Post nº 21
BATALHA DOS CAMPOS CATALÚNICOS - AS GRANDES CONTROVÉRSIAS
Os hunos invadem a Gália semeando destruição até serem derrotados nos Campos Catalúnicos. Gravura de Alphonse de Neuville (séc. XIX) |
Há mais de 15 séculos (451 DC) foi travada a batalha dos Campos Catalúnicos, também chamada "batalha de Chalôns", mas até hoje ela gera controvérsias entre historiadores e estudiosos do desenvolvimento econômico e cultural da Europa pós-batalha, pois foi a partir do seu resultado que se definiu a cultura que presidiria a formação do mundo medieval, sobre o qual se construiu o moderno mundo em que vivemos. Vejamos algumas delas, umas de importância menor e outras de importância maior.
A primeira é importante apenas para a indústria turística francesa, pois se refere ao local onde foi travada a batalha. Ninguém conhece o lugar certo, mas a cidade de Chalôns-sur-Marne aponta um vasto campo vizinho dizendo que ele e seus arredores são os célebres Campos Catalúnicos, argumentando que muitos chamam a luta de Batalha de Chalôns. Ademais, a cidade fica numa área de grande importância estratégica desde muito antes de Átila, pois foi nela que no século III o imperador Aureliano derrotou famoso general que contra ele se revoltara. Também foram travadas grandes batalhas na região entre os exércitos franceses e alemães durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), porém a mais famosa batalha que se afirma ter sido travada no local é a dos Campos Catalúnicos, pois o fato constitui importante chamariz turístico. Com isso a cidade fatura bastante, mas não há como provar que a Chalôns do século V é a mesma Chalôns de hoje. Por isso muitos discordam e apontam outros possíveis sítios do famoso embate.
A segunda diz respeito à sua importância, porque embora a maioria diga que foi uma das maiores e mais importantes batalhas da História, uma minoria diz que foi pequena e não teve grande importância. Na verdade a batalha foi enorme porque nela lutaram, de um lado ou de outro, quase todas as nações européias da época. Por isso é que a chamam de “A Batalha das Nações”! Quanto à sua importância, basta perguntar: se não foi importante, por que então estamos falando dela 15 séculos depois?
Campanha de Átila e dos exércitos aliados sob o comando de Aécio na Gália em 451 DC |
A segunda diz respeito à sua importância, porque embora a maioria diga que foi uma das maiores e mais importantes batalhas da História, uma minoria diz que foi pequena e não teve grande importância. Na verdade a batalha foi enorme porque nela lutaram, de um lado ou de outro, quase todas as nações européias da época. Por isso é que a chamam de “A Batalha das Nações”! Quanto à sua importância, basta perguntar: se não foi importante, por que então estamos falando dela 15 séculos depois?
Outra polêmica é sobre quem lutou ao lado de quem. Embora saibamos que muitas nações lutaram unidas, como os burgundos ao lado de Aécio e os hérulos ao lado de Átila, sabemos também que muitas lutaram divididas, como os godos, os francos e os alamanos. Os visigodos (godos ocidentais) lutaram ao lado de Aécio, porém os ostrogodos (godos orientais) lutaram ao lado de Átila; os francos de Meroveu ficaram do lado de Aécio, mas os francos de Clodion II ficaram do lado de Átila; a posição dos alamanos é um mistério: muitos os colocam unidos ao lado de Aécio, mas outros informam o contrário, sendo bem possível que também tenham lutado divididos. De tudo resta a conclusão de que a batalha foi, em sua essência, uma batalha de povos romanizados, ou em vias de romanização, contra os que rejeitavam essa romanização. Em suma: uma luta de hunos contra romanos!
Também debate-se sobre qual dos líderes coligados venceu a batalha, pois os hunos eram maioria no exército de Átila, mas os romanos eram minoria no exército de Aécio. Daí alguns dizerem que os vencedores foram Teodorico e Meroveu, chefes dos dois maiores exércitos aliados, e não Aécio. Eu concordaria se não fosse por duas coisas: a) foi Aécio quem organizou a aliança, da qual Teodorico não queria participar e só participou ao ver que não tinha escolha; b) foi a disciplina dos romanos e a decisão de Aécio de avançar em formação compacta que pôs Átila sob ameaça de cerco e o forçou a recuar. Não fosse por isso Átila dominaria a Gália com ou sem batalha. Portanto, não vejo como se negar a Aécio o mérito principal pela vitória, embora os outros tenham sido de fundamental importância.
Campanhas de Átila. O seu império era imenso, porém era mais uma
confederação de tribos sob sua chefia do que um Estado organizado
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Há muitas outras questões ainda não resolvidas e que talvez jamais o sejam, pois a história do século V é muito confusa e às vezes bastante obscura, quando não contraditória. Além das já mencionadas, as mais importantes questões a meu ver são as seguintes:
1) Alguns dizem que a batalha foi em junho e outros em agosto, mas a maioria diz que foi em meados de julho, data mais lógica dentro do contexto geral, e eu concordo.
2) Todos os historiadores dizem que a batalha começou no início da tarde e terminou ao anoitecer, mas acho isso estranho, pois os exércitos aliados vinham em marcha acelerada perseguindo Átila e certamento estavam cansados ao avistarem o exército huno esperando-os calmamente para dar-lhes batalha. Aécio era general experiente e sabia que se atacasse tropas descansadas com tropas cansadas estaria em enorme desvantagem, por isso o lógico seria descansar e atacar na manhã seguinte. Por que ele não o fez e combateu à tarde é um mistério, mas tenho uma hipótese: Aécio realmente preferiu descansar e combater no início do dia seguinte, mas torrencial chuva de verão durante a noite deixou o terreno impróprio para a cavalaria manobrar, obrigando ele e Átila esperarem que o forte sol da manhã secasse o solo e lhes permitisse lutar com eficiência. Por isso a batalha teria sido travada à tarde. É só uma hipótese, mas penso que é a melhor explicação possível.
2) Todos os historiadores dizem que a batalha começou no início da tarde e terminou ao anoitecer, mas acho isso estranho, pois os exércitos aliados vinham em marcha acelerada perseguindo Átila e certamento estavam cansados ao avistarem o exército huno esperando-os calmamente para dar-lhes batalha. Aécio era general experiente e sabia que se atacasse tropas descansadas com tropas cansadas estaria em enorme desvantagem, por isso o lógico seria descansar e atacar na manhã seguinte. Por que ele não o fez e combateu à tarde é um mistério, mas tenho uma hipótese: Aécio realmente preferiu descansar e combater no início do dia seguinte, mas torrencial chuva de verão durante a noite deixou o terreno impróprio para a cavalaria manobrar, obrigando ele e Átila esperarem que o forte sol da manhã secasse o solo e lhes permitisse lutar com eficiência. Por isso a batalha teria sido travada à tarde. É só uma hipótese, mas penso que é a melhor explicação possível.
3) A luta foi gigantesca, mas o número de homens envolvidos me parece exagerado, pois não vejo como pudesse haver na Gália devastada suporte logístico para exércitos com mais de 100.000 homens. Acho exércitos com 200.000 homens impossível e o mais provável é que houvesse cerca de 80.000 combatentes de cada lado. Embora a Legião Romana tivesse tecnicamente 6.660 soldados (10 coortes de 666 legionários, e talvez o famoso número 666 da besta do Apocalipse venha daí), o seu efetivo raro passava dos 5.000 e era ainda menor no médio Império, ficando em torno de 3.000. No baixo Império, época de Aécio, eram cerca de 2.000. Penso que os romanos tinham cerca de 20.000 soldados, os francos 25.000 e os visigodos 35.000, totalizando aproximadamente 80.000 homens contra forças equivalentes de Átila. Estes números são mais realistas.
4) Do ponto de vista militar é muito importante o desenrolar da batalha, pois a partir dela a forma organizada de combater dos romanos desapareceu para só ressurgir na baixa Idade Média após o término das Cruzadas no século XIV. No caso da batalha dos Campos Catalúnicos, com exceção dos soldados profissionais de Aécio, que graças ao seu treino e disciplina lutaram organizados todo o tempo, no meio da tarde os aliados e os hunos misturavam-se numa tremenda barafunda de combates individuais. Por toda parte havia duelos homem a homem e poucos eram os pelotões bárbaros que ainda lutavam coesos. Foi em meio ao caos geral que Teodorico foi ferido e morreu depois de ser socorrido. Por sorte, os hunos já estavam recuando e a notícia da morte foi ocultada até o fim da batalha; dizia-se apenas que ele estava ferido, mas se recuperando. Embora alguns historiadores atribuam a vitória aos visigodos, acho que se não fosse pela organização das legiões romanas comandadas por Aécio os hunos teriam vencido.
5) As calúnias contra Aécio dizem que ele não esmagou Átila porque era seu amigo ou porque não queria ver os visigodos fortalecidos por uma vitória total. Afirmam que à noite ele procurou Átila e o aconselhou a recuar para evitar o desastre completo. Uma versão ainda mais infame diz que Teodorico foi morto por uma flecha romana disparada por hábil arqueiro a mando de Aécio.
6) Filme recente sobre Átila pinta Aécio como mau-caráter e encampa a calúnia, sugerindo serem os visigodos imbecis a ponto de não distinguirem uma flecha romana de uma flecha huna. Apesar dos atores e cenários serem bons, o filme é historicamente falso, pois Placídia morreu em 450 e ele a coloca ao lado de Aécio em 451, planejando a luta contra os hunos. Para sacramentar a falsidade histórica, finda com Aécio sendo assassinado na presença de Placídia em 454, quando ela já estava morta há quatro anos!
Finalmente, discute-se o mais importante de tudo: a batalha foi ou não foi decisiva para o destino do mundo da época?
A minoria diz que não porque Átila não queria dominar a Europa nem lhe impor a sua cultura, mas apenas roubar, argumentando que ele já estava em retirada quando os aliados o alcançaram perto de Chalôns. Alegam que se a batalha tivesse sido decisiva Átila não invadiria a Itália no ano seguinte, quando só por milagre não destruiu Roma. Porém a maioria diz que foi decisiva porque Átila queria criar um grande império huno no Ocidente. A conquista da Gália seria fundamental, pois Espanha e Itália cairiam em seguida como frutas maduras. Diz também que Átila não estava se retirando coisa nenhuma e ia tomar Orleans quando soube que os aliados vinham socorrer a cidade. Só então levantou o cerco e, num excelente movimento tático, foi acampar nos Campos Catalúnicos, lugar ideal para sua cavalaria manobrar. Que retirada é essa, na qual o retirante escolhe o lugar para combater e espera pelos adversários? Quanto a ter invadido a Itália no ano seguinte, isto se deveu à sua sede de vingança pela humilhação sofrida na Gália, e se não conquistou Roma foi porque a derrota do ano anterior o deixou tão enfraquecido que lhe foram precisos três meses para tomar Aquileia, mesmo estando Aécio sem aliados e sem condições de socorrer a cidade sitiada.
Forçoso é concordar com a maioria. Caso Átila tivesse vencido, a adiantada cultura romana seria substituída no ocidente pela atrasada cultura bárbara, a palavra escrita desapareceria, o cristianismo seria abolido, Carlos Magno não surgiria e a “Idade das Trevas” seria muito pior do que foi. Certamente não teríamos as Universidades, a Divina Comédia, a Suma Teológica, as Catedrais Góticas ou a Renascença. Em resumo: a nossa cultura não existiria.
A existência da Civilização Ocidental nos dias de hoje foi o grande legado que a batalha dos Campos Catalúnicos nos deixou!
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