sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Post nº 23

MARCO  AURÉLIO  -  O  MAIS  SÁBIO  E  JUSTO  IMPERADOR  ROMANO  DA  HISTÓRIA


Marco Aurélio ao tornar-se imperador pleno aos 42 anos de idade em 161 DC



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Marco Aurélio foi um dos maiores imperadores em toda a história do Império Romano. Nascido em uma família principesca riquíssima, originária da Espanha e por isso muito ligada aos imperadores espanhóis Nerva, Trajano e Adriano, ficou órfão ainda criança e cedo mostrou inclinação para as coisas do intelecto. Criado pelo avô, amicíssimo do imperador Adriano, quando adolescente dedicou-se à filosofia, adotando o comportamento austero, simples e modesto dos filósofos. Continuou assim mesmo após o pai da noiva que lhe tinham arranjado ser nomeado imperador-adjunto por Adriano e quando o seu parente próximo e quase sogro morreu pouco depois ele assumiu posição de relevo na família, que era uma incrível teia ultra-aristocrática de pais, pais adotivos, tios, irmãos, irmãos adotivos, primos, primas, sogros, etc. O imperador Adriano ficou devastado pela morte do amigo, parente próximo do jovem filósofo, e sentindo-se muito doente quis nomeá-lo seu sucessor por não ter filhos, porém, vendo que ele era moço e inexperiente, preferiu nomear o seu respeitado tio Antonino sob a condição dele adotar o sobrinho como filho e sucessor. Quando Adriano morreu em 138 DC, Antonino assumiu e Marco tornou-se herdeiro e noivo da filha do novo imperador, que logo o nomeou para importantes cargos. Alguns anos depois assumiu o posto de imperador-adjunto do pai adotivo e agora sogro.
 

Marco Aurélio adolescente

O jovem filósofo mostrou não só que era culto, educado e justo, como também trabalhador infatigável, ótimo administrador e hábil político. A única coisa que não pôde mostrar durante o longo e pacífico reinado de Antonino foi que era bravo e competente general. Isto só aconteceria após o seu sogro morrer em 161 DC e ele tornar-se imperador pleno em conjunto com o seu irmão adotivo Vero. O Senado não tinha este em boa conta por sua má reputação e só o aceitou devido ao enorme empenho de Marco, de sorte que pela primeira vez na História o Império Romano se viu legalmente governado por dois imperadores ao mesmo tempo.

Antonino Pio, pai adotivo e sogro de Marco Aurélio, presidiu o mais
                                          tranquilo governo da história do Império Romano

Como se fosse uma maldição, a paz reinante no governo de Antonino foi rompida quase que imediatamente, com invasores bárbaros atacando as fronteiras do Império por todos os lados. Marco e o irmão desdobraram-se na defesa, mas logo o primeiro mostrou que era melhor general do que o segundo, o qual, além de preguiçoso e amante dos prazeres, era granfino, pernóstico, só se instalava em tendas luxuosas, evitava misturar-se com a soldadesca e era injusto e cruel nos castigos disciplinares. Marco era o contrário: ativo e de costumes espartanos, era gentil com todos, comia com os soldados, chamava-os pelos nomes, submetia-se aos mesmos desconfortos, habitava tendas de campanha, participava das batalhas e era justo e moderado nos castigos. Em consequência, tornou-se ídolo do exército e obteve vitórias que lhe deram prestígio político e militar em todo o Império.

Marco Aurélio distribui comida à população de uma cidade afetada
            por desastre natural. Tela de Joseph Marie Vien (séc. XVIII)

Na frente interna também houve pavorosos desastres e Marco os enfrentou com estóica competência. Certa vez, estando o Tesouro vazio, pôs em leilão a mobília e a prataria do Palácio Imperial para ajudar a população de uma região assolada por terrível catástrofe. Sua mulher foi com os filhos para a casa de parentes, porém Marco ficou no palácio, alojado na ala dos criados e despachando em seu gabinete, cuja mobília fora arrematada por um amigo que a dera de volta ao filantropo imperador no ato. Claro que os riquíssimos amigos fizeram uma gorda coleta e o palácio foi remobiliado poucos dias depois, mas o seu altruísmo calou fundo na alma de todos.

Querendo que toda sociedade romana ajudasse no socorro à região assolada por grave desastre natural,
                                                               Marco deu o exemplo leiloando o mobiliário do palácio

Como se não bastassem as guerras e calamidades, boatos sobre infidelidades da sua bela esposa Faustina, praticadas durante suas longas ausências forçadas pelas guerras, circularam em Roma e chegaram aos seus ouvidos, deixando-o fortemente abalado. Mas como casara apaixonado já homem feito e ela uma adolescente, recusou-se a acreditar e não mudou o seu comportamento de marido afetuoso. Foi então que uma vasta rebelião eclodiu na Ásia chefiada por Avídio Cássio, governador da Síria e ótimo general seu amigo. Na ocasião Marco estava em guerra na Germânia e ficou devastado ao saber da rebelião e da fuga de Faustina para juntar-se ao general rebelde na Ásia, o que aumentou as suspeitas de que ambos já fossem amantes há tempos. O estoico imperador suportou o duplo infortúnio com calma admirável e tentou acalmar o ex-amigo rebelado, mas este foi intransigente e proclamou-se imperador, forçando Marco a marchar contra ele.

Faustina a Jovem, bela e infiel esposa de Marco Aurélio (séc. II DC)

A maioria dos senadores e aristocratas ficou em cima do muro, pois a fama militar de Avídio era enorme e poucos achavam que ele fosse derrotado pelo bondoso imperador filósofo. “Melhor esperar”, pensaram com frio oportunismo. Mas o inesperado aconteceu. Apesar de ótimo general Avídio era odiado pelas tropas devido a sua excessiva severidade e crueldade, mandando chicotear ou crucificar soldados por mínimas infrações à disciplina. Quando se soube que o exército de Marco se aproximava, uma rebelião explodiu dentro da rebelião e Avídio foi morto. Junto com ele morreram também os oficiais e soldados que lhe eram fiéis e a imperatriz Faustina buscou o perdão do marido enquanto refugiava-se em cidadezinha do interior da Ásia onde havia importante guarnição militar, porém adoeceu e morreu enquanto esperava o marido que a perdoara.

Comodus, filho de Faustina e Marco Aurélio, aparece no filme "Gladiador" como fracote e covarde, mas
                         era um brutamontes valente e teria sido bom general se não fosse irresponsável, cruel e corrupto

Faustina e Marco tiveram quatorze filhos, dos quais apenas cinco, um homem e quatro mulheres, chegaram a idade adulta. Comodus, único filho homem sobrevivente, era tratado com excesso de carinho pelo pai, que o fez herdeiro e sucessor, porém o seu caráter violento, cruel e devasso levou muitos a dizerem que tal indivíduo não poderia ser filho de homem justo e decente como Marco Aurélio, mas apenas o produto sórdido das infidelidades da falecida Faustina com oficiais, cortesãos e até mesmo gladiadores. Não obstante, nunca houve provas concretas e Marco não deu ouvidos ao falatório que lhe causava tanto desgosto, tratando o filho corretamente e fazendo-o mais tarde imperador-adjunto. Tendo no excesso de tolerância um dos seus maiores defeitos, adotou o mesmo procedimento magnânimo com a infiel Faustina, pois, além de perdoá-la, a chorou e construiu belo mausoléu para acolher suas cinzas. Por fim, levando sua tolerância aos limites do absurdo, dedicou-lhe carinhosas páginas em seus escritos e mandou incluí-la no panteão dos deuses romanos!

No fim da vida Marco Aurélio era homem precocemente envelhecido pelas guerras, rebeliões e desastres que
                  marcaram o seu reinado. Seus dramas pessoais o infelicitaram mais ainda. Cena do filme "Gladiador"

Só após tamanhas provas de grandeza e generosidade foi que os oportunistas senadores decidiram-se por Marco e excederam-se nas perseguições às famílias e aos partidários dos vencidos, prendendo-os, confiscando-lhes os bens e condenando-os a morte, querendo assim provar sua “lealdade” ao imperador vitorioso. Só não os executaram porque decidiram esperar terem suas decisões confirmadas por Marco, pois sendo ele notoriamente bondoso era possível que medidas extremas contra inocentes não o agradassem. E foi o que aconteceu. Quando as cruéis sentenças chegaram à Ásia, onde Marco se demorava pondo a bagunça em ordem, ele ficou horrorizado e ao invés de confirmá-las escreveu ao Senado uma carta que é o mais belo pedido de anistia feito por um governante a um parlamento em toda a história. A carta é longa e cheia de considerações éticas e filosóficas, por isso daremos aqui apenas um resumo que sintetiza bem a grandeza moral de Marco Aurélio:

Pais conscritos: por que não se abrandam vossos corações? Por que julgais que os familiares e amigos de Ávido Cássio merecem castigos tão cruéis se eles nenhum crime cometeram? Na verdade, tudo que fizeram foi rezar aos deuses pelo sucesso dos seus entes queridos na infeliz empreitada a que se propuseram, e isso é o que todos nós fazemos pelos nossos, sem indagar se a causa deles é justa ou injusta. Portanto, peço-vos que devolvais aos parentes, amigos e partidários dos rebeldes a vida, a liberdade e os bens que tão injustamente lhes quereis tomar. E se outro favor vós jamais me fizerdes novamente, fazei pelo menos este: o de legar à memória dos pósteros a certeza de que no reinado de Marco ninguém sofreu represálias por causa das suas opiniões e somente pereceram aqueles que honrosamente tombaram no campo de batalha.

O Senado, é claro, atendeu o comovente pedido do imperador filósofo e todos os simpatizantes da revolta foram anistiados. Marco Aurélio continuou governando com dedicação e justiça em meio às atrozes guerras e calamidades que fustigaram o seu reinado. Parece que os deuses queriam por a prova as suas virtudes até o fim dos seus dias.

Diferente do pai, Comodus era incapaz,  perverso e brutal. Seu esporte preferido era
                                  lutar no circo com gladiadores tão assassinos quanto ele
         
Apesar de escritor primoroso, a modéstia o impedia de publicar os seus notáveis "Pensamentos Filosóficos" escritos em excelente grego clássico, os quais só vieram ao conhecimento do público após a sua morte, mas mesmo na frente de batalha ele sempre tirava alguns momentos para conversar com amigos sábios que o acompanhavam, colher com humildade os seus ensinamentos, meditar e escrever em sua tenda de campanha. Hoje, devido a época iconoclasta em que vivemos, cujo principal esporte parece ser a destruição de reputações por mais respeitáveis que sejam, alguns dos seus "pensamentos" têm sido criticados por externarem excessiva tolerância, ingenuidade e humildade difícil de ser aceita, porém, por mais severas que sejam as críticas, não podem elas negar a honestidade intelectual com que foram escritos.

Morte de Marco Aurélio. Excessivamente ligado à família e nepotista, ele acaricia o mau filho Comodus
                                                        enquanto agoniza. Quadro de Eugène Delacroix (séc. XIX)

No ano de 180 DC ele estava em guerra com os bárbaros nas sombrias florestas do alto rio Danúbio, com eles travando sangrentos combates quase diários, quando adoeceu gravemente e em poucos dias morreu em um vilarejo que é hoje a majestosa cidade de Viena. Alguns anos antes o seu irmão adotivo Vero, que era também seu genro e imperador-adjunto, tinha morrido e ele, confirmando o grave defeito do nepotismo que tisnava o seu reto caráter e do qual a filosofia nunca conseguira livrá-lo, nomeara o filho Comodus imperador-adjunto e sucessor. Talvez porque tenha emanado da sua mais grave falha de caráter, a nomeação de Comodus deve ter sido o único ato da sua vida do qual se arrependeu amargamente na eternidade.


O funeral de Marco Aurélio foi um dos raros momentos em que os romanos se irmanaram na tristeza

O seu imponente funeral constituiu-se numa das poucas ocasiões em que a materialista e utilitária sociedade romana mostrou real pesar. As suas cinzas foram depositadas no mausoléu de Adriano, o Senado o colocou na ordem dos deuses e foi decretado que todos os cidadãos deveriam ter a sua efígie em casa, sendo a sua falta grave crime de sacrilégio.

Com certeza, foi a única vez na longa história de Roma em que o povo realmente levou a sério a sagração de um deus. 





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