Post nº 33
CÉSAR ALCANÇA O PODER
ABSOLUTO
ABSOLUTO
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O príncipe gaulês Vercingetorix depõe as armas perante César após ser derrotado na batalha de Alésia em 52 AC. Tela do pintor francês Lionel Royer (séc. XIX) |
Antes de completar quarenta anos César já ocupara importantes cargos públicos e era um dos políticos mais acatados e populares de Roma, porém para dar passos maiores ele precisava de dinheiro e de fama militar, coisas que dois amigos conservadores possuíam em abundância. Crasso era o mais rico romano e Pompeu o mais famoso general; ambos estavam descontentes porque julgavam seus méritos tratados abaixo do que mereciam, pois Crasso não tivera grandes recompensas por sua vitória sobre Spartaco, e Pompeu, que as tivera em abundância por outras vitórias, não recebera nenhum poder excepcional por conta delas. Ambos eram nobres ilustres e aplaudidos, mas se quisessem cargos tinham que pleiteá-los em árduas campanhas eleitorais e serem eleitos por seus pares. Isto era fácil de conseguir: um, pelo dinheiro; o outro, pela glória militar, porém estavam cansados disso e achavam que tais disputas, além de serem um desperdício de tempo e dinheiro, só causavam malquerenças e guerras civis. Era preciso por-lhes ponto final com medidas que acabassem as facções e pusessem o poder nas mãos de uns poucos iluminados.
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César era um dos líderes mais populares de Roma quando do 1º Triunvirato, mas era sócio-menor por não ter vivência militar |
Muitos senadores e o povo eram da mesma opinião, mas havia um problema: Crasso, embora pudesse comprar eleições, não podia comprar o amor do povo, pois era indiferente à sua miséria e o explorava cruelmente com pequenos empréstimos a juros escorchantes e altíssimos alugueres nas centenas de cortiços que possuía em Roma. Ai de quem não pagasse ao mafioso Crasso! Até os conservadores faziam pesadas restrições à sua ganância e por isso não lhe deram grandes honrarias por sua vitória na guerra contra os escravos. Pompeu era glorificado e respeitado, porém era excessivamente conservador, orgulhoso e léguas longe do povo, o qual lhe pagava na mesma moeda. Depois de muitas confabulações, concluíram que precisavam de um sócio menor que fornecesse base popular a um Golpe de Estado, pois para ter sucesso era necessário ser bem recebido pelo povo e deixar o Senado sem ação. Acharam o parceiro ideal em César: ele era da alta aristocracia e tinha trânsito livre entre os conservadores; assumira posições liberais e estes o consideravam um dos seus; defendera os interesses do povo habilmente, ganhando-lhe o favor sem criar aversões na nobreza; por fim, estava sem dinheiro por seus gastos excessivos e sua experiência militar era escassa; se tivesse muita, isso o igualaria aos outros dois, que se pretendiam serem seus sócios maiores. Como César era ótimo orador, encarregaram-no de comunicar aos senadores e ao povo a decisão deles assumirem o poder “para o bem geral”. Foi uma decisão fatal, pois a oratória de César o fez parecer como sendo o líder do golpe, ao qual Pompeu apenas trouxera o apoio do exército e Crasso o apoio do dinheiro.
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Pompeu ainda jovem nos anos 70 AC. Dez anos depois era o mais vitorioso general da história de Roma e resolveu tomar o poder tendo César como testa de ferro |
Todos apoiaram o que a história chamou de Primeiro Triunvirato: os liberais e o povo porque o “líder” era César; os conservadores porque César era alto aristocrata e Crasso riquíssimo, coisa que fazia os moderados corruptos o terem em boa conta; quanto a Pompeu, ele era a glória militar da República e homem da inteira confiança dos radicais austeros. Os três começaram a governar e César, cujas dívidas tinham sido pagas por Crasso, manifestou desejo de submeter a Gália, vasta região que ainda estava fora do domínio romano. A sua intenção era ganhar experiência e glória militar, mas aos sócios disse que apesar de suas dívidas estarem pagas não tinha de onde tirar dinheiro para despesas futuras; por isso a ideia de conquistar e saquear a Gália.
Eles ficaram deliciados, não só porque era uma oportunidade de ouro para se livrarem por uns tempos do incômodo “líder”, mas porque tinham certeza de que dado a sua pouca experiência militar ele falharia e, quem sabe, até morresse por lá! Deram-lhe um poderoso exército, mas tiveram o cuidado de de lhe darem poucos oficiais de notória competência. Foram mais dois erros fatais. De posse de um grande exército desfalcado de brilhantes oficiais, o seu talento lhe possibilitou selecionar durante os treinamentos os melhores soldados e fez uma enxurrada de promoções, tornando-se queridíssimo das tropas. A sua simpatia e competência fizeram o resto, e quando chegou à Gália ele era o líder inconteste dos seus soldados. Apesar dos combates terem sido breves e de pouca monta durante a pacificação da Espanha por ele comandada, César procurara aprender tudo que ela lhe oferecera sobre a arte da guerra. Ademais, na juventude fora muito atento às lições de artes marciais e de história militar, assuntos que muito lhe agradavam; por isso aproveitou sua nova posição para estudar em profundidade tudo o que havia sobre organização, estratégia e tática militar. Também aprendeu tudo que pôde sobre a Gália e os gauleses, e quando se iniciaram os combates ele estava mais preparado para a luta do que qualquer outro general de sua época.
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Durante a guerra na Gália, César invadiu a Britannia duas vezes e obteve várias vitórias. Gravura de Edward Armitage (1843) |
César acumulou vitória após vitória, fazendo com que relatos dos seus feitos chegassem periodicamente a Roma com tesouros saqueados e prisioneiros escravizados. Parte significativa dos lucros ele distribuiu ao exército, que passou a adorá-lo, mas guardou a maior parte e recompôs a sua imensa fortuna. O Senado e o povo lhe deram o título de “Imperator” (general triunfante) e lhe votaram grandes homenagens para quando voltasse. Quem não gostou disso foram os sócios que tinham ficado em Roma e agora viam a tolice que tinham feito, pois o povo só tinha olhos para César e os ignorava completamente. Crasso então decidiu imitá-lo e partiu para conquistar o rico Reino da Partia na Ásia, adquirindo glória militar e ainda mais riquezas. Porém os partas o derrotaram e o executaram, derramando ouro líquido fervente na sua boca e dizendo-lhe: “Sacia agora a tua sede de ouro, homem ganancioso”! Outra versão diz que os partas o decapitaram após ele ter sido morto na batalha e só então encheram a sua boca com ouro líquido, mas o fato é que a sua cabeça foi empalhada e ficou muito tempo como troféu na corte do rei vitorioso, onde vez por outra era usada como objeto de ridicularia durante representações de comédias gregas.
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Crasso tinha grande valor militar, mas sua enorme cobiça e excessiva ganância o perderam |
Com a derrota de Crasso a rivalidade entre os dois triúnviros remanescentes se agravou e suas relações de amizade praticamente cessaram quando Pompeu ficou viúvo da filha de César, com quem era casado. O fato de não terem tido filhos, rompeu os laços familiares e interrompeu de vez a precária amizade dos dois, mas não interrompeu a vitoriosa campanha de César, que aproveitando um momento de calmaria nas já quase concluídas operações militares na Gália atravessou o canal da Mancha com poderosa esquadra e deu início à conquista da Britannia, que só viria a se completar um século depois. Mas se não a dominou, apesar de tê-la invadido em 54 e 53 AC, ele a revelou para os romanos e fincou cabeças de ponte na ilha através de alianças com reis tribais, tornando-os aliados e tributários de Roma. Durante essas campanhas obteve vitórias contra tribos britânicas desorganizadas, fez anotações sobre o seu curioso modo de lutar usando carros de guerra, realizou grandes saques e voltou ao continente mais glorioso ainda.
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Vercingetorix é considerado o primeiro herói nacional francês apesar de vencido. Famosa estátua sua no parque nacional de Alésia |
A conquista da Gália estava praticamente terminada quando Vercingetorix, bravo príncipe gaulês, revoltou-se e obrigou César a novos e extenuantes esforços para assegurar o que havia ganho. Finalmente derrotou o patriota gaulês na célebre batalha de Alésia, a qual passou à história como modelo de vitória obtida mais por técnicas de engenharia do que por técnicas de combate e enriqueceu de vez o seu já notável currículo militar.
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Na batalha de Alésia (52 AC) a engenharia venceu a valentia, mas a execução do príncipe vencido é uma mancha no currículo de César. Tela "Rendição de Vercingetorix" de Henry-Paul Motte (1886) |
Após a vitória final, César decidiu ficar mais algum tempo organizando a nova província do Império e publicou em Roma o seu livro “A Guerra da Gália”, que teve enorme sucesso e é hoje tido como uma das obras-primas da literatura universal. Cícero, maior literato romano da época e com quem César mantinha vasta correspondência, teceu grandes elogios à obra, dizendo que era o melhor livro já escrito sobre campanhas militares.
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O livro de César sobre a "Guerra das Gálias" tornou-se um clássico da literatura universal. Edição rara datada de 1783 |
Ele era considerado agora pelos romanos não só hábil político e brilhante orador, mas também grande general e notável homem de letras. A sua grandeza e popularidade irritaram os conservadores que dominavam o senado, pois viram nele um candidato certo à tirania e sério perigo à sua hegemonia. Pompeu também ficou preocupado e concordou com a esdrúxula ordem dada a César pelo Senado para que licenciasse o seu exército e voltasse a Roma a fim de responder processo político por acusações de “improbidade” praticadas na Gália. Era uma absurda declaração de guerra e Pompeu finalmente cometia o último e mais grave de todos os seus erros.
César e o seu grande exército, curtidos por anos de batalhas, ficaram indignados e marcharam sobre Roma. Ao atravessar o rio Rubicon, limite além do qual ele estaria legalmente em estado de rebelião contra a República, pronunciou a sua célebre frase: “A sorte está lançada”! Cidade após cidade passou para o seu lado e as tropas do Senado começaram a desertar, fazendo Pompeu e seus partidários fugirem às pressas para o Oriente onde organizaram um grande exército com tropas ainda não contaminadas pela fervente admiração a César. Este entrou em Roma triunfante e após botar a capital em ordem foi a Espanha submeter generais que recusavam sua suprema autoridade.
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Desobedecendo o senado, César atravessou o rio Rubicon e marchou sobre Roma. Gravura de autor anônimo do século XIX |
Com todo o Ocidente sob o seu poder, marchou para a Grécia onde derrotou Pompeu e os seus aliados na grande batalha de Farsália. Para sua grande decepção, entre estes estavam os seus "amigos" Cícero, Cássio e Brutus, que generosamente poupou, mas Pompeu não quiz se render e fugiu para o Egito. César o perseguiu, mas quando lá chegou os egípcios o presentearam com a cabeça do seu ex-amigo e genro que eles prudentemente haviam matado antes que o vencedor chegasse.
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César é presenteado pelo bajulador rei do Egito com a cabeça de Pompeu em uma bandeja. Tela de Tiepolo (séc. XVIII) |
Hipocritamente o chorou e decretou-lhe grandes honras fúnebres, depondo o reizinho bajulador e pondo no trono a jovem e linda princesa Cleópatra que logo se tornou sua amante. Conta a lenda que o rei seu irmão a tinha banido da corte e ela conseguiu chegar ao gabinete de César enrolada em um tapete para expor o seu caso, porém tudo indica que o conquistador deu mais valor ao seu poder de sedução do que aos seus argumentos e a pôs no trono do Egito. Contudo, o seu romance com a bela Cleópatra, vinte e cinco anos mais jovem, não arrefeceu seu ânimo combativo nem o deixou inativo e aproveitou sua estadia no Oriente para submeter ao domínio romano toda a Ásia mediterrânea. Quando um rei local o desafiou, ele o derrotou tão rápido que se limitou a informar o fato ao Senado em brevíssima mensagem: “Vim, vi e venci”!
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Cleópatra entrou no gabinete de César enrolada em um tapete e ele a nomeou rainha do Egito. Tela de Jean-Léon Gerôme (1866) |
Por fim voltou a Roma em meio a ruidosas comemorações e homenagens nunca vistas antes. Deram-lhe pela quarta vez o título de “Imperator” (Pompeu recebera o título seis vezes) e o elegeram Ditador pela quinta vez. Ele demonstrou grande magnanimidade com os antigos adversários, perdoando a maioria e punindo com o exílio apenas os mais renitentes e perigosos. Também confiscou seus vastos latifúndios e os repartiu com os soldados e agricultores pobres. Nessa ocasião publicou sua segunda obra-prima literária: “A Guerra Civil”. Procurando sanar os enormes estragos da guerra, iniciou grande plano de obras públicas e ousado programa de reformas políticas e sociais. Para alcançar seus corretos objetivos nomeou muitos novos senadores e a enorme maioria que já tinha no povo refletiu-se em grande maioria também no Senado, que o elegeu “Ditador Vitalício”. César finalmente alcançara o poder absoluto!
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Ao chegar ao senado na manhã de 15 de março de 44 AC os assassinos fingem apresentar-lhe petições para distraí-lo enquanto um deles o apunhá-la pelas costas. Tela de Karl von Piloty (1865) |
Na manhã de 15 de março de 44 AC ele acordou indisposto e cedeu aos insistentes pedidos de sua esposa Calpúrnia para que não saísse de casa naquele dia. Assim, mandou mensageiro ao senado informando-o de que não iria à sessão, mas um grupo de conspiradores, entre os quais o seu afilhado e protegido Brutus, veio visitá-lo a pretexto de "saber da sua saúde" e o convenceu a comparecer mesmo estando adoentado. Brutus foi quem mais insistiu para que ele fosse à sessão, dizendo-lhe que nela seriam discutidos importantes assuntos carentes de sua aprovação e não era aceitável que um simples mal-estar "impedisse o grande César de prestar seus serviços à pátria". Atendendo aos apelos dos "amigos", ele mudou de ideia e serenamente deu o primeiro passo para sair da vida e entrar na História.
Fantástica análise. Riquíssima em detalhes. Desconhecia essa morte de Crasso, por exemplo, e não sabia de onde tinha vindo a "Vini, vidi vici",famosa frase de César e nem muito menos como ele ascendeu, e o porquê de ter sido escolhido. Enfim, enfim, muito bom mesmo!
ResponderExcluirObrigado, Vítor. Como vê, colho as versões dos fatos objetivamente e os relato de forma leve, lógica e sem preocupações acadêmicas, pedantes ou tendenciosas. Não desprezo as condições sociais e econômicas em meio às quais os homens atuam, porém dou mais importância às suas intrínsecas condições pessoais. Afinal de contas, o Homem é o autor da História!
ResponderExcluirMuito rico o texto, este é o melhor texto que já li sobre o assunto. Parabéns pelo ótimo trabalho.
ResponderExcluirExcelente texto, como já é habitual. Leve, mas rico em informação. Parabéns.
ResponderExcluirFaço das minhas as mesmas palavras dos precedentes...
ResponderExcluirEu aprendo muito aqui, sua narrativa é intensa, brilhante e motivacional.
Ave Virgílio, semper!!!