Post nº 10
NIBELUNGOS - O POEMA MEDIEVAL QUE INSPIROU O NACIONALISMO
GERMÂNICO
As valquírias eram belas guerreiras que galopavam nos céus e levavam
ao paraíso do Valhalla os heróis mortos em combate
A literatura de ficção da Idade Média foi dominada pelos franceses com o gênero "Romance de Cavalaria e de Amor Cortês", mas outros povos europeus também estiveram presentes ao intenso ressurgimento da Literatura Ocidental ocorrido nos séculos XII e XIII. Dentre esses destacaram-se os germânicos e escandinavos que, inspirados em antigas sagas nórdicas, brindaram a civilização com dois notáveis poemas compostos por talentosas mãos anônimas. O primeiro foi Beowulf, escrito em dialeto anglo-saxão da alta Idade Média, e o segundo, escrito em alemão mais recente, foi Os Nibelungos, também conhecido como A Canção do Nibelungo ou Cantos dos Nibelungos.
O primeiro, tendo guardado a forma e a linguagem primitiva, a ponto de se dizer que fora publicado tal como composto nos século VIII e IX, não teve público na brilhante baixa Idade Média e não se destacou depois, mas o segundo adquiriu grande voga nos países de língua alemã por ter sido escrito em linguagem bem mais moderna no século XIII e em primorosos versos rimados e metrificados organizados em estrofes. Ademais, o seu talentoso autor, cujas razões para ficar anônimo são desconhecidas, adotara em sua obra a paixão e o estilo do Romance de Cavalaria e de Amor Cortês, adorado pelo sofisticado público leitor que na época tinha no francês a sua língua culta corriqueira. Isto fez com que o público leitor alemão que não dominava o idioma francês se deliciasse com um poema que celebrava lendas suas em seu idioma, mas impediu que ele ganhasse outros públicos e fosse conhecido fora dos limites da cultura germânica.
Porém o mais importante em Nibelungos é ser ele na sua essência um contraponto ideológico ao Romance de Cavalaria e de Amor Cortês, cuja forma adota sem adotar-lhe o conteúdo, pois enquanto este celebra valores éticos do cristianismo como amor, lealdade e justiça, aquele celebra valores éticos do paganismo como ódio, traição e vingança. Tirante a comum afeição pelo fantástico e pelo sobrenatural, sua essência está muito mais próxima da Ilíada do que da Canção de Rolland e por isso não é de estranhar tenha modernamente se tornado o poema favorito de uma parte do povo germânico que repudiou o humanismo universal em favor do nacionalismo exclusivista.
Página de abertura de uma das edições manuscritas de "Nibelungos", feita
provavelmente na primeira metade do século XIII (1220-1250)
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O primeiro, tendo guardado a forma e a linguagem primitiva, a ponto de se dizer que fora publicado tal como composto nos século VIII e IX, não teve público na brilhante baixa Idade Média e não se destacou depois, mas o segundo adquiriu grande voga nos países de língua alemã por ter sido escrito em linguagem bem mais moderna no século XIII e em primorosos versos rimados e metrificados organizados em estrofes. Ademais, o seu talentoso autor, cujas razões para ficar anônimo são desconhecidas, adotara em sua obra a paixão e o estilo do Romance de Cavalaria e de Amor Cortês, adorado pelo sofisticado público leitor que na época tinha no francês a sua língua culta corriqueira. Isto fez com que o público leitor alemão que não dominava o idioma francês se deliciasse com um poema que celebrava lendas suas em seu idioma, mas impediu que ele ganhasse outros públicos e fosse conhecido fora dos limites da cultura germânica.
"Nibelungos" é inspirado nas sagas nórdicas que têm nas Valquírias os seus mais marcantes seres mitológicos |
Porém o mais importante em Nibelungos é ser ele na sua essência um contraponto ideológico ao Romance de Cavalaria e de Amor Cortês, cuja forma adota sem adotar-lhe o conteúdo, pois enquanto este celebra valores éticos do cristianismo como amor, lealdade e justiça, aquele celebra valores éticos do paganismo como ódio, traição e vingança. Tirante a comum afeição pelo fantástico e pelo sobrenatural, sua essência está muito mais próxima da Ilíada do que da Canção de Rolland e por isso não é de estranhar tenha modernamente se tornado o poema favorito de uma parte do povo germânico que repudiou o humanismo universal em favor do nacionalismo exclusivista.
Embora no contexto do poema o dragão seja a personificação do "mal", tampouco é Siegfried a encarnação
do "bem" segundo o ideal cristão. Cena do filme de Fritz Lang "Die Niebelungen" (1924)
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Em "Nibelungos" é evidente o repúdio aos ideais éticos do cristianismo e a romantização de valores éticos do paganismo. Isto talvez tenha sido a causa do seu genial autor medieval ter preferido as sombras do anonimato ao brilho da popularidade e da riqueza, que por certo teria caso tivesse se identificado e escrito em francês. Isto nos leva a crer que o magnífico poeta talvez fosse um clérigo inspirado que estivesse com a sua fé em dúvida e não desejasse correr o risco de ser chamado a um Tribunal Eclesiástico para explicar o conteúdo anti-cristão da sua obra. Embora a repercussão de Nibelungos tenha sido modesta na Idade Média, no século XVIII o poema obteve grande prestígio quando Herder o tomou como base do romantismo nacionalista alemão, pregando uma identidade racial e cultural germânica que viria a produzir funestos resultados no futuro.
O nobre objetivo de Herder era tentar curar os alemães de sua baixa autoestima devido à miséria causada por séculos de lutas fratricidas, fanatismo religioso e disputas entre príncipes feudais ambiciosos, ocupados apenas em oprimir e explorar o povo. Achava ele que se os alemães voltassem a se orgulhar de suas raízes culturais e de sua história adquiririam sólido sentimento de pátria, expulsariam os crueis senhores feudais e construiriam uma nação unificada capaz de satisfazer os anseios de todos por liberdade e justiça. Herder alcançou em parte o seu objetivo um século depois quando a Alemanha foi unificada em poderoso Império, mas no processo despertou exarcerbado sentimento étnico e cultural que viria mais tarde a desembocar no mais enlouquecido nacionalismo racista, coisa que jamais esteve nos seus planos e ele nem de longe poderia prever nem muito menos querer.
Na revolução cultural por ele desencadeada, o poema foi redescoberto e muito comentado, mas o seu prestígio máximo só foi alcançado no século seguinte quando Richard Wagner compôs a sua obra-prima musical O Anel dos Nibelungos, dividida em quatro óperas: O Ouro do Reno, A Walkyria, Sigfried e o Crepúsculo dos Deuses, as quais lhe deram fama imorredoura. No século XX ele adquiriu notoriedade macabra quando Hitler e o regime nazista proclamaram Nibelungos "Saga Nacional Alemã" e endeusaram a música de Wagner por tê-lo transformado em belíssima epopeia musical. Todavia, devemos ressaltar que as óperas de Wagner têm pouco a ver com o poema propriamente dito, baseando-se nas coletâneas de lendas nórdicas sobre heróis mitológicos que são também personagens de Nibelungos e não no enredo deste.
O filósofo, linguista e literato Johann Gotfried Herder era um liberal iluminista,
mas chocou o ovo da serpente ao pregar o nacionalismo germânico
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O nobre objetivo de Herder era tentar curar os alemães de sua baixa autoestima devido à miséria causada por séculos de lutas fratricidas, fanatismo religioso e disputas entre príncipes feudais ambiciosos, ocupados apenas em oprimir e explorar o povo. Achava ele que se os alemães voltassem a se orgulhar de suas raízes culturais e de sua história adquiririam sólido sentimento de pátria, expulsariam os crueis senhores feudais e construiriam uma nação unificada capaz de satisfazer os anseios de todos por liberdade e justiça. Herder alcançou em parte o seu objetivo um século depois quando a Alemanha foi unificada em poderoso Império, mas no processo despertou exarcerbado sentimento étnico e cultural que viria mais tarde a desembocar no mais enlouquecido nacionalismo racista, coisa que jamais esteve nos seus planos e ele nem de longe poderia prever nem muito menos querer.
Na revolução cultural por ele desencadeada, o poema foi redescoberto e muito comentado, mas o seu prestígio máximo só foi alcançado no século seguinte quando Richard Wagner compôs a sua obra-prima musical O Anel dos Nibelungos, dividida em quatro óperas: O Ouro do Reno, A Walkyria, Sigfried e o Crepúsculo dos Deuses, as quais lhe deram fama imorredoura. No século XX ele adquiriu notoriedade macabra quando Hitler e o regime nazista proclamaram Nibelungos "Saga Nacional Alemã" e endeusaram a música de Wagner por tê-lo transformado em belíssima epopeia musical. Todavia, devemos ressaltar que as óperas de Wagner têm pouco a ver com o poema propriamente dito, baseando-se nas coletâneas de lendas nórdicas sobre heróis mitológicos que são também personagens de Nibelungos e não no enredo deste.
Disposto a apoderar-se do tesouro dos anões feiticeiros, Siegfried invade a caverna onde ele é ciosamente
guardado pelo feroz dragão Fafner. Cena do filme "Die Niebelungen" de Fritz Lang (1924)
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Polêmicas aparte, a verdade é que se examinarmos com cuidado as poéticas, porém indecentes e sanguinárias lendas, veremos que Nibelungos está eticamente muito mais próximo dos poemas homéricos e de outros poemas pagãos da antiguidade do que dos poemas cristãos que lhe são contemporâneos, repletos dos altos ideais éticos da apaixonada literatura cavalheiresca da Idade Média. Vejamos um breve resumo do tema central do poema.
O príncipe Siegfried é líder de uma tribo dos burgundos, também conhecidos como borgonheses. Famoso por sua beleza e valentia, quando jovem ele matara o rei Nibelungo e seu irmão, chefes de uma tribo de anões feiticeiros também conhecidos como "Nibelungos", e depois matara o gigante Fafner, amigo dos anões. Para proteger o seu enorme tesouro, Fafner o guardara em uma caverna e se transformara em dragão para melhor defendê-lo, mas Siegfried dele se apodera após matar o monstro e tornar-se invulnerável banhando-se no seu sangue. No processo, uma folha cai de uma árvore e cola-se nas suas costas, impedindo o sangue da fera de blindá-lo totalmente e deixando-o vulnerável nesse ponto.
Depois dessa extraordinária façanha, o seu clan adota o nome de "Nibelungos" por ter a posse do Tesouro e ele vai à Worms, capital da Burgundia, pedir ao rei Gunther a mão de sua irmã Kriemhild, cuja beleza é celebrada por todos. Este não a apresenta de logo ao herói, pois resolve primeiro testar a sua bravura encarregando-o de liderar uma guerra contra os dinamarqueses. Quando ele volta vitorioso após realizar novos prodígios, é apresentado a Kriemhild e fica ainda mais apaixonado, porém Gunther diz que só lhe concederá a mão da irmã se o príncipe ajudá-lo a conquistar a virgem valquíria Brunhild, rainha do "país das névoas" (identificada no poema como a Islândia, mas provavelmente uma tribo da Escandinávia). Ela é famosa por sua extraordinária força e poderes mágicos, tendo declarado que só se casará com o homem que a vencer numa série de desafios por ela própria criados.
Não consta do poema, mas consta das sagas nórdicas que ambos já se conheciam, pois anos antes Siegfried, utilizando-se dos talismães enfeitiçados que roubara de Nibelungo, não só a acordara de um sono mágico como a libertara do círculo de fogo onde o deus Wotan seu pai a aprisionara após grave desentendimento. Siegfried e a valquíria teriam se apaixonado, mas ela recusara-se a dar-lhe sua virgindade temendo perder seus super-poderes e ele a abandonara profundamente frustrado. Depois disso ela jurara que só se entregaria ao homem que lhe fosse superior em força e bravura, o que era praticamente impossível acontecer. Ocorre que ao apoderar-se do tesouro Siegfried também se apoderara dos talismães enfeitiçados de Fafner com os quais, segundo as sagas escandinavas, salvara Brunhild e poderia tê-la ganho com eles, porém não o fez por querer que a conquista se devesse aos seus méritos e não à artes mágicas. Por isso desistira dela e se apaixonara por Kriemhild, sendo ardentemente correspondido.
No poema ele não se importa com Brunhild e quer ganhar Kriemhild a qualquer custo, por isso veste o capuz mágico roubado dos anões feiticeiros e com os seus super-poderes assume as feições de Gunther para vencer em seu lugar os testes de força exigidos pela indômita valquíria. Porém ela fica desconfiada de ter sido enganada por Gunther e se apaixona por Siegfried, mas tem de cumprir sua palavra e casa-se com Gunther na mesma cerimônia em que Siegfried também se casa com Kriemhild. Contudo, ela o faz contrariada por estar enciumada de Kriemhild e suspeitosa de ter sido vencida nos testes mediante engodo. Por isso nega-se ao marido na noite de núpcias, amarrando-o e pendurado-o no teto de forma ridícula para que ele não a moleste durante o sono.
Desesperado, Gunther novamente recorre ao cunhado para que com os seus poderes convença Brunhild a aceitar a consumação do casamento, mas Siegfried resolve divertir-se aproveitando a situação para deflorar Brunhild e não para convencê-la a se entregar a Gunther. Assim, usa o capuz mágico para ficar invisível e entrar no quarto da valquíria, dominando-a e deflorando-a. Não satisfeito, rouba-lhe os mágicos cinto de seda e anel de ouro, que são os símbolos da sua pureza e fontes do seu poder. Após também usar o capuz mágico para fazê-la esquecer o estupro, oculta sua torpeza e diz a Gunther que a encantou e ela não mais lhe resistirá. Ignorante do que o cunhado fizera, coisa que a própria Brunhild ignora, Gunther consuma o casamento por ter ela ficado fraca ao perder a virgindade e os poderes mágicos. Enquanto isso Siegfried, sentindo-se orgulhoso da sua façanha, conta-a à Kriemhild e a presenteia com os troféus roubados da valquíria.
Não sabendo da fraude do marido, ela fica enciumada por achar que ele apenas cedera aos encantamentos de Brunhild, mas o perdoa e aceita as jóias da outra. Na verdade ela está não somente enciumada, mas também enraivecida por achar que as jóias foram dadas por Brunhild a Siegfried como suborno para seduzi-lo. Porém ela guarda segredo e as coisas parecem calmas até o dia em que o casal vai a Worms visitar os soberanos. As duas mulheres então brigam por vaidade na entrada da catedral e Kriemhild, com ciúmes de Brunhild, chama-a de prostituta e acusa-a de seduzir Siegfried, trazendo a trama à superfície.
Cientes do estupro, a estupefata Brunhild e o indignado Gunther rompem com eles, fazendo com que Hagen, fiel amigo de Brunhild e parente próximo de Gunther, decida vingá-la do sórdido defloramento. Após acumpliciar-se com o marido ultrajado, Hagen engana Kriemhild fazendo-a revelar o ponto fraco de Siegfried enquanto Gunther finge fazer as pazes com ele. Após elaborarem o seu traiçoeiro plano, convidam Siegfried para uma caçada durante a qual Hagen aproveita-se do momento em que o herói se curva para beber água em um regato e crava-lhe a lança no seu único ponto vulnerável: o que a folha impedira de ser banhado pelo sangue do Dragão!
O mal e a total ausência de cavalheirismo eram até então presenças constantes em Nibelungos, mas mostravam-se em vestes discretas, porém o frio assassinato de Siegfried abre a caixa de Pandora e os demônios espalham-se sem peias pelo mundo, tornando-se a única força que de fato domina as mentes e conduz os acontecimentos. Se a desonestidade, o engano e a indecência até então eram o contraponto do poema aos altos ideais de honra, verdade e lealdade que norteiam o romance medieval cristão de cavalaria, agora são os valores abertamente pagãos de ódio e vingança entronizados naquele que vão contrapor-se aos valores de amor e justiça consagrados neste. Untando sua mão no sangue de Siegfried, a até então doce Kriemhild decide que vingará o marido covardemente morto custe o que custar. Para ela, heroína da segunda parte do poema, o ódio é muito mais forte que o amor, o perdão não existe e a vingança é mais importante que a justiça.
Kriemhild volta-se contra o seu irmão Gunther e seus demais familiares, sobretudo o assassino Hagen, e assume a liderança da família do marido morto, mostrando a todos valentia e determinação até então desconhecidas. É quando o poema mostra que no litígio estão também envolvidos o roubo e a cobiça, pois a principal reivindicação de Kriemhild e seus partidários não é apenas a vingança, mas a devolução do valioso tesouro dos Nibelungos roubado pelos assassinos.
Após matar Siegfried, Hagen tinha se apoderado da sua espada famosa e do seu fabuloso tesouro, vangloriando-se da sua traição como se fosse um herói por assassinar covardemente um verdadeiro herói e roubá-lo. Mais do que o assassinato é isto que enfurece Kriemhild e os seus partidários, fazendo inclemente e catastrófica a luta familiar que se segue ao crime. Em consequência, Hagen julga que o Tesouro dos Nibelungos é amaldiçoado e é a causa de todas as desgraças, além de ser também um grande perigo para o seu partido, pois aumentará o poder de Kriemhild caso volte às suas mãos. Assim, resolve livrar-se dele entregando-o à guarda das ninfas do Reno.
Depois que Hagen desfaz-se do tesouro a luta fratricida se acalma, mas Kriemhild persiste secretamente no seu primitivo intento e firma um tratado de paz fingindo ter perdoado os seus parentes assassinos. Ela aparenta manter-se em bons termos com eles, mas é tudo um engodo e o faz apenas para fortalecer-se enquanto espera como serpente traiçoeira a oportunidade de destruí-los.
Finalmente, ao casar-se em segundas núpcias com Wetzel, nome que os germânicos dão a Átila o Huno, ela consuma a sua vingança fazendo o seu feroz marido preparar uma armadilha para os seus familiares assassinos. Assim, os convida para um banquete em sua corte na Hungria e eles ingenuamente aceitam, sendo recebidos com grandes festas e efusivas manifestações de amizade até que Wetzel subitamente lhes dá voz de prisão. A luta explode entre hunos e burgundos no salão real e após terrível combate, onde o próprio filho de Átila e Kriemhild é morto à vista do casal, os burgundos expulsam os hunos do palácio e nele se entrincheiram, somente depondo as armas quando Kriemhild manda incendiá-lo. Finalmente dominados, o rei dos hunos entrega à vingança da esposa todos os prisioneiros, entre os quais estão Gunther e Hagen.
Com o seu ódio à flor da pele por terem eles durante as festas vangloriado-se do covarde assassinato de Siegfried, julgando erroneamente que de há muito estivesse tudo esquecido e perdoado, Kriemhild os humilha com escárnio e manda executar todos os prisioneiros, inclusive o seu irmão Gunther, mas poupa Hagen porque não acredita que ele tenha entregue o Tesouro às ninfas do Reno e o quer de volta. Assim, ela lhe exibe a cabeça de Gunther dizendo que o mesmo lhe acontecerá caso não revele onde escondeu o tesouro, mas ele se nega e ela pessoalmente lhe corta a cabeça com a mesma famosa espada que ele roubara de Siegfried. Na ocasião o cavaleiro Hildebrand fica indignado com o procedimento traiçoeiro, vingativo e cobiçoso de Kriemhild e mata-a sem que Átila o impeça, pois a essa altura ele também a reprova pelos males causados. O poema termina com o poderoso rei dos hunos lamentando a morte de tantos heróis e manifestando a esperança de que a sua história não seja esquecida.
Siegfried mata o dragão e após banhar-se no seu sangue fica invulnerável, exceto em local das
costas onde uma folha caída se grudara e impedira de ser banhado pelo sangue da fera
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Depois dessa extraordinária façanha, o seu clan adota o nome de "Nibelungos" por ter a posse do Tesouro e ele vai à Worms, capital da Burgundia, pedir ao rei Gunther a mão de sua irmã Kriemhild, cuja beleza é celebrada por todos. Este não a apresenta de logo ao herói, pois resolve primeiro testar a sua bravura encarregando-o de liderar uma guerra contra os dinamarqueses. Quando ele volta vitorioso após realizar novos prodígios, é apresentado a Kriemhild e fica ainda mais apaixonado, porém Gunther diz que só lhe concederá a mão da irmã se o príncipe ajudá-lo a conquistar a virgem valquíria Brunhild, rainha do "país das névoas" (identificada no poema como a Islândia, mas provavelmente uma tribo da Escandinávia). Ela é famosa por sua extraordinária força e poderes mágicos, tendo declarado que só se casará com o homem que a vencer numa série de desafios por ela própria criados.
Não consta do poema, mas consta das sagas nórdicas que ambos já se conheciam, pois anos antes Siegfried, utilizando-se dos talismães enfeitiçados que roubara de Nibelungo, não só a acordara de um sono mágico como a libertara do círculo de fogo onde o deus Wotan seu pai a aprisionara após grave desentendimento. Siegfried e a valquíria teriam se apaixonado, mas ela recusara-se a dar-lhe sua virgindade temendo perder seus super-poderes e ele a abandonara profundamente frustrado. Depois disso ela jurara que só se entregaria ao homem que lhe fosse superior em força e bravura, o que era praticamente impossível acontecer. Ocorre que ao apoderar-se do tesouro Siegfried também se apoderara dos talismães enfeitiçados de Fafner com os quais, segundo as sagas escandinavas, salvara Brunhild e poderia tê-la ganho com eles, porém não o fez por querer que a conquista se devesse aos seus méritos e não à artes mágicas. Por isso desistira dela e se apaixonara por Kriemhild, sendo ardentemente correspondido.
Brunhild é filha do deus Wotan, mas ele a prende em um círculo de fogo e
Siegfried a liberta. Gravura de Ferdinand Leek (séc. XIX)
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No poema ele não se importa com Brunhild e quer ganhar Kriemhild a qualquer custo, por isso veste o capuz mágico roubado dos anões feiticeiros e com os seus super-poderes assume as feições de Gunther para vencer em seu lugar os testes de força exigidos pela indômita valquíria. Porém ela fica desconfiada de ter sido enganada por Gunther e se apaixona por Siegfried, mas tem de cumprir sua palavra e casa-se com Gunther na mesma cerimônia em que Siegfried também se casa com Kriemhild. Contudo, ela o faz contrariada por estar enciumada de Kriemhild e suspeitosa de ter sido vencida nos testes mediante engodo. Por isso nega-se ao marido na noite de núpcias, amarrando-o e pendurado-o no teto de forma ridícula para que ele não a moleste durante o sono.
No poema Brunhild é poderosa guerreira que reina no País das Névoas e por amor vira mulher comum,
mas nas nas sagas nórdicas é divindade que galopa nas nuvens. Tela de Peter Arbo (séc. XIX) |
Desesperado, Gunther novamente recorre ao cunhado para que com os seus poderes convença Brunhild a aceitar a consumação do casamento, mas Siegfried resolve divertir-se aproveitando a situação para deflorar Brunhild e não para convencê-la a se entregar a Gunther. Assim, usa o capuz mágico para ficar invisível e entrar no quarto da valquíria, dominando-a e deflorando-a. Não satisfeito, rouba-lhe os mágicos cinto de seda e anel de ouro, que são os símbolos da sua pureza e fontes do seu poder. Após também usar o capuz mágico para fazê-la esquecer o estupro, oculta sua torpeza e diz a Gunther que a encantou e ela não mais lhe resistirá. Ignorante do que o cunhado fizera, coisa que a própria Brunhild ignora, Gunther consuma o casamento por ter ela ficado fraca ao perder a virgindade e os poderes mágicos. Enquanto isso Siegfried, sentindo-se orgulhoso da sua façanha, conta-a à Kriemhild e a presenteia com os troféus roubados da valquíria.
Sigfried apaixona-se ao conhecer a doce Kriemhild, mas a concepção de amor do poema difere daquela
da Idade Média e da atual, pois é moralmente inaceitável o que ocorre em Nibelungos
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Não sabendo da fraude do marido, ela fica enciumada por achar que ele apenas cedera aos encantamentos de Brunhild, mas o perdoa e aceita as jóias da outra. Na verdade ela está não somente enciumada, mas também enraivecida por achar que as jóias foram dadas por Brunhild a Siegfried como suborno para seduzi-lo. Porém ela guarda segredo e as coisas parecem calmas até o dia em que o casal vai a Worms visitar os soberanos. As duas mulheres então brigam por vaidade na entrada da catedral e Kriemhild, com ciúmes de Brunhild, chama-a de prostituta e acusa-a de seduzir Siegfried, trazendo a trama à superfície.
Cientes do estupro, a estupefata Brunhild e o indignado Gunther rompem com eles, fazendo com que Hagen, fiel amigo de Brunhild e parente próximo de Gunther, decida vingá-la do sórdido defloramento. Após acumpliciar-se com o marido ultrajado, Hagen engana Kriemhild fazendo-a revelar o ponto fraco de Siegfried enquanto Gunther finge fazer as pazes com ele. Após elaborarem o seu traiçoeiro plano, convidam Siegfried para uma caçada durante a qual Hagen aproveita-se do momento em que o herói se curva para beber água em um regato e crava-lhe a lança no seu único ponto vulnerável: o que a folha impedira de ser banhado pelo sangue do Dragão!
Atraído a uma caçada por traidores, Siegfried morre ao ser ferido no seu único ponto vulnerável: a parte
das costas que não fora banhada pelo sangue do dragão! Cena do filme "Die Niebelungen" |
O mal e a total ausência de cavalheirismo eram até então presenças constantes em Nibelungos, mas mostravam-se em vestes discretas, porém o frio assassinato de Siegfried abre a caixa de Pandora e os demônios espalham-se sem peias pelo mundo, tornando-se a única força que de fato domina as mentes e conduz os acontecimentos. Se a desonestidade, o engano e a indecência até então eram o contraponto do poema aos altos ideais de honra, verdade e lealdade que norteiam o romance medieval cristão de cavalaria, agora são os valores abertamente pagãos de ódio e vingança entronizados naquele que vão contrapor-se aos valores de amor e justiça consagrados neste. Untando sua mão no sangue de Siegfried, a até então doce Kriemhild decide que vingará o marido covardemente morto custe o que custar. Para ela, heroína da segunda parte do poema, o ódio é muito mais forte que o amor, o perdão não existe e a vingança é mais importante que a justiça.
Kriemhild transforma o amor pelo marido desleal em ódio pelo irmão e decide que a vingança
é mais importante que a justiça. Cena do filme "Die Nibelungen"
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Kriemhild volta-se contra o seu irmão Gunther e seus demais familiares, sobretudo o assassino Hagen, e assume a liderança da família do marido morto, mostrando a todos valentia e determinação até então desconhecidas. É quando o poema mostra que no litígio estão também envolvidos o roubo e a cobiça, pois a principal reivindicação de Kriemhild e seus partidários não é apenas a vingança, mas a devolução do valioso tesouro dos Nibelungos roubado pelos assassinos.
Após matar Siegfried, Hagen tinha se apoderado da sua espada famosa e do seu fabuloso tesouro, vangloriando-se da sua traição como se fosse um herói por assassinar covardemente um verdadeiro herói e roubá-lo. Mais do que o assassinato é isto que enfurece Kriemhild e os seus partidários, fazendo inclemente e catastrófica a luta familiar que se segue ao crime. Em consequência, Hagen julga que o Tesouro dos Nibelungos é amaldiçoado e é a causa de todas as desgraças, além de ser também um grande perigo para o seu partido, pois aumentará o poder de Kriemhild caso volte às suas mãos. Assim, resolve livrar-se dele entregando-o à guarda das ninfas do Reno.
A doce Kriemhild chora Siegfried, amaldiçoa os seus assassinos e jura
vingança. Cena de "Os Nibelungos" de Fritz Lang
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Depois que Hagen desfaz-se do tesouro a luta fratricida se acalma, mas Kriemhild persiste secretamente no seu primitivo intento e firma um tratado de paz fingindo ter perdoado os seus parentes assassinos. Ela aparenta manter-se em bons termos com eles, mas é tudo um engodo e o faz apenas para fortalecer-se enquanto espera como serpente traiçoeira a oportunidade de destruí-los.
Hagen suspeita da traição de Kriemhild e adverte Gunther. Cena do filme "Die Nibelungen" |
Finalmente, ao casar-se em segundas núpcias com Wetzel, nome que os germânicos dão a Átila o Huno, ela consuma a sua vingança fazendo o seu feroz marido preparar uma armadilha para os seus familiares assassinos. Assim, os convida para um banquete em sua corte na Hungria e eles ingenuamente aceitam, sendo recebidos com grandes festas e efusivas manifestações de amizade até que Wetzel subitamente lhes dá voz de prisão. A luta explode entre hunos e burgundos no salão real e após terrível combate, onde o próprio filho de Átila e Kriemhild é morto à vista do casal, os burgundos expulsam os hunos do palácio e nele se entrincheiram, somente depondo as armas quando Kriemhild manda incendiá-lo. Finalmente dominados, o rei dos hunos entrega à vingança da esposa todos os prisioneiros, entre os quais estão Gunther e Hagen.
Kriemhild torna-se monstruosa após a morte de Siegfried e faz com que Wetzel (Átila), seu segundo
marido, a ajude a matar o próprio irmão e seus cúmplices. Cena do filme "Die Niebelungen"
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Com o seu ódio à flor da pele por terem eles durante as festas vangloriado-se do covarde assassinato de Siegfried, julgando erroneamente que de há muito estivesse tudo esquecido e perdoado, Kriemhild os humilha com escárnio e manda executar todos os prisioneiros, inclusive o seu irmão Gunther, mas poupa Hagen porque não acredita que ele tenha entregue o Tesouro às ninfas do Reno e o quer de volta. Assim, ela lhe exibe a cabeça de Gunther dizendo que o mesmo lhe acontecerá caso não revele onde escondeu o tesouro, mas ele se nega e ela pessoalmente lhe corta a cabeça com a mesma famosa espada que ele roubara de Siegfried. Na ocasião o cavaleiro Hildebrand fica indignado com o procedimento traiçoeiro, vingativo e cobiçoso de Kriemhild e mata-a sem que Átila o impeça, pois a essa altura ele também a reprova pelos males causados. O poema termina com o poderoso rei dos hunos lamentando a morte de tantos heróis e manifestando a esperança de que a sua história não seja esquecida.
A luta no palácio de Átila é feroz e no final os burgundos são exterminados. Cena do filme "Die Nibelungen"
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Inúmeros episódios igualmente crueis e fantásticos permeiam o núcleo central da narrativa, dando ao poema notável vivacidade ao por em evidência o lado negro do ser humano, pois é um festival de roubos, trapaças, intrigas, traições, feitiçarias, vinganças e assassinatos, onde dragões, bruxos e seres demoníacos estão por toda parte. Nele o super-homem está mais para super-vilão do que para super-herói e pouca coisa realmente nobre e decente acontece. As razões de ter se tornado tão famoso só podem ser buscadas na beleza dos versos e na magia da música de Wagner, porque moralmente é calamitoso.
Ao contrário dos poemas cristãos onde os maus tornam-se bons pelo perdão e arrependimento,
em Nibelungos os bons tornam-se maus e Kriemhild vira um monstro |
Não é de se estranhar, portanto, tenha a sua intrínseca indecência e desumanidade, apresentadas em belas e sedutoras vestes, impressionado de forma tão avassaladora a doentia mente nazista. Alguns chegam mesmo a dizer, embora disso eu discorde, que o poema revela muito do eu profundo dos alemães e explica parte das atrocidades que praticaram em tempos recentes, mas devemos considerar tais opiniões preconceitos que não fazem justiça ao muito que também deram à humanidade ao longo da história. Em todo caso, tais interpretações são assunto para psicanalistas e não para historiadores.
Fritz Lang, o famoso diretor alemão que fez o magnífico filme Die Niebelungen em 1924, era ativo anti-nazista e sempre repudiou as insinuações de que a sua obra contribuíra para a "mitologia hitlerista", afirmando que Nibelungos era tão somente uma obra-prima da poesia germânica medieval celebrando as lendas e os mitos de um povo em seus estágios primitivos de civilização, tendo ele para os alemães o mesmo significado que a Ilíada tinha para os gregos. Mas eu creio que Lang somente estaria certo caso Nibelungos tivesse sido escrito em plena Era Pagã, como foi o caso da Ilíada, e não em plena Era Cristã.
Restam vários exemplares fragmentados e alguns completos do que se considera a publicação original de Nibelungos no século XIII, mas apresentam diferenças entre si, uns apresentando episódios que não constam dos outros e vice-versa. Todavia não há duvida de que são do mesmo autor, o que leva a supor que tenham sido fruto de edições separadas por alguns anos e que ele tenha decidido acrescentar alguns episódios e excluir outros, daí as diferenças. Porém elas não alteram o enredo nem afetam o valor literário da obra.
Cabe à valquíria escolher os guerreiros mortos em combate que devem ir para o Valhala,
por isso ela está muito associada à morte. Tela de Peter Arbo (séc. XIX)
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Há que se levar em conta também que na época os livros eram manuscritos e não impressos, o que fazia com que raramente dois exemplares fossem rigorosamente idênticos. Alguns copistas eram criativos e gostavam de modificar ou inovar sem alterar de modo flagrante a forma ou o conteúdo da obra. Se fossem talentosos para não só criar, mas também assimilar e reproduzir o estilo do autor, versos e até estrofes inteiras podiam ser acrescentadas a um poema sem que se visse a mão alheia. Porém o mais provável é que as mudanças tenham sido feitas pelo próprio autor entre uma edição e outra.
Existem poemas germânicos medievais menores e sagas nórdicas tendo como personagens os mesmos heróis e heroínas que povoam os versos de Nibelungos. Brunhild, por exemplo, aparece em alguns poemas escandinavos como "anjo do mal" e em outros como "anjo do bem". Isto é explicável por não ser ela burgunda e em Nibelungos ser apresentada como "raínha do país das névoas", certamente um país da Escandinávia, mas o correto é tê-la como uma primitiva divindade tanto escandinava quanto germânica, pois o germânico deus Wotan, o pai cruel que a castiga aprisionando-a no círculo de fogo, é sob o nome de Odin um deus também escandinavo.
Todavia há indícios de que Nibelungos, embora fantasioso na sua essência, baseia-se em fatos reais ocorridos durante as grandes invasões bárbaras do Império Romano, nas quais os burgundos tiveram papel importante. Não só Átila o Huno é um personagem histórico real como historicamente reais foram as sua alianças e lutas com os burgundos, bastante realçadas no poema, sendo certo que ele os massacrou em 437, após estes terem sido derrotados pelo romano Flávio Aécio, e teve como esposas princesas borgonhesas em decorrência de alianças políticas. Assim, é bem possível que Siegfried, Kriemhild e Guntherfried (Sigefredus, Cremilda e Godofredus para os romanos) tenham sido pessoas reais que depois foram mitificadas pela lenda.
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