as famosas cargas foram rechaçadas e massacradas pelo nutrido fogo inimigo, mostrando que não havia mais lugar para elas nas grandes batalhas campais onde a arma de fogo reinava soberana. Porém o que mais nos impressiona nos dias de hoje é que, embora morta no mundo real como suprema arma militar e ideal ético há mais de seiscentos anos, a Cavalaria Medieval continua viva no mundo dos sonhos e da fantasia de uma imensa legião de admiradores.

Vai ser difícil tirá-la desse mundo encantado!


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Post nº 50


O  IMPERADOR  GRACIANO  REALMENTE
NOMEOU  TEODÓSIO  IMPERADOR
ROMANO  DO  ORIENTE ?

Efígie de Graciano em moeda do século IV. Era bom político e talentoso general que teria feito
ótimo governo se não fosse assassinado aos vinte e quatro anos de idade por um traidor

Mapa da região central do Império Romano do Ocidente elaborado para a edição inglesa
do meu livro "intimate Memories of Flavius Marcellus Aetius"

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A história está cheia de "verdades oficiais" que se tornam bastante duvidosas se os fatos forem examinados com lógica simples. Uma dessas "verdades" é a de que, após a esmagadora vitória dos godos sobre os romanos orientais na grande batalha de Adrianópolis em 378 e a resultante morte do imperador Valente, o seu sobrinho e herdeiro Graciano, imperador ocidental, mandou chamar na Espanha o hábil e popular general Teodósio e o nomeou sucessor do tio falecido. Com o geral apoio dos seus antigos colegas, altos oficiais remanescentes do semi-destruído exército oriental, o competente Teodósio teria conseguido salvar o Império da total catástrofe contando com o decidido apoio de Graciano, que tivera o bom senso de nomeá-lo co-imperador naquela hora decisiva.
         
Essa versão, partilhada pelo grande historiador inglês Edward Gibbon, é muito duvidosa porque Teodósio e Graciano eram mais inimigos do que "amigos", pois havia fundadas suspeitas deste ter participado da intriga que resultara no assassinato do pai de Teodósio, bravo general e homem de confiança do falecido imperador Valentiniano I. Muitos tinham mesmo a certeza de que a ordem para a execução do velho Teodósio partira diretamente de Graciano e que o filho somente escapara porque servia no Oriente sob as ordens de Valente, irmão de Valentiniano I.
            
O mais plausível é que os fatos tenham se passado assim: pouco antes de morrer em 376, o monarca teria dito, ao seu leal e valoroso ministro Teodósio pai, que gostaria de ter como sucessor o adolescente Valentiniano II, filho do seu segundo casamento, e não o seu filho primogênito, fruto de um primeiro casamento e herdeiro natural, Graciano. A imperatriz Justina, sua segunda esposa, era mulher enérgica e ambiciosa que criara um partido em favor do filho, provocando grande tumulto no processo sucessório. Muito hábil, o legítimo herdeiro Graciano contornara o problema fazendo um acordo com Justina: ele governaria as províncias do Ocidente, encarregando-se da árdua defesa das fronteiras da Gália contra os agressivos germânicos, e dividiria a púrpura imperial com o irmão menor, que governaria a Itália tendo a mãe como regente. Justina aceitou prazerosamente porque o seu interesse era ficar mandando e intrigando na confortável corte de Roma. Para ela pouco importava que o seu austero e devoto enteado Graciano se matasse guerreando invasores bárbaros lá no fim do mundo!
         
Porém a disputa deixou sequelas que não foram resolvidas pelo acordo e a pior de todas foi o assassinato do general Teodósio pai, disfarçado como "execução sumária por ordem imperial", não ficando esclarecido se a ordem partiu de Graciano ou do infante Valentiniano II, através de sua mãe e regente Justina. Embora não se saiba muito bem o papel do velho Teodósio na disputa, tudo indica que ele ficara ao lado de Justina, de quem era amigo íntimo devido à estreita amizade que mantinha com o seu falecido marido. Ademais, não havia razões para Valentiniano querer deserdar o seu primogênito, e é possível que tudo tenha sido invenção da própria Justina em conluio com o seu amigo ministro. Se foi assim, o velho Teodósio, por seu peso militar e político, era uma pedra no sapato de Graciano e este teria decidido se livrar dele, mas não é de se excluir a versão de que ele teria rompido com Justina e esta mandara eliminá-lo porque a sua ida para o lado de Graciano mudaria definitivamente o peso da balança.

Moeda do século IV com a efígie de Teodósio, supostamente nomeado imperador
do Oriente por Graciano, imperador romano do Ocidente
         
Fato é que devido a ignominiosa morte do seu pai, o jovem Teodósio, que servia no Oriente sob as ordens de Valente, desgostou-se de toda a família imperial e demitiu-se do exército, afastando-se da política para cuidar dos seus vastos negócios na sua Espanha natal.
         
É aí que a história fica embaralhada. A derrota e morte do imperador Valente na batalha de Adrianópolis foi em agosto, mas a história oficial diz que dois meses depois Teodósio estava na Grécia assumindo o trono oriental após ser nomeado por Graciano, o qual, desde a derrota e morte do tio em combate, voltara para a Itália e lá se entrincheirara no aguardo de uma possível marcha dos godos sobre Roma. A indagação que se impõe é: como e por que razão poderia Graciano tão rapidamente ter chamado na Espanha o seu suspeitoso desafeto e o nomeado Imperador do Oriente?
         
É mais lógico pensar que os fatos se passaram de modo diferente.

Creio que, informado ainda no final de agosto da derrota de Valente e da sua morte em batalha, Teodósio imediatamente embarcou para a Grécia com um punhado de altos oficiais seus partidários e no final de setembro já estava lá tramando a sua eleição junto aos antigos colegas sobreviventes do desastre, com os quais certamente deveria ter estado em contato nos dois anos posteriores ao assassinato do seu pai por Graciano. Como Valente não tinha filhos, o lógico é que ele viesse a ser sucedido por um dos seus generais e não pelo seu distante sobrinho Graciano, com o qual os altos oficiais não tinham qualquer aproximação ou afinidade.

O assassinato do estimado e admirado velho general Teodósio por membros da família imperial deve te-los colocado contra os herdeiros de Valentiniano e ao lado do popular e jovem colega Teodósio filho para o caso de uma eventual sucessão. É lícito supor, portanto, que a ascensão de Teodósio ao trono do Oriente se deveu a uma conspiração do alto escalão militar oriental em andamento há tempos, e não a uma escolha de Graciano. Este  limitou-se a reconhecer o fato consumado, pois não tinha como se opor, eis que mal podia defender dos bárbaros a Itália mediocremente governada por sua madrasta, que dirá envolver-se em guerras civis em lugares distantes por ele desconhecidos, ainda ocupados em parte pelos godos. Melhor cuidar dos seus já enormes problemas no Ocidente e deixar outros problemas mais longínquos a cargo de quem tivesse poder e competência para fazê-lo.

A conclusão correta é que Graciano nem chamou nem nomeou Teodósio, e o que ocorreu foi um Golpe de Estado articulado por este e por seus amigos generais sobreviventes do massacre de Adrianópolis. Tudo muito diferente da bem comportada versão oficial, contando o episódio como se a sucessão tivesse sido feita em perfeita obediência aos trâmites legais, tão ao gosto dos devotos historiadores da Idade Média ansiosos por glorificar o seu ídolo Teodósio, que varrera os últimos vestígios de paganismo no Império e fora por isso apelidado de Teodósio o Grande.

         



segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Post nº 49

MAIS UMA PÁGINA EM QUADRINHOS DO MEU
ROMANCE O "SENHOR DOS DRAGÕES"

I

O SONHO PROFÉTICO DE MERLIN


1 - Merlin acorda dizendo:"Louvado seja Deus"!
  2 - Merlin levanta-se preocupado.
  3 - Cloé pergunta:"O que aconteceu"?
  4 - Merlin abre a gaveta de um móvel e apanha alguns objetos dizendo: "vamos rezar"!
   5 - Cloé pergunta: "Você sonhou com algo grave"? E Merlin diz: "Sim; o pequeno Arthur será Rei da Britannia"!
    6 - Cloé exclama:"Deus seja louvado! Mas como será isso possível se a Britannia é só uma província do Império Romano"?











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sábado, 22 de outubro de 2011

Post nº 48


PÁGINA DE ABERTURA DO MEU LIVRO
"O  SENHOR  DOS  DRAGÕES"
EM QUADRINHOS

O futuro Rei Arthur à frente dos seus soldados romano-britânicos contrataca  e
esmaga os invasores bárbaros que conseguiram  ultrapassar  as  fortificações
da Muralha de Adriano e espalharam o terror, a morte e a destruição por
todo o norte da Britannia





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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Post nº 47


PRIMEIRA  PÁGINA  DO  MEU  LIVRO
"O  SENHOR  DOS  DRAGÕES"
EM  QUADRINHOS


1 - Castelo de Uther, o Senhor dos Dragões, no sudoeste da Britannia.

2 - Uther está furioso com o filho Arthur e grita: "Bah! Você é um malandro e não será nada na vida quando crescer"!

3 - O pequeno Arthur não se atemoriza: "serei um grande guerreiro e lutarei em terras distantes"! 

4 - Uther fica mais calmo: "ótimo que você seja um grande guerreiro, mas aqui defendendo nossos domínios e não em terras distantes defendendo domínios dos outros"!

5 - Arthur responde enfático: "não quero saber de criar gado nem de amansar dragões como o senhor; serei um legionário romano e um dia governarei a Britannia"!



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segunda-feira, 26 de setembro de 2011


Post nº 46

TEODÓSIO - O FIM  DA  IDADE  CLÁSSICA  E  O  INÍCIO  DA  IDADE  MÉDIA

Ruínas de Olímpia na Grécia onde realizavam-se as Olimpíadas. O devoto imperador Teodósio
as proibiu no ano de 393 porque os cristãos as julgavam um indecente festival pagão



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A história do mundo ocidental geralmente é dividida em quatro Idades para fins didáticos: a Idade Antiga, começando por volta do século XXX AC com a hegemonia da civilização egípcia no Oriente Próximo e terminando no século VI AC com a hegemonia da civilização grega na Europa; a Idade Clássica, que vai do apogeu da civilização grega no século V AC até a queda do Império Romano do Ocidente no século V DC frente aos bárbaros, seguindo-se a Idade Média, que acaba no século XV DC com a queda do Império Romano do Oriente frente aos turcos. Desde então vivemos na quarta Idade: a Moderna. Quanto às duas últimas, chega-se mesmo a fixar datas de morte e nascimento: 476 para o fim da Idade Clássica e início da Idade Média, e 1453 para o fim desta e início da Idade Moderna.

Todavia discordo, pois a passagem de uma Idade à outra não depende da ocorrência de um fato, mas de uma profunda mudança cultural que pode durar décadas e até mesmo séculos. Assim, a passagem para a Idade Clássica é sobretudo a substituição do pensamento mágico antigo pelo pensamento lógico clássico na esfera do saber, e a passagem para a Idade Média nada mais é que o advento do predomínio da fé espiritual sobre a razão material, ou seja: a vitória do teológico sobre o lógico. Já a Idade Moderna é fruto do reverso e da volta aos valores clássicos através da Renascença e dos grandes feitos políticos, geográficos e astronômicos dos séculos XV e XVI, causando a Revolução Científica que desemboca no iluminismo e no liberalismo.

Mudanças culturais profundas aparecem no modo de ver coisas triviais como o "banho". Para os clássicos é vida civilizada, para os medievais é vida pecaminosa. Quadro de Sir Lawrence Alma-Tadema (séc. XIX) 

Isto não significa rupturas súbitas, mas lentos processos durante os quais um modo de pensar vai aos poucos substituindo o outro. Mesmo quando a substituição se completa muitos elementos do pensar anterior continuam presentes pela adaptação e integração ao pensar posterior, fazendo com que tenhamos sempre conosco o essencial das Idades precedentes. Assim, uma Idade é sempre a continuação das que a precedem, para o melhor ou para o pior, e não um banho lustral que retira o passado e deixa só o presente e a perspectiva do futuro.
 

Os circos representam a pujança esportiva, os banhos a social e os teatros a  cultural da Idade Clásica.
Eles desaparecerão na Idade Média e só voltarão gradualmente na Idade Moderna 
       
No caso do fim da Idade Clássica há uma lenta corrosão dos valores antropocêntricos que a presidiam, sobretudo em seus aspectos éticos e estéticos, começada ainda no reinado de Marco Aurélio no final do século II, mas isto só fica evidente durante a anarquia político-militar do século III, quando as pessoas fustigadas pelas guerras e pela miséria econômica começam a ansiar pelas felicidades celestiais em lugar das desgraças terrenas, encontrando no cristianismo o amparo às suas aflições e o desaguadouro natural das suas insatisfações. As crises política, econômica e moral levam o imperador Diocleciano a instaurar um regime quase totalitário de controle da economia e da sociedade, vendo erradamente no cristianismo a causa e não a conseqüência do descalabro institucionalizado.

Mas a feroz repressão antes fortalece que enfraquece a nova ética, pois a sua substância e forma espirituais encontram solo fértil na religiosidade natural das pessoas simples, ao contrário das éticas eruditas dirigidas somente às escassas camadas intelectuais da população. Transformado em ética de massas o cristianismo torna-se religião oficial no reinado de Constantino, mas não há ainda nada que indique o fim da Idade Clássica, pois a liberdade de pensamento religioso, filosófico, literário, artístico e científico não é cerceada. O costume e o gosto individuais continuam dentro da esfera dos direitos privados e no próprio cristianismo várias correntes de pensamento se desenvolvem com vigor.

A requintada vida social da Idade Clássica desaparecerá na Idade
Média. Quadro de Sir Lawrence Alma-Tadema (séc. XIX)

Nem mesmo quando o imperador Juliano tenta trazer de volta os antigos cultos há repressão aos cristãos, apenas se lhes proibindo que invoquem os filósofos pagãos em apoio da sua doutrina. Os sucessores de Juliano são cristãos da seita Ariana (seguidores da doutrina cristã unitária do bispo Ário) e isto faz com que adotem a mesma política de tolerância dos seus antecessores, bem de acordo com a tradição inclusiva dos romanos.

Teodósio era bom político e general, mas seu fanatismo religioso o fez perseguir os pagãos e alijar
os cristãos arianos. Os cristãos ortodoxos o chamaram "Teodósio o Grande"
         
De notar que a passada perseguição aos cristãos não tinha motivos religiosos, mas políticos, pois sob as leis romanas podia-se adorar qualquer deus desde que não ofendesse aos demais deuses, entre os quais estava o próprio imperador. Porém os cristãos mais devotos não obedeciam à norma, não só desrespeitando como amaldiçoando os deuses alheios por considera-los demoníacos, às vezes quebrando estátuas e danificando templos. As punições criminais que sofriam os faziam revoltar-se contra as leis e autoridades, dando-lhes fama de subversivos turbulentos cuja fidelidade ao imperador era mais que duvidosa. Por isso eram considerados “inimigos” latentes do Estado e de tempos em tempos eram perseguidos, sobretudo quando havia necessidade de um bode expiatório para alguma eventual catástrofe, mas quando a religião de um não interferia com a religião do outro o culto era tolerado, e até mesmo o culto judaico do Deus Único Invisível tinha um templo em Roma.  

Porém esta liberdade religiosa sofre uma radical mudança em 378 após a batalha de Adrianópolis. Embora o falecido imperador Valente fosse cristão ariano a sua derrota pelos godos arianos foi largamente interpretada pelos cristãos ortodoxos como castigo divino tanto ao imperador “herético” como ao Império “herético” pelas mãos de “bárbaros heréticos”, de sorte que o embate entre as duas seitas deixa de ser assunto religioso para se tornar questão político-militar. Para piorar as coisas, Teodósio, sucessor de Valente, é ortodoxo devoto e endossa as razões dos seus conselheiros espirituais, não só privando os cristãos arianos de todo e qualquer favor ou privilégio face às leis e autoridades imperiais como decretando o fechamento dos templos pagãos e criminalizando os seus cultos. Assim, os templos pagãos que não se tornam igrejas ortodoxas são condenados ao abandono e as igrejas cristães arianas são privadas de personalidade jurídica, impedindo-as legalmente de transacionarem ou de receberem legados e doações por via oficial.

A ruína do Paternon começa quando cristãos ortodoxos destroem a estátua da deusa Athena esculpida 
por Fídias e entronizada no templo há oitocentos anos. Depois o transformam em igreja ortodoxa
       
Após destruir a liberdade religiosa, pilar do mundo clássico, Teodósio adota extremado zelo ortodoxo e manda fechar as Escolas de Filosofia, especialmente as de Atenas, por serem focos de “doutrinação pagã”, encerrando uma tradição cultural que se confundia com a própria Idade Clássica. Também proíbe os jogos circenses e os espetáculos teatrais por serem “ímpios”, condenando os majestosos circos e anfiteatros à destruição pela ação do tempo. Por julgar serem os banhos públicos “antros de devassidão” ele os manda fechar e luxuosas termas, como as construídas em Roma pelo imperador Caracala no início do século III, têm a mesma sorte de majestosos circos como o Coliseu.

Reconstituição gráfica das "Termas de Caracala", o maior e mais luxuoso banheiro público
de todos os tempos, fechado pelo imperador Teodósio no fim da Idade Clássica

Relegados ao abandono durante 1.600 anos, os luxuosos banhos públicos do  imperador
 Caracala ainda impressionam pelas suas majestosas ruínas 
         
Teodósio conclui a sua obra de destruição do mundo clássico proibindo as Olimpíadas, festival religioso-esportivo que se realizava quadrienalmente no santuário de Olímpia desde o século VIII AC para honrar os deuses pagãos que lendariamente habitavam no cume do Monte Olimpo. Ele nem sequer cuida de uma operação sincrética para salvar uma bela tradição milenar, fazendo dos jogos festival em honra de santos cristãos ao invés de deuses pagãos: simplesmente os proíbe!

O monumental Coliseu era o maior e mais luxuoso circo da antiguidade. Todo em mármore, em cada janela
havia a estátua finamente esculpida de um deus pagão. Tudo isso desapareceu na Idade Média
       
No início do seu reinado ainda existiam quatro das "Sete Maravilhas do Mundo", das quais duas eram monumentos pagãos, o Templo de Diana em Éfeso e a Estátua de Zeus em Olímpia esculpida por Fídias no século V AC, mas suas proibições fazem o Templo de Diana virar depósito e a bela estátua  da deusa virar entulho ao ser destruída a marteladas. A mesma sorte terá a magnífica estátua do Zeus Olímpico de autoria de Fídias, um dos maiores arquitetos e escultores da História, de modo que Teodósio ao morrer terá destruído em pouco mais de uma década duas das mais belas criações artísticas da humanidade.

O Pantheon em Roma e o Parthenon em Atenas são poupados porque transformam-se em igrejas ortodoxas, mas as artísticas estátuas de deuses que os adornavam são destruídas. Assim, a majestosa estátua da deusa Athena Parthenos, também esculpida por Fídias no século V AC e desde então entronizada no Parthenon, é despedaçada e jogada no entulho. Todavia ressalte-se que muitos dos fechamentos e destruições não foram diretamente ordenados por Teodósio, mas por super zelosas autoridades locais, ansiosas por agradar e que  julgavam estarem apenas agindo de acordo com a sua política em geral, ou sucessores como o seu medíocre filho Arcádio, imperador romano do Oriente, que em 399 mandou demolir nos seus territórios todos os templos pagãos que não tivessem condições de servir como igrejas cristãs. Diante de tamanhas provas de virtude e devoção, a Igreja Ortodoxa, que ele fizera Igreja Oficial do Império, passa a chamá-lo "Teodósio o Grande" e ele morre ainda jovem em 395 após praticar um último ato de funestas conseqüências para o Império: ao invés de nomear sucessor o seu leal ministro e eficiente general Stilicon, nomeia os seus dois filhos adolescentes Arcádio e Honório, célebres pela petulante incompetência o primeiro e pela maldosa imbecilidade o segundo.

Embora não tenha causado a morte da Idade Clássica e o nascimento da Idade Média,
o devoto imperadorTeodósio foi coveiro de uma e parteiro da outra 

Não há notícia histórica de quem mandou destruir o mausoléu de Alexandre Magno, durante setecentos anos reverenciado em Alexandria pelos maiores personagens do mundo clássico, mas se não foi o zeloso Teodósio foi algum fanático ortodoxo ansioso por agradá-lo e fiel seguidor de sua orientação demolidora de tudo que lembrasse o paganismo, possivelmente o seu filho Arcádio a cuja jurisdição pertencia a província do Egito. Como dito acima, em 399 ele expediu decreto mandando transformar todos os templos pagãos sob sua jurisdição em igrejas cristãs e demolir aqueles em que isso não pudesse ser feito, sendo bem possível que pelo seu valor simbólico o mausoléu de Alexandre estivesse no segundo caso, pois era um misto de túmulo e templo pagão com sacerdotes que por ele zelavam e celebravam cerimônias em honra do Grande Rei elevado a deus. Era conhecidíssimo na antiguidade, mas referências ao mesmo cessam a partir de 392, data de uma carta do filósofo grego Libânio contendo a última referência conhecida ao túmulo do Conquistador. Depois disso faz-se impenetrável silêncio, só agora quebrado por arqueólogos que revolvem os sítios históricos de Alexandria em busca de pistas que expliquem o mistério. Portanto, se não foi Teodósio o autor direto da sua destruição foi ele o autor indireto de mais esta façanha contra a civilização greco-romana que lhe competia preservar.
 
Efígie de Alexandre em moeda do século IV AC. A destruição do seu Mausoléu em Alexandria, onde
 fora venerado durante 700 anos, deve-se à política religiosa fanática de Teodósio
       
Teodósio salvara Roma dos godos em 378, mas praticamente lhes a entrega em 395, pavimentando o caminho para que eles a conquistem apenas quinze anos depois. A catástrofe que o fim da Idade Clássica representa para a Civilização Ocidental pode ser avaliada no seguinte dado: no ano 400 as grandes e médias cidades europeias, todas elas integradas no Império Romano, possuiam água encanada, esgotos e coleta de lixo; mil anos depois nenhuma os possuía!

Mesmo no ano de 1700, mil e trezentos anos depois, Luís XIV, "O Rei Sol", constrói o magnífico palácio de Versalhes sem água encanada, sem banheiros, sem pias e sem sanitários. Banhos só eram tomados de tempos em tempos em largas tinas levadas aos reais aposentos quando a ocasião se oferecia, e necessidades fisiológicas eram satisfeitas em caixas especiais, depois tampadas e levadas pelos luxuosos corredores, espalhando o seu odor característico por todo o palácio. Não é de estranhar, portanto, que a requintada arte da perfumaria tenha atingido entre os franceses níveis altíssimos e dela tenha se tornada freguesa assídua toda a classe alta europeia. Isto nos faz afirmar com absoluta segurança que a nossa "Renascença", no que se refere aos hábitos de higiene comuns à Idade Clássica, somente começou nos últimos duzentos anos!

A higiene some na Idade Média e diz-se que rainha famosa só se banhou
duas vezes: ao nascer e ao morrer! Tela de Alma-Tadema (séc. XIX)

Bem examinadas as coisas, verifica-se que a Idade Clássica morre e a Idade Média nasce no final do século IV durante o reinado de Teodósio, e não no final do século V com a queda do Império Romano do Ocidente. Caso se deseje fixar uma data para a certidão de óbito de uma e a de nascimento da outra, creio que a data perfeita é 393, quando ele proibiu as Olimpíadas, pois nada simbolizou tanto a grandeza e a beleza do ser humano quanto elas e portanto nada melhor que a sua morte para representar o fim da cultura antropocêntrica da Idade Clássica e o início da cultura teocêntrica da Idade Média.

Após a morte de Teodósio o poder imperial dividiu-se e enfraqueceu, pois os dois novos imperadores eram adolescentes mimados e incompetentes, sem qualquer noção de governo. O Império Romano do Ocidente ficou sob a regência do ótimo general Stilicon, mas ele foi desde logo hostilizado pela elite romana, tanto do Oriente como do Ocidente, por ser filho de modesto oficial mercenário vândalo, mesmo sendo casado com uma sobrinha do falecido imperador. Ele ficou manietado no norte da Itália por grandes invasões bárbaras e pouca atenção deu aos assuntos internos, permitindo às autoridades locais reabrirem muitos dos teatros, circos e banhos fechados por Teodósio, embora sem a extensão e o esplendor de antes. O Império decaiu ainda mais após o assassinato de Stilicon em 408 e o cenário continuou igual por mais de um século, sobrevivendo à dissolução do Império do Ocidente em 476. O Coliseu e os banhos de Caracala só foram definitivamente fechados na primeira metade do século VI após os ostrogodos, senhores da Itália, serem derrotados pelas tropas de Justiniano, devoto ortodoxo que era Imperador Romano do Oriente com capital em Constantinopla.



sábado, 27 de agosto de 2011


Post nº 45

ALARICO  REI  DOS  GODOS
CONQUISTA  ROMA

Vindos da Ucrânia e do norte da Romênia, os godos invadem e ocupam Roma em 
agosto de 410 DC. Tela de Ulpiano Checa (séc. XIX)



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Se houve um Império que caiu mais pela incompetência dos seus dirigentes do que pelas suas reais condições, foi o Império Romano do Ocidente. Quando olhamos as coisas retrospectivamente, vemos que apenas algumas atitudes corretas teriam evitado a catástrofe, pois o poder de conciliação e de adaptação dos romanos era um dos traços mais peculiares da sua civilização. Fora assim nas disputas patrícios x plebeus, republicanos x imperiais, nacionalistas x internacionalistas, jus civile x jus gentium, religião local x religiões estrangeiras, raça latina x outras raças, uniculturalismo x pluriculturalismo, paganismo x cristianismo, etc. Ao longo de 700 anos a palavra de ordem da civilização romana fora “inclusão”, mas na 2ª metade do século IV mudou para “exclusão”. Estudar as razões disto é tarefa árdua, mas as evidências mostram que foi ela, em última análise, a causadora da derrocada do Império.

Como já vimos anteriormente, os povos góticos que fugiam dos hunos foram admitidos no território imperial como imigrantes em 376, mas ao invés de lhes dar tratamento de súditos os romanos deram-lhes tratamento de refugiados, espécie até então desconhecida no Direito do Império, internando-os em “campos de concentração”, à exceção de alguns poucos milhares de jovens fortes e saudáveis incorporados ao exército. Porém muitos outros milhares não foram tão afortunados e, vendo os maltratos a que eram submetidas suas famílias, rebelaram-se, organizaram-se e esmagaram os romanos na batalha de Adrianópolis em 378, destruindo o exército do Oriente e matando o imperador Valente. O exército ocidental e o seu imperador Graciano, prudentemente voltaram à Itália temendo que os godos marchassem sobre Roma após dominarem Constantinopla, mas eles nem a dominaram nem saíram dos Bálcãs, onde ficaram confinados pela hábil política diplomática e militar de Teodósio, novo imperador romano do Oriente.

Mas o principal obstáculo à integração dos godos no Império era o fato de serem cristãos da seita ariana, que disputava com a seita católica o domínio da Igreja Cristã. Teodósio era católico e partilhava da intolerância e do exclusivismo de sua seita, que não tolerava nenhuma outra por mais devotos e virtuosos cristãos que fossem os seus fieis. Este era o caso dos godos, fervorosos adeptos da doutrina do bispo Ário, declarada herética pelo concílio de Niceia por considerar "politeísta" a teoria da "santíssima trindade", pilar doutrinário da seita católica, defendida com extremado zelo por seu líder, o bispo Atanásio. Na época da chegada dos godos, o catolicismo dominara a Igreja Cristã, controlava vastos setores do governo, e perseguia os arianos com todas as armas ao seu alcance. Por mais absurdo que pareça, os católicos tinham mais ódio aos arianos, apesar destes serem cristãos devotos, do que aos pagãos, que rejeitavam totalmente o cristianismo. Foi, portanto, a intolerância católica o principal obstáculo à inclusão dos godos na sociedade romana, gerando o rol de catástrofes que, conjugados a outros fatores, levariam o Império à sua derrocada final.

Após a absurda “exclusão” dos povos góticos, causadora do desastre de Adrianópolis, os romanos não voltaram à antiga política “inclusiva” e persistiram na política suicida de lidar com os incômodos “hóspedes” cruel e desonestamente, considerando-os “bárbaros” apesar de serem cristãos devotos, trabalhadores honestos e soldados valentes. Em um Império onde tudo que desejavam era a admissão como súditos leais, os godos continuaram vivendo marginalizados e sujeitos à permanente injustiça, mas por volta de 390 um novo líder surgiu entre eles: Alarico!

Após a morte de Teodósio os godos dominaram os bálcãs e Alarico entrou
vitorioso em Atenas. Ilustração de autor anônimo (séc. XIX)

O seu valor logo atraiu a atenção do imperador Teodósio e do seu ministro Stilicon, que “compraram” a sua colaboração. No ano de 393 o usurpador Eugênio dominou a Gália e a Itália, obrigando Teodósio a marchar contra ele e derrotá-lo na batalha do rio Frígido, próximo aos Alpes Julianos. A vitória foi custosa e deveu-se principalmente aos godos, que lutaram nas posições mais perigosas e sofreram as maiores perdas. Como recompensa, Alarico obteve boa paga e o posto de general romano, mas nenhum comando importante. Ele sentiu-se injustiçado, pois devendo-se a vitória aos godos justo seria fossem eles incorporados ao exército e lhe fosse dado um comando relevante. Isto não ocorrendo, voltou às suas bases com os seus homens indignados enquanto o já gravemente enfermo Teodósio cometia mais um erro de funestos resultados ao Império: ao invés de nomear seu sucessor o competente general Stilicon, leal ministro e marido de uma sobrinha que criara como filha, nomeou seus dois filhos menores imperadores do Ocidente e do Oriente sem que nada os credenciasse aos altos cargos, a não ser o fato de serem seus filhos.

O fato do império ter sido dividido e entregue a dois idiotas, produziu enormes atritos entre eles, imobilizando na Itália o bravo Stilicon, que teve de dirigir todas as suas energias para resolver os problemas criados pela corrupta corte de Constantinopla, presidida pelo incompetente Arcádio e seus ministros ladrões, devassos e pervertidos, destituídos da mais mínima sombra de espírito público. Da confusão aproveitou-se Alarico para vingar-se da ingratidão dos romanos, devastando os Bálcãs e a Grécia, cuja capital Atenas ocupou e saqueou, sem encontrar qualquer resistência por parte dos dois decadentes impérios, mais interessados em intrigas, rivalidades pessoais e lutas intestinas do que na preservação da paz e da prosperidade pública.

Sendo apenas tutor do idiota Honório, imperador do Ocidente, e nenhum controle tendo sobre o petulante Arcádio, imperador do Oriente, Stilicon desdobrou-se na tarefa de manter de pé o Império. Para tornar ainda mais difícil a sua tarefa, os romanos confundiam os civilizados godos com os primitivos germânicos e por isso também odiavam os godos. O fato impediu o bravo comandante de tomá-los como aliados e o fez persistir na política de tê-los como “traiçoeiros inimigos”. Isto produziu várias batalhas entre godos e romanos, sempre vencidas por estes devido ao talento militar de Stilicon, porém quando finalmente viu que os godos não eram problema, mas solução, procurou convencer o imbecil Honório, seu genro e ex-tutelado, a firmar um tratado de paz e colaboração com os mesmos. Todavia, enquanto ocorriam as negociações, Stilicon foi assassinado em 408, vítima de uma absurda intriga palaciana, e o tratado foi esquecido.

O assassinato de Stilicon deixou o Império indefeso e Alarico iria fazê-lo
pagar por todas as iniquidades praticadas contra os godos

Após a morte de Stilicon, seguiu-se brutal massacre de milhares de famílias góticas que viviam pacificamente em cidades italianas e a indignação dos godos chegou ao máximo. Afastado do cenário o único líder romano que respeitava, Alarico perdeu a paciência e invadiu a Itália em 409, derrotando a incompetente nova liderança militar inimiga e sitiando Roma. Isto não acontecia desde o século III AC, quando o alarme ressoara nas ruas ao saberem que o cartaginês Aníbal aniquilara as suas aguerridas legiões na batalha de Canas e marchava sobre a cidade. A diferença é que seiscentos anos antes os romanos eram guerreiros que lutavam por patriotismo e vontade própria, mas agora eram um bando de arrogantes preguiçosos, acostumados a viverem à custa do Erário, suprido por províncias cuja espoliação era garantida por um exército profissional de mercenários estrangeiros.

Para enfrentar a grave situação, tudo que podiam fazer era rezar por um milagre, e este ocorreu porque o objetivo do devoto Alarico não era fazer mal a Roma, que respeitava por considerá-la a sagrada cidade de São Pedro, mas forçar o idiota imperador Honório a negociar a INCLUSÃO dos godos no Império. Como sempre, tudo que queriam era tornarem-se cidadãos, receberem terras ociosas para os seus agricultores, cargos no Serviço Público para os seus letrados e postos no Exército para os seus guerreiros.

Efígie de Alarico em uma antiga gravação em aço

Por incrível que pareça, o que os decadentes romanos deveriam ter como generosa dádiva foi tida como humilhante chantagem e por isso negaram-se a negociar com os “saqueadores bárbaros”, como chamavam os godos, mantendo a mesma política suicida de exclusão adotada há mais de 30 anos. Seguro na inexpugnável cidade-fortaleza de Ravena, o idiota Honório e seus lacaios não deram importância ao perigo que corria Roma e tentaram cansar Alarico com negociações onde promessas jamais viravam atos. Ele então resolveu depor Honório fazendo o Senado proclamar imperador o nobre Átalo, um tolo pomposo que lhe serviria de dócil instrumento, mas isto apenas agravou a situação, pois o governador do Egito, membro da quadrilha de Ravena, cortou o fornecimento de grãos à capital e esta se viu assolada pela fome, ameaçando o próprio exército godo. Vendo que o tiro saíra pela culatra, Alarico “demitiu” o inútil Átalo e a comida voltou, iniciando-se nova rodada de negociações. O impasse já durava mais de um ano quando Honório o convidou para uma conferência em local próximo a Ravena, mas ao invés de preparar-lhe um comitê de recepção preparou-lhe uma cilada, da qual escapou após derrotar o general Saro, e voltou a sitiar Roma com as suas tropas, que já começavam a criticar a sua boa fé e a lhe questionar a liderança.

Saque de Roma pelos godos. O quadro mostra incêndios e gente apavorada nas ruas, mas roubos e depredações foram só de palacetes e prédios públicos. Os pobres pouco sofreram
         
Os muitos meses de cerco sem que os godos invadissem a cidade deram aos moradores um falso sentimento de segurança, fazendo-os acreditar que, enquanto o Imperador ficasse longe em Ravena e o Papa governasse Roma, o devoto cristão Alarico não profanaria a cidade de São Pedro. Por isso os muitos que haviam fugido no início voltaram com as suas riquezas e os poucos que tinham ficado não cuidaram de mandá-las para outro lugar. Até mesmo a princesa Gala Placídia, irmã do imperador Honório, ficara durante o cerco, mais preocupada em vingar-se por ofensas verdadeiras ou imaginárias da sua prima Serena, viúva do seu ex-tutor Stilicon, do que com os ameaçadores godos.

Assim, quando em 16 de agosto de 410 eles arrombaram os portões após desbaratarem a fraca resistência e espraiaram-se pelas ruas aos milhares, os surpreendidos romanos entraram em pânico e renderam-se. O saque começou logo após Alarico instalar-se no palácio imperial, porém, ao contrário do que se pensa, não foi um saque furioso e destruidor, mas metódico e violento apenas na medida do necessário. O clero, as igrejas e mosteiros foram poupados, assim como também as moradas humildes, de sorte que o saque foi principalmente das repartições públicas, casas comerciais, mansões dos ricos e residências de classe média. Incêndios, mortes, torturas e estupros foram poucos em uma operação de tal envergadura, e a maioria deveu-se mais à escória local do que aos conquistadores.

Terminado o saque, Alarico fez cordial visita ao Papa, a quem homenageou como bispo de Roma e sucessor de São Pedro. Depois prosternou-se e orou na basílica do apóstolo diante do seu túmulo, seguido por ordeira fila de todo o exército godo, que mais parecia uma respeitosa multidão de devotos peregrinos do que um exército de bárbaros invasores!

Alarico surpreendeu a todos ao não se proclamar imperador após conquistar
Roma. Gravura de Ludwig Thiersch (1894)
          
A boa conduta dos "heréticos" arianos conquistadores não parava de surpreender os católicos romanos conquistados, que já tinham como certo Alarico proclamar-se imperador logo que os ânimos serenassem, mas a surpresa maior veio no dia 27 de agosto quando, já estando tudo em ordem, ele e o seu exército partiram e marcharam para o sul, dizendo que iriam estabelecer o seu reino na Sicília. Levavam centenas de carroças com os tesouros saqueados e muitos nobres reféns, entre eles a princesa Gala Placídia. Antes de serem libertados mediante pesado resgate, teriam que servir aos godos como escravos a fim de provarem o gosto do trabalho, do sofrimento e da humilhação.

O que se viu nos dias que se seguiram foram patrícias romanas trabalhando como arrumadeiras, cozinheiras, copeiras e lavadeiras, além de prestando sofisticados serviços sexuais aos seus captores. Nobres latifundiários e ricos mercadores foram mandados tratar de cavalos, limparem estábulos e carregarem pesados fardos sob o chicote vigilante dos vencedores. À medida que os polpudos resgates eram pagos, iam sendo libertados e voltavam a Roma contando sua "odisseia" com as tintas piores possíveis, reivindicando para si as glórias do martírio pelo "sofrimento" durante o cativeiro entre os “cruéis bárbaros heréticos”. Ainda bem que alguns foram honestos e contaram a verdade, reconhecendo que o sofrimento fora apenas o merecido castigo por sua sórdida arrogância e pérfida mesquinhez. A única refém não libertada foi a princesa imperial Gala Placídia, seja porque Alarico quisera mantê-la como valiosa moeda de troca em futuras negociações com Honório, seja porque ela se tornara amante do príncipe godo Ataulfo.

Após dois meses percorrendo o sul da Itália, ele chegou ao estreito de Messina onde começou a preparar a travessia marítima do seu povo para a Sicília, que julgara ser a sua Canaã. Porém, em meio aos intensos preparativos, teve um súbito colapso e morreu.

O funeral de Alarico foi misterioso. Dizem que represaram um rio e o enterraram no seu leito seco. Depois
liberaram o rio e ele cobriu o túmulo para sempre. Gravura de Heinrich Leutemann (séc. XIX)

Conta-se que muitos guerreiros se suicidaram para acompanhar na morte o grande chefe morto, mas isso é improvável dado que os godos eram cristãos devotos e o cristianismo proíbe o suicídio, mas a verdade é que o povo chorou durante dias o seu Moisés, morto antes de ver a terra prometida e que além de liderá-los durante anos na travessia do deserto também derrotara o faraó romano em campo aberto e se apossara da sua capital. O seu funeral está repleto de lendas e não se sabe o local do seu túmulo, pois os milhares de godos que o acompanhavam juraram guardar o segredo para sempre, de forma que o único homem que conquistou Roma em oito séculos de História repousa para sempre em lugar ignorado. Isto dá bem a medida da seriedade e honradez dos godos, pois é o único caso na história em que um povo inteiro, com seus milhares de homens, mulheres e crianças cumpre um juramento de forma tão completa e absoluta. Nem mesmo a prisioneira princesa Placídia, presente ao funeral e mais tarde rainha dos godos pelo casamento com Ataulfo, traiu o juramento. Certamente porque na ocasião já devia se sentir mais gótica do que romana!

Todos juraram guardar segredo sobre o local do túmulo de Alarico no leito de um rio temporariamente
represado para o enterro. Gravura de Heinrich Leutemann (séc. XIX)
          
Porém, mais misterioso que o local do seu túmulo é o motivo pelo qual não se proclamou Imperador quando tinha tudo para fazê-lo e, ao invés de tornar-se “Senhor do Mundo”, preferiu abandonar a mais famosa e poderosa cidade de todos os tempos, marchando para longe na busca de criar um modesto reino para o seu sofrido povo em uma ilha supostamente paradisíaca. Jamais saberemos o que se passou em sua mente modesta naqueles poucos dias vividos como senhor absoluto no suntuoso palácio imperial em Roma, mas é razoável supor que sendo ele homem de fé tenha pressentido o fim próximo e tido uma iluminação mística, fazendo-o ver que uma metrópole de costumes duvidosos não era lugar para um povo rural de hábitos sóbrios se estabelecer. Daí sua pressa em partir à procura de um lugar apropriado à sua gente antes que os seus dias na terra findassem.

Ou talvez fosse mais lógico simplesmente pensar que ao invés de se importar com as grandezas do mundo, as delícias do poder efêmero e a vaidade da glória pessoal, Alarico fosse apenas um homem decente que desse muito mais importância à tranquilidade da sua consciência de cristão honesto e à felicidade simples do seu povo humilde.

A longa marcha dos godos das planícies da Ucrânia até a Península Ibérica, onde se
estabeleceram definitivamente, durou 42 anos 

Os godos viram a súbita morte de Alarico como mensagem divina dizendo-lhes que deviam desistir da Sicília, e o novo rei Ataulfo, parente e melhor general do falecido líder, fez a sua imperial amante Gala Placídia obter de Honório um tratado que dava aos godos a cidadania romana e um vasto reino no oeste da França e norte da Espanha, tornando-a rainha dos godos pelo casamento com Ataulfo. A justa romanização dos valorosos imigrantes permitiu a vitória de Aécio sobre Átila em 451 na gigantesca batalha dos Campos Catalúnicos, última grande vitória das águias imperiais. Nos anos seguintes, eles dominaram toda a Península Ibérica onde se fixaram definitivamente, de modo que a terra prometida dos godos terminou sendo a Espanha e Portugal e não a Sicília, como sonhara Alarico.