terça-feira, 2 de novembro de 2010

Post nº 08

O  TENEBROSO  JULGAMENTO  DOS  CAVALEIROS  TEMPLÁRIOS

Morte na fogueira em março de 1314 de Jacques de Molay, grão-mestre dos
Cavaleiros Templários. Autor anônimo (séc. XIX)

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Poucos dias depois do golpe, doutores da Universidade, ordens da nobreza, confrarias religiosas, corporações profissionais e enorme multidão reunidos em vasta praça de Paris com bandeiras desfraldadas ao vento, ouvem o libelo acusatório de Felipe: “Uma coisa amarga e deplorável, horrível de pensar e terrível de ouvir, execrável de perfídia e detestável de infâmia, uma coisa que nada tem de humano, mas que é atestada por inúmeros testemunhos, chegou aos nossos ouvidos, causando-nos violento espanto e horror indizível. A nossa dor foi imensa ao sabermos dos crimes enormes praticados contra a majestade divina e a fé católica, crimes que são uma vergonha para a humanidade, um exemplo de perversidade e um escândalo público”! Em seguida, enumera os sórdidos crimes que atribui aos cavaleiros: a) na cerimônia secreta de admissão na Ordem renegam Cristo três vezes e cospem no crucifixo; b) dão e recebem beijos obscenos nas partes íntimas; c) praticam a sodomia; d) adoram ídolos e cabeças de animais empalhadas, sobretudo a de um bode que representa Satanás; e) não fazem a consagração da óstia durante a missa e a rezam diante de uma cruz de cabeça para baixo; f) se masturbam diante da imagem da Virgem; g) urinam nas imagens dos santos; h) festejam com as bruxas nos bosques a noite de Walpurgis; i) promovem orgias na quinta-feira santa para ridicularizar a Última Ceia de Jesus; j) vendem suas almas a Satanás em troca de riquezas... e por aí vai o absurdo rol de acusações, um dos libelos mais estapafúrdios da História!


A Inquisição e os clérigos que odeiam os Templários são as maiores armas
       de Felipe no torpe processo. Ilustração de autor anônimo (séc. XIX)
         
Porém, numa época de fanatismo e superstição, o esdrúxulo libelo é de enorme eficácia para destruir os acusados perante a opinião pública. Sob terrível tortura muitos confessam; os que não confessam morrem e os carrascos dizem que "se suicidaram" por não suportarem o peso dos próprios pecados; aqueles que mais tarde renegarem as confissões serão queimados como impenitentes. Seiscentos anos antes dos “julgamentos” ordenados por ditadores totalitários contra os seus rivais, durante os quais confissões descabidas e insensatas serão atribuídas pela imprensa democrática a refinadas técnicas de lavagem cerebral da polícia secreta, Felipe consegue o mesmo sem dispor de meios tão sofisticados. Sem imprensa ou rádio, ele também cria no século XIV a propaganda difamatória massiva. Para tanto usa arautos que lêem sem cessar em todo reino confissões extorquidas a ferro e fogo, dando no século XX aos tiranos o imoral ensinamento de que a mentira incessantemente repetida acaba se tornando verdade!

Bispos e monges de outras Ordens que odeiam os Templários lhes aplicam
          as mais atrozes torturas. Ilustração de autor anônimo (séc. XIX)
            
Enquanto se desenrola o execrável processo, trava-se acirrada luta entre Felipe e o Papa Clemente V, que diante do fato consumado não tem outra opção senão aprovar o ato policial do rei, mas dizendo que o processo judicial é da alçada da Santa Sé, pois só ela tem jurisdição sobre a matéria. Atrás disso não está apenas a tentativa do Papa de restaurar sua autoridade, mas a posse do enorme patrimônio da Ordem. Em consequência, ele recusa-se a extingui-la enquanto o assunto não for resolvido e até lá os príncipes serão apenas fiéis depositários dos bens seqüestrados. Indo adiante, Clemente promove reunião secreta do Colégio de Cardeais no castelo de Chinon onde é aprovada bula papal em junho de 1308 anistiando os Templários. Porém Felipe é informado e impede a sua publicação, mantendo virtualmente prisioneira toda a cúpula da Igreja. Os altos prelados se calam e o decreto de anistia somente será conhecido setecentos anos depois quando os arquivos secretos do Vaticano são abertos à pesquisas de historiadores independentes.

    O Papa Clemente V é o modelo perfeito do indivíduo covarde e
                pusilânime. Gravura de autor anônimo  (séc. XVIII)
 
O Papa tenta salvar sua cambaleante autoridade mudando-se com sua corte para território fora da jurisdição real e em agosto de 1308 convoca Concílio para resolver o caso na cidade de Vienne, sudeste da França, mas independente da autoridade de Felipe. O rei contra-ataca e convoca assembleia de príncipes e bispos franceses na cidade de Lion, muito mais populosa e importante que a pequena Vienne, para examinar a conduta infame do falecido Papa Bonifácio VIII, antecessor de Clemente V. Este se amedronta e adia o início do Concílio, que só se reunirá três anos mais tarde. No interregno Felipe finge negociar, mas não entrega ao Papa nenhum dos prisioneiros. Sadicamente tortura-os nas masmorras e de vez em quando queima alguns em praça pública.
           
Para mostrar que não está brincando, em 1310 manda queimar em Paris cinquenta e dois cavaleiros de uma só vez, no que foi a maior execução por esse tipo de suplício da história. Os executados não ocupam posições importantes e são de categoria social inferior, pois ou pertencem à pequena nobreza sem influência política ou provêm das classes baixas, tendo sido nobilitados pela própria Ordem ao serem sagrados cavaleiros. Isto faz com que a alta aristocracia se abstenha de manifestar insatisfações ou protestos e fortalece ainda mais a autoridade de Felipe, que há tempos é também chamado pelo povo de "O Rei de Ferro". Por enquanto ele poupa o estado-maior templário, não só porque é constituído por cavaleiros bem conectados na alta nobreza, mas também porque tem esperanças de que lhe revelem o paradeiro do Tesouro da Ordem, pois é voz geral que ele não foi encontrado quando o Templo foi invadido na manhã do golpe.

Em 1310 Felipe manda mensagem de advertência ao Papa queimando
templários em massa. Iluminura medieval 
           
Daí em diante o rei implacável adota o expediente de mandar à fogueira de tempos em tempos alguns modestos cavaleiros independentemente de aprovação papal para mostrar à alta cúpula da Igreja que não tolerará absolvições eclesiásticas nem subterfúgios legais que visem salvar a Ordem da extinção. O seu trabalho é facilitado pela covardia de Clemente que passa a aparentar estar ao lado de Felipe, ordenando aos demais príncipes católicos que prendam os Templários que estiverem em seus territórios e lhes confisquem os bens. Porém apenas Eduardo I da Inglaterra, onde a Ordem quase não tem presença, e alguns príncipes alemães o obedecem, mas apenas na Alemanha há algumas execuções. Os príncipes de Chipre e de Rhodes obedecem, mas não há execuções. Todavia na Península Ibérica, onde estão dois terços dos cavaleiros e castelos templários na Europa, os decretos papais são solenemente ignorados e a Ordem continua funcionando normalmente.
           
Enquanto se desenrola o processo, Felipe e os príncipes europeus, exceto os reis ibéricos de Portugal, Castela e Aragão, vão roubando e dilapidando os bens da Ordem. Para agir com tanta desenvoltura e desprezo pela supremacia papal Felipe tem uma arma poderosa: o processo secreto movido pela Coroa Francesa e seus bispos mais fieis contra a devassidão e os desmandos do Papa anterior, Bonifácio VIII, a quem a morte salvara de uma deposição ignominiosa. Friamente, Felipe ameaça torná-lo público e queimar na fogueira os restos do Papa falecido, desmoralizando a Cúria de uma vez por todas caso Clemente insista numa atitude não cooperativa. Assim, tendo o papado em xeque, ele faz o que quer e mantém o Sumo Pontífice calado e omisso.

           Felipe periodicamente queima templários em praça pública para manter submissa toda a alta
                                     cúpula da Igreja através do terror de Estado. Iluminura medieval
             
Em 1311 o Concílio enfim se reúne depois que Felipe consegue impor a sua agenda e impedir a presença de prelados notoriamente favoráveis aos Templários. Como se já dando por certa a extinção da Ordem, o assunto a ser debatido será o que fazer com os seus bens! O tópico é absurdo porque o estatuto da Ordem diz claramente que o papado é o seu herdeiro e portanto não há o que discutir, mas é precisamente o que o acovardado Papa permite discutir, pois o interesse de Felipe e dos seus associados é não só despojar a Ordem, mas também a Igreja dos bens que legitimamente lhe pertencem. Apesar de ser uma assembléia manipulada, os escrúpulos jurídicos da maioria dos seus membros os faz decidir que não é possível condenar os réus sem que eles sejam ouvidos; por isso ordena que Felipe os apresente para que sejam corretamente julgados. Porém, temendo que os cavaleiros sejam absolvidos e escapem das suas garras, Felipe capciosamente argumenta que é desnecessário apresentá-los in corpore, pois uma comissão nomeada pelo Concílio poderá muito bem fazê-lo na prisão onde os réus se encontram. Mais uma vez o Papa se curva e os templários presos ainda vivos, exatamente a cúpula da Ordem, jamais comparecerão diante de um verdadeiro tribunal antes do Juízo Final. É uma luta política feroz e indecente onde todos os meios são válidos, até mesmo a vil chantagem praticada sem qualquer pudor pelas autoridades mais altas da Terra.

  Interrogatório de Jacques de Molay pelo tribunal da Santa Inquisição.
                              Ilustração de autor anônimo (séc. XIX)
            
Em abril de 1312, no final do Concílio, é selado um acordo que permite ao Papa Clemente V salvar a cara e a Ordem é extinta, mas ao invés dos seus bens irem para a Santa Sé irão para os Cavaleiros Hospitalários, uma Ordem bem menos poderosa e mais acessível à vontade dos reis. Os novos proprietários levarão anos tentando arrecadá-los, pois quase tudo foi desviado através de inescrupulosas manobras de príncipes e bispos vorazes cujos "documentos" os cordatos Cavaleiros Hospitalários não se atrevem a contestar. No fim eles só herdarão dívidas!
            
Controlando o Concílio do começo ao fim, Felipe dele se utiliza para roubar ainda mais e astutamente sugere uma "nova cruzada" para reconquistar Jerusalém. Claro que tanto ele quanto Clemente V sabem que isso é inviável, mas o que ambos de fato pretendem é arrecadar o famoso dízimo dos cruzados, imposto que é lançado sempre que se organiza uma nova Cruzada e que tem por fim financiá-la. A "cruzada" é convocada, o dízimo é cobrado e Felipe e Clemente esquecem o assunto logo que enchem os bolsos.
            
Em Portugal, onde a Ordem do Templo continua funcionando e a Ordem do Hospital não tem presença, o rei Diniz nomeia os próprios ex-templários para administrarem os bens que já administram e tudo continua na mesma. Mais tarde ele cria a Ordem dos Cavaleiros de Cristo e obtém autorização papal para doá-los à nova Ordem, na qual admite os antigos cavaleiros templários. Com essa manobra transforma a Ordem do Templo na Ordem de Cristo e os cavaleiros de uma em cavaleiros da outra.
            
Finalmente o processo do estado-maior Templário é concluído pelos inquisidores, inteiramente dóceis à vontade de Felipe, e os cavaleiros são condenados à morte na fogueira por heresia e devassidão. Felipe os executa coletivamente em horrendo espetáculo público, mas, não se sabe bem por que, poupa os dois mais importantes durante alguns meses. Embora não existam provas documentais ou testemunhais, tudo indica que ele o faz porque ainda tem esperança de por a mão no tesouro desaparecido da Ordem, procurando por isso negociar com os dois altos prisioneiros a revelação do seu esconderijo em troca das suas vidas. Mas as evidências são de que a aquela altura eles não tinham mais nenhuma confiança no sórdido monarca e decidiram levar para o túmulo o segredo, saboreando em silêncio a terrível frustração imposta ao seu feroz inimigo.

                              Jacques de Molay amaldiçoa o Papa Clemente e o Rei Felipe. Gravura de
                                                                           autor anônimo (séc. XIX)
             
Há uma versão que diz terem os cardeais lhes aplicado a pena de prisão perpétua, mas a teriam agravado para pena de morte em virtude dos réus terem veementemente protestado inocência. O fato é verdadeiro, mas os cardeais modificam o veredito não por serem os réus "impenitentes", mas porque Felipe fica furioso e os manda modificá-lo sob pena de irem todos juntos para a fogueira. Não é por acaso que Felipe é também chamado de "O Rei Falsário" e "O Rei de Ferro".
            
No dia 14 de março de 1314 o Grão-Mestre Jacques de Molay e o seu mais importante auxiliar, Godofredo de Cherney, são levados à fogueira em Paris na presença de grande multidão e do rei. Contam que várias vezes ele amaldiçoou os seus algozes e mesmo em meio às chamas ainda teve forças para gritar ao rei: Antes que o ano acabe, tu e Clemente comparecerão ao Tribunal Celeste e receberão de Nosso Senhor Jesus Cristo o justo julgamento!


     A maldição foi forte, dando origem à lenda dos "reis
          malditos". Gravura de autor anônimo (séc. XIX)
            
Em 20 de abril o Papa Clemente V morre em meio a uma repugnante crise de vômitos e em 29 de novembro o rei Felipe o segue, após ficar completamente paralisado por uma queda de cavalo. No ano anterior, poucos meses antes da execução, o jurista Guilherme de Nogaret fora encontrado em sua mesa de trabalho com a cabeça caída sobre os autos que examinava e os olhos esbugalhados, vítima de fulminante apoplexia. Como Jacques de Molay profetizara do alto do patíbulo, os seus três principais algozes estavam mortos antes que o fatídico ano de 1314 chegasse ao fim!

   A execução de Jacques de Molay e Godofredo de Chernay tornou-se
                        célebre. Gravura de autor anônimo (séc. XIX)
            
Coincidência ou não, a morte dos amaldiçoados obedece rigorosamente à hierarquia, pois primeiro morre o Papa, depois morre o Rei, e finalmente morrem os seus descendentes, pois Felipe é sucedido em perfeita ordem de idade pelos seus três filhos que em dez anos morrem um atrás do outro após curtos reinados. Para completar, eles não deixam herdeiros e a Dinastia Capeto se extingue após ter governado a França por mais de trezentos anos. Tão grande coincidência dá origem à famosa lenda dos "Reis Malditos"porque para os supersticiosos a maldição de Jacques de Molay foi daquelas tão fortes que atingem tanto o amaldiçoado quanto à sua família.

Em novembro de 1314 Felipe o Belo morre devido à uma queda de cavalo. Iluminura medieval
             
Outra lenda diz que quando o dia 13 de outubro coincide com uma sexta-feira e há lua cheia, aparece nas ruínas dos antigos castelos templários o fantasma de cavaleiro armado dos pés à cabeça portando o manto branco e o escudo com a cruz. Olhando em volta ele grita: Quem defende o Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo?

E o eco responde: Ninguém... A Sagrada Ordem do Templo está morta!



sábado, 30 de outubro de 2010

Post nº 07

A  REAÇÃO  DE  PORTUGAL  AO  GOLPE  MILITAR  EM  FRANÇA  CONTRA  OS CAVALEIROS  TEMPLÁRIOS
Os Cavaleiros Templários foram fundamentais para a expulsão dos mouros de Portugal e todas as famílias
nobres tinham membros na Ordem. Por isso o rei Diniz e o povo português ficaram do seu lado  



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A notícia do arrasador golpe na França contra os Cavaleiros Templários deixa a Europa estupefata! Nos outros países nobreza, clero e povo ficam tão espantados quanto seus iguais franceses, mas seus soberanos, que devem grandes favores aos legendários Cavaleiros, também ficam temerosos do poder, audácia e implacável eficiência de Felipe o Belo. Ademais, a França é o país mais extenso, populoso, rico e poderoso do continente, e concluem que é melhor não desafiar o seu rei, até porque existe na sociedade forte antipatia aos Templários, pois o povo, embora surpreso, aplaude o golpe.

Aos humildes nada é mais prazeroso do que a escandalosa queda e desgraça dos poderosos! Por isso os reis europeus limitam-se a pedir a Felipe tímidas explicações e ele responde mentindo, dizendo que tem o apoio do Papa e lhes mandando a lista das atrozes acusações forjadas contra os cavaleiros. Na verdade, o Papa está tão perplexo quanto os demais e permanece calado tentando negociar nos bastidores, mas isto é visto como consentimento e os príncipes concluem que o melhor é seguir o colega francês, perseguindo a Ordem e tomando-lhe os bens. Como urubus, lançam-se à carniça e com documentos falsos alegam serem seus credores, pois nela depositaram grandes quantias”!

Além de culto e valente, Diniz é honesto e recusa-se a participar da
roubalheira dos demais monarcas europeus

Porém enquanto a Ordem existir os seus bens são inalienáveis. Caso seja extinta, serão incorporados a uma outra escolhida pelo Papa, mas no interregno ficarão sob a guarda das autoridades eclesiásticas. Os reis contornam a árdua questão jurídica através dos seus bispos, que embora nomeados pelo Papa são indicados por eles. Assim, fazem altos prelados de sua confiança “fiéis depositários” do acervo e apoderam-se dele. É importante realçar que embora o povo seja fanaticamente religioso a Igreja Católica, como instituição terrena, passa por enorme crise moral e política, estando o Sumo Pontífice refugiado em um castelo na cidade de Avignon no sul da França devido aos cismas e revoltas que sacodem Roma e a Itália. Assim, embora conserve sua enorme autoridade religiosa sobre massas ignorantes e fanáticas, o Papa carece da boa vontade do poderoso rei francês para manter sua autoridade política e debelar as rebeliões que ameaçam desembocar em avassalador movimento de Reforma Religiosa 200 anos antes que ele realmente ocorra, como de fato virá a ocorrer no século XVI. O resultado é que o Papa pouco ou nada pode fazer pelos seus fiéis cavaleiros, pois além de estar politicamente fraco Felipe o chantageia ameaçando revelar ao público segredos que possui sobre fatos gravíssimos que acabariam por desmoralizar a Igreja completamente.

Não sabendo ainda que a chantagem inativara o Papa, Diniz manda-lhe
embaixadores para aconselha-lo a resistir ao rei Felipe 


No resto da Europa os Templários, sabedores da catástrofe francesa, contra-atacam como podem. Ensarilham armas e entram em estado de alerta máximo, atemorizando príncipes e bispos que não se atrevem a hostiliza-los, mas também não se colocam ao seu lado e preferem esperar que as coisas fiquem mais claras. Em alguns principados alemães senhores mais afoitos lançam-se sobre os cavaleiros, mas são derrotados e é a vez deles entrincheirarem-se amedrontados em seus castelos. Porém o tempo está contra os Templários e à medida que passa e a voz do Papa não se ergue em sua defesa acreditam que o Sumo Pontífice está contra eles e fogem ou ingressam na Ordem dos Cavaleiros Teutônicos. Processos, execuções e fugas ocorrem em toda a Europa, porém nada igual ao que acontece na França. Na maioria dos casos os cavaleiros simplesmente somem, fugindo para lugares distantes ou ingressando em outras Ordens que se atrevem a correr o risco de aceitá-los.

Castelo de Tomar, sede da Ordem dos Cavaleiros Templários em Portugal. Diniz muda-lhe o nome
para "Ordem dos Cavaleiros de Cristo" e tudo continua na mesma
            
Todavia, no cruel cenário de covardia, desonestidade e cupidez que grassa em toda a Europa, uma voz discordante se ergue em defesa dos perseguidos cavaleiros: a do popular rei Diniz de Portugal, grande administrador, valente guerreiro, brilhante intelectual e celebrado poeta. Apesar de reinar sobre um pequeno país, Diniz é o mais culto e digno soberano europeu. Estudioso e educado por doutores da Universidade de Paris, além de culto ele é também guerreiro e poeta, o que lhe vale a alcunha de "O Trovador". Criou escolas e incentiva a instrução, o comércio, a indústria e a agricultura, o que lhe dá também o apelido de "O Lavrador". Pouco tempo depois do traiçoeiro golpe militar ele funda a Universidade de Coimbra, que logo se tornará uma das mais afamadas da Europa.

Os cavaleiros templários tiveram grande atuação na Península Ibérica e foram essenciais para a
reconquista de Lisboa aos muçulmanos. Quadro de Alfredo Roque Gameiro (1917)
            
Portugal é o pais europeu onde proporcionalmente ao seu tamanho e população existem mais Cavaleiros e Castelos Templários, ao todo cerca de mil cavaleiros e trinta castelos. Na Inglaterra e Escócia, por exemplo, não existe nenhum castelo e o número de Cavaleiros nos dois países não chega a cem. Por outro lado, a unificação de Portugal, decorrente da expulsão dos muçulmanos para a qual os Templários muito contribuíram, é recente e, ao contrário do resto da Europa, eles gozam de grande prestígio entre o povo. Quase todas as famílias nobres têm pelo menos um membro na Ordem e o culto rei Diniz lhe tem respeito e gratidão, não só pela valente ajuda militar como pelo valioso auxílio à sua grande obra administrativa. Por isso, indignado com o que se passa na França, manda enérgico protesto ao Papa e vitupera a infame atitude de Felipe.
            
Passando das palavras aos atos, oferece integral proteção à Ordem. Em Portugal ela continuará atuando e todos os cavaleiros fugitivos serão bem recebidos! Centenas deles chegam de toda a Europa trazendo apenas a roupa do corpo, mas trazendo também os grandes conhecimentos que possuem, não só das artes marciais, mas também das artes do comércio e da navegação.
  
Em Portugal existem dezenas de castelos e ruínas de castelos templários. O castelo do Almourol em
ilha do rio Tejo é um dos mais belos e importantes

Oito navios templários que fogem de um porto francês atracam no pequeno porto de Lisboa. Logo chegam mais navios e com eles experientes tripulações, mapas secretos, valiosos instrumentos náuticos, livros contendo elaboradas técnicas contábeis, preciosas informações geográficas e astronômicas, e listas de importantes contatos comerciais no Mar Mediterrâneo, Mar Negro, Mar do Norte e Mar Báltico.

Maior tesouro que os Templários levam para Portugal são seus navios e seus conhecimentos náuticos.
No ano da sua chegada Diniz funda a Universidade de Coimbra e a marinha portuguesa
             
Não se sabe se com os navios também chegou a Portugal o lendário Tesouro dos Cavaleiros Templários, mas é certo que com eles chegou um outro valiosíssimo: o tesouro do conhecimento comercial e naval! Graças ao rei Diniz e aos Cavaleiros da Ordem do Templo, Portugal vai entrar no rol das grandes potências europeias e isto terá relevante importância no mundo muitos anos depois, inclusive no Brasil. Mas antes disso teremos de nos debruçar sobre outras questões do rumoroso caso e o longo e sinistro processo judicial que se desenrola na França contra a legendária Ordem guerreira.




quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Post nº 06

O  GOLPE  MILITAR  QUE  DESTRUIU  A  ORDEM  DOS  CAVALEIROS TEMPLÁRIOS

Rei Felipe IV de França apelidado "O Belo". Ele destruirá a Ordem dos Cavaleiros Templários
com um golpe militar fulminante. Tela de autor anônimo do século XIX

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Na manhã da quinta-feira 12 de outubro de 1307 realiza-se em Paris o solene funeral de Catarina de Courtenay, neta do imperador de Constantinopla e esposa do nobilíssimo Carlos de Valois. O rei Felipe o Belo e toda a alta nobreza estão presentes, incluindo o Grão-Mestre Templário Jacques de Molay, ao qual cabe a subida honra de segurar uma das pontas da mortalha. O poderosíssimo Grão Mestre ainda não sabe, mas ele está vivendo o seu último dia de glória e liberdade: no dia seguinte estará maltrapilho em um calabouço imundo e daí a 6 anos e 5 meses morrerá na fogueira depois de sofrer as mais ultrajantes torturas  e humilhações. Tudo que restará dos seus temidos Cavaleiros Templários serão superstições e lendas que sobreviverão ao peso dos séculos.

          Notre Dame de Paris onde Jacques de Molay aparecerá livre e poderoso em público pela última vez. No
                               dia seguinte ele e seus cavaleiros estarão acorrentados em calabouços imundos.
     
Porém nesta manhã, onde luto é apenas pretexto para exibição de poder e vaidade, nada nos rostos dos dois homens denota a batalha diplomática secreta que travam junto ao papado em torno da poderosa e riquíssima Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém, pois somente o Sumo Pontífice tem jurisdição sobre ela. Jacques de Molay está tranqüilo e confiante no apoio do Papa, que o mantém a par das manobras diplomáticas de Felipe, mas ignora totalmente sua secreta preparação para uma eventual solução militar caso a diplomacia não lhe permita alcançar os seus perversos objetivos. 
             
As denúncias contra os Templários colecionadas por Felipe se acumulam há meses e em agosto as partes envolvidas concordam que seja instaurado inquérito real-eclesiástico, conduzido por comissão mista de juízes indicados pelo Rei e pelo Papa, para apurá-las e por um ponto final na questão, fazendo cessar de vez os falatórios. O início das audiências é marcado para o dia 20 de outubro e tudo parece seguir os devido trâmites legais.

                                         Castelo e sede dos Templários em Paris, demolido quinhentos anos mais
                                                   tarde por Napoleão Bonaparte. Tela de autor anônimo (1795)
            
O Rei parece conformado, pois há semanas não toca no assunto, mas é tudo um disfarce, pois Felipe não é homem de aturar desafios à sua autoridade nem deixar que tecnicalidades legais se interponham entre ele e os seus objetivos. Cansado das delongas papais, há um mês reuniu em sigilo o seu conselho privado e decidiu pela radical supressão da Ordem, lavrando-se o rol de terríveis acusações e o mandado de prisão dos seus membros. Ele sabe que somente agindo disfarçado nas trevas poderá apanhar de surpresa os aguerridos e experientes Cavaleiros com chances de vitória, por isso todo o seu sinistro plano é mantido em rigoroso segredo e medidas preliminares são tomadas. O Capelão da Corte, seu servo obediente, é o Grande Inquisidor da França e o seu aval é obtido sem dificuldades. O exército fica de prontidão nos quartéis, restaurando a disciplina e treinando para enfrentar “futuros inimigos externos”. Peça chave da conspiração oficial, o exército é posto de prontidão e os comandantes nada dirão aos soldados, mas devem ficar no aguardo de importantes ordens reais cujo teor eles ignoram e que podem chegar a qualquer momento.

Sabendo que os cavaleiros vão estar ocupados reunindo documentos, procurando testemunhas e planejando depoimentos nos dias que antecederão à abertura do Inquérito, ele marca o dia do golpe para uma semana antes do seu início: 13 de outubro! Nem uma palavra vaza sobre os Templários, homens do Papa e amigos do Rei.

Finalmente chega a hora. Enquanto ocorrem as suntuosas exéquias de Catarina de Courtenay em Paris, velozes correios militares cruzam a França com mensagens urgentes aos comandantes das guarnições do exército. As ordens estão lacradas e só serão abertas à zero hora da sexta-feira 13 de outubro. Após romperem o lacre e tomarem conhecimento das determinações reais, deverão executar imediatamente as suas detalhadas instruções.

    Jacques de Molay, grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros Templários.
             Obra de autor anônimo. Bibliothéque Nationale de France

Ao primeiro cantar do galo os comandantes dirigem-se com pequena escolta às fortalezas templárias, chamadas comendas, dizendo trazerem notícias urgentes. Abertos os portões, tropas ocultamente posicionadas penetram e os monges guerreiros são presos ainda em trajes de dormir. Com calma, sem erros ou precipitações, as ordens são executadas na mesma hora e com a mesma eficiência em todo o país, prendendo Cavaleiros aterrorizados pelas espantosas acusações que ouvem como se fosse um pesadelo. Alguns fogem, outros se suicidam. Em Arras, cavaleiros são sumariamente degolados.

Em toda a França é uma madrugada de medo e horror!

Em Paris, as operações são dirigidas pelo Ministro da Justiça Guilherme de Nogaret, que pessoalmente dá voz de prisão ao Grão-Mestre Jacques de Molay e a cento e quarenta dos seus cavaleiros, levados acorrentados aos imundos calabouços sem que sequer lhes permitam mudar de roupa. Muitos de lá somente sairão para as fogueiras.

               Iluminura medieval mostrando os Templários sendo levados pelos guardas ao calabouço. Note-se
                               que estão descalços e vestindo apenas o hábito com que foram presos dormindo
        
Quando o dia amanhece as fortalezas templárias estão em poder das tropas reais, os Cavaleiros estão presos ou mortos e a população está atônita. O segredo da assombrosa operação militar foi mantido e Felipe o Belo triunfa de ponta a ponta, criando no século XIV uma técnica de Golpe de Estado que no século XX vai ser estudada e aplicada por todos que almejam conquistar ou manter o poder por meios violentos, livrando-se de adversários poderosos com um Golpe Militar devastador e fulminante. Se do ponto de vista administrativo e ético ele se mostrou e se mostrará cruel e corrupto, de agora em diante ele também se mostrará competente e implacável líder militar e político, com toda a frieza e cinismo que isto implica.

 O ministro Guilherme de Nogaret conduz o golpe e prende
           Jacques de Molay. Autor anônimo (séc. XVIII)

O vitorioso rei instala-se no Templo, manda abrir os cofres e livros da Ordem e apodera-se das suas riquezas, prometendo divulgar o valor arrecadado logo que o inventário estiver completo, promessa que é logo esquecida. Ninguém jamais saberá o montante do Tesouro apreendido e nem mesmo se houve algum, pois surgirão fortes suspeitas de que Felipe nada encontrou. Os comentários serão de que os cavaleiros o teriam levado para local secreto face ao tenso relacionamento com a coroa nos meses anteriores ao golpe e se negavam agora a revelá-lo ao traiçoeiro monarca, mesmo sob ultrajantes torturas.

O imenso tesouro desaparecido, posto fora do alcance das mãos ávidas do ganancioso rei, será apenas uma das questões discutidas nos anos seguintes. Por enquanto o  longo e tenebroso processo judicial dos Cavaleiros Templários e a secular polêmica histórica sobre os mistérios que os cercam estão somente começando.

O seu desfecho será sinistro !



segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Post nº 05

APOGEU  E  DECADÊNCIA  DOS  CAVALEIROS  TEMPLÁRIOS


Nos séculos XII e XIII várias Ordens religiosas-militares aparecem na Europa em razão das Cruzadas, mas nenhuma é tão rica e poderosa quanto a Ordem dos Cavaleiros Templários

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Por volta de 1200 a Ordem dos Cavaleiros Templários está no auge: é a mais rica e poderosa da Europa, poucos reinos da época têm o seu mesmo poder econômico, político e militar, e o seu Grão-Mestre fala de igual para igual com príncipes, reis e imperadores. Acima dele e dos seus cavaleiros estão somente Deus e o Papa!
       
O seu poder militar na Europa é tão grande quanto na Ásia e se faz sentir de forma marcante na Península Ibérica, onde ela desempenha papel tão importante quanto na Palestina, pois é essencial na reconquista de Lisboa em 1147 e na posterior expulsão dos muçulmanos do território português, permitindo a unificação do país tal como o conhecemos hoje. Isto talvez explique porque Portugal é o país europeu com maior número de castelos templários proporcionalmente à sua população. 

Os cavaleiros templários tiveram forte participação na reconquista de Lisboa pelo rei Afonso
Henriques. Quadro de Joaquim Rodrigues Braga (1840)

Porém menos de um século depois o sólido edifício começa a apresentar rachaduras: os guerreiros cristãos saem derrotados da Palestina, os muçulmanos são expulsos definitivamente de Portugal e os príncipes ibéricos fazem uma trégua com o reino islâmico da Andaluzia, o mais próspero e civilizado da Espanha. O fervor cruzado esmaece e os cavaleiros dormitam ociosos em seus castelos, pois os veteranos com experiência militar estão velhos ou mortos e os jovens que agora se alistam o fazem não por fé, glória e aventura, mas por vaidade, privilégio e conforto. A rígida moralidade, férrea disciplina e duro treinamento são relaxados, permitindo que oportunistas ingressem na Ordem e gozem das suas vantagens sem sequer possuírem as elementares virtudes da valentia e da decência. À medida que desce o valor guerreiro e moral dos cavaleiros, sobe o seu orgulho e arrogância, criando um clima de antipatia que faz surgirem ditados populares do tipo, come igual a um templário, bebe mais que um templário, fornica como um templário, e outros igualmente depreciativos.

O estado-maior da Ordem tem voz ativa nos mais altos assuntos da Europa, mas isto lhe traz a antipatia
dos reis e a inveja dos bispos. Cena do filme "Arn o Cavaleiro Templário"
       
A situação piora com a mudança da sede da Ordem para a capital francesa, onde, não tendo muçulmanos com que se preocupar, os cavaleiros passam a tratar os locais como seus inferiores e a imiscuírem-se nos seus negócios como se fossem um poder paralelo ao poder real e eclesiástico. Exceto na península ibérica, onde existe um poderoso reino muçulmano com o qual os cristãos estão sempre em luta e têm muito com que se ocupar, no restante da Europa os templários dedicam-se aos negócios econômicos como se fossem uma empresa comercial e não uma guarda de elite destinada à proteção dos lugares santos e à expansão da fé católica fora do Continente. Seu grande poder econômico logo é acompanhado de grande poder político dentro da própria Europa, e os seus rivais passam a ser cristãos ao invés de muçulmanos. Príncipes e bispos, embora economicamente se beneficiem de empréstimos e doações dos cavaleiros, ficam cada vez mais ressentidos com o enorme poder que eles exercem dentro de suas próprias jurisdições, muitas vezes suplantando ou simplesmente ignorando a sua autoridade.
       
Em todos os países da Europa Ocidental a Ordem torna-se um Estado dentro do Estado, com a agravante de ser um Estado multinacional a serviço do Papa dentro de suas fronteiras sem qualquer vínculo de subordinação às suas Coroas. Ocorrendo isto no momento em que a Revolução Comercial impele os países europeus a se estruturarem em grandes Estados Nacionais, para o que é essencial a instituição do Rei Absoluto, a Ordem Templária surge como enorme obstáculo aos novos tempos. Isto não passa desapercebido a monarcas europeus mais astutos e clarividentes, como é o caso de Eduardo o Caolho de Inglaterra e Felipe o Belo de França.

Felipe é enérgico e unifica quase todo o reino. Eduardo I da Inglaterra lhe presta vassalagem
pelos poucos feudos que ainda tem na França. Iluminura medieval (séc. XIV)
             
Embora mau administrador, Felipe é implacável e reconquista quase todos os territórios que durante séculos tinham estado em mãos de reis estrangeiros, sobretudo da Inglaterra, por isso não admite oposições nem arranhões na autoridade real, o que lhe vale receber do povo o apelido de "O Rei de Ferro". O próprio rei inglês Eduardo I lhe presta vassalagem por alguns principados que ainda tem na França, mas sabe que a qualquer momento pode perdê-los se Felipe achar conveniente extinguir a relação feudal sob pretextos que venha a inventar. Em consequência, mantém com o rei francês as melhores relações possíveis e concorda que os Templários são realmente um grande incômodo para monarcas que, como eles, aspiram governar plenamente os seus reinos sem ingerências de qualquer espécie.
         
Mas ao contrário de Eduardo, em cujo país a Ordem tem presença superficial e não lhe causa maiores incômodos, pois não possui castelos-fortaleza nas ilhas britânicas,  para Felipe o problema é gravíssimo, pois é na França que a Ordem tem a sua sede e a sua mais ostensiva presença, com dezenas de castelos-fortaleza e grande contingente de cavaleiros. Diferente do que ocorre na Inglaterra, na França a Coroa depende mais da Ordem do que a Ordem da Coroa, coisa que para um monarca aspirante ao absolutismo é intolerável.
        
Seja por esta ou por outra razão, príncipes e grandes mercadores interessados na solidificação do Poder Real começam a murmurar contra o enorme poder da Ordem e o descontentamento se espalha pela sociedade, gerando um ambiente de geral hostilidade aos Templários. Com a hostilidade surgem histórias escandalosas sobre as suas atividades públicas e privadas, muitas delas mentirosas, mas algumas respaldadas aos olhos do público pelo comportamento descuidado, arrogante e impróprio assumido por muitos cavaleiros no meio da supersticiosa e fanática sociedade onde vivem.

Passando a viver em contato com as populações locais, os templários revelam-se brutais, arrogantes
e pouco virtuosos, tornando-se odiados. Cena do filme "Arn o Cavaleiro Templário"

Como em todo agrupamento humano, é provável que entre eles sempre tenha havido cavaleiros inclinados aos pecados da gula, da intemperança e da luxúria, mas a sua fervorosa religiosidade certamente os fazia julgá-las tentações do diabo e as sufocavam sob grossas camadas de fanatismo e bravura. Porém agora fé e valentia não são mais essenciais e as suas perversas inclinações se tornam visíveis, ainda que disfarçadas pela hipocrisia. Embora sejam exceções, sua má conduta danifica a reputação de todos, tal como a maçã podre contamina as saudáveis dentro do cesto. Todavia isso em nada diminui o poder econômico e político da Ordem: reis, príncipes e ricos mercadores lhe devem altas somas e dela dependem para suas despesas e grandes transações; por isso lhe são sabujamente submissos.

Entre os que mais devem favores à Ordem está o rei Felipe o Belo, que a faz seu banqueiro e depositária do Tesouro Real. Quando por mais de uma vez os seus desmandos levam a França à beira do desastre, ele é salvo pelo dinheiro dos Templários. Sempre carente de recursos, ele confisca os bens dos judeus e depois manda diminuir o percentual de prata nas moedas cunhadas pelo Erário Real, o que faz o povo lhe dar o apelido de "O Rei Falsário". Em 1306 ocorre um levante popular em Paris contra o seu governo incompetente, e as tropas reais, que não recebem seus soldos há meses, ficam inativas nos quartéis enquanto ele refugia-se no Templo, nome que tinha a sede da Ordem em Paris e se tornara seu sinônimo. Felipe fica sob a proteção dos Cavaleiros até a calma ser restaurada após árduas negociações do Grão Mestre Jacques de Molay com os amotinados, mas durante sua hospedagem forçada entre os Templários ele vê os seus enormes tesouros e toma ciência do seu vasto patrimônio comercial e imobiliário espalhado por toda a Europa, o que lhe aumenta ainda mais a cobiça e faz o despeito sobrepor-se à gratidão que deveria ter aos Cavaleiros por o terem salvo da fúria popular. Ardilosamente, contrai novo grande empréstimo com a Ordem, põe em dia o pagamento das tropas e dos servidores civis, lhes dá um substancial aumento e lhes ganha o apoio e a gratidão.

A Ordem dos Templários era riquíssima, possuindo feudos e castelos em toda a Europa,
sobretudo na França e na Península Ibérica
         
Felipe é um patife astuto que percebe estar o Templo deixando de ser uma sociedade de monges guerreiros para se tornar uma sociedade de mercadores banqueiros, a maior e mais rica que já se viu e cujo poder político é enorme. Mas ele vê também que, em um mundo onde a espada é a lei, o poder econômico e político dissociado do poder militar é um convite certo ao desastre. Depois de várias décadas sem combater, o poder militar dos Templários é só uma lembrança de um passado distante. Corretamente, ele avalia que a Ordem é um gigante de pés de barro: um golpe certeiro a jogará por terra! Ademais, ela tem a antipatia do alto clero, muito incomodado por sua independência da autoridade dos bispos e pelo prestigioso diálogo direto que tem com o Papa e o Colégio de Cardeais. Muitos bispos não se conformam com o fato de ser o comendador diocesano da Ordem muito mais rico e poderoso do que ele dentro da sua própria Diocese. Também nobres e comerciantes, que têm os seus débitos judicialmente executados ou em vias de execução, gostariam de se ver livres de sua implacável credora e assim salvarem suas propriedades.
  
Poderosas muralhas do castelo templário de Tomar, sede da Ordem em Portugal que abrigará
cavaleiros fugitivos vindos de toda a Europa após a derrota na França
           
Já sabendo que o Templo é uma mina de ouro e tem muitos inimigos, Felipe tenta tornar-se seu membro e apoderar-se dele, mas o Grão-Mestre Jacques de Molay se nega a admiti-lo sob o argumento de que não poderia se tornar monge um homem casado e rei; para tanto teria que renunciar ao trono e à esposa. Felipe fica furioso e começa a arquitetar a destruição da Ordem com o seu ministro Guilherme de Nogaret, o qual, por razões pessoais idênticas a de muitos outros, também odeia os Cavaleiros. Portanto, coleciona vasto rol de denúncias sobre o mau procedimento de vários membros da Ordem e pleiteia secretamente junto ao Papa a sua dissolução alegando não ser ela mais necessária porque o seu principal objetivo, a proteção dos lugares santos na Palestina, desapareceu desde que ela de lá foi expulsa. Alega também que a má reputação dos cavaleiros faz do Templo um ônus para a Igreja, mas o Papa está ciente que o despeito e a cobiça são os verdadeiros motivos de Felipe e se nega a atendê-lo. Muito pressionado, tenta negociar e previne Jacques de Molay dos sinistros desígnios reais, dando início a um longo e incrível jogo de gato e rato que se travará nos bastidores e terá um desfecho terrível.

O Grande Mestre Templário ainda não sabe, mas ele e a sagrada Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém já estão mortos!