Post nº 80
O MILAGRE GREGO E O NASCIMENTO DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
No século 5º AC Péricles construiu o Partenon que se tornou o símbolo da hegemonia cultural da Grécia |
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É pacífico entre os estudiosos
que a Civilização Ocidental se fundamenta em três pilares: a Cultura Grega, o Direito Romano e a Teologia
Judaica. Porém, considerando-se: a) que
o Direito Romano inspira-se em boa parte nas Leis atenienses de Sólon e é
influenciado pela Filosofia Estóica; b) que
o Velho Testamento somente tornou-se conhecido após ser publicado em grego no
século II AC e, c) que o Novo
Testamento foi inteiramente escrito em grego, parece-nos certo dizer que a
Civilização Ocidental nada mais é do que a ampliação e evolução da Civilização
Grega ao longo dos séculos.
A Grécia é uma pequena nação
milenar de escassa população, cujo solo pedregoso jamais lhe permitiu ter
próspera agricultura e boa pecuária. Grande parte é constituída por ilhas
rochosas no mar ao redor, tão áridas quanto o solo continental. É pobre de minérios
e na antiguidade suas habilidades náuticas, industriais e comerciais não superavam
outros povos mediterrâneos, como os fenícios. Ademais, a Grécia não era um
“país” na acepção do termo, mas um ajuntamento de pequenos países formados por
“cidades-estado” independentes umas das outras e sem um poder central que as
unisse política e administrativamente. A rivalidade entre esses “mini-países”
era intensa e guerreavam muito mais uns contra os outros do que contra
“estrangeiros”, mas apesar das rivalidades todos se julgavam “gregos” e partes
de uma coisa maior chamada “Grécia”, dentro da qual partilhavam a mesma língua,
cultura, religião e origem étnica. A Grécia, portanto, era uma NAÇÃO mas não
era um PAÍS, de sorte que quando os seus habitantes se sentiam ameaçados por um
poder “de fora” ou “estrangeiro” uniam-se em uma confederação e elegiam comandante
supremo alguém com grande experiência militar e prestígio político de uma das
suas cidades mais importantes, tal como ocorreu na lendária Guerra de Tróia e
nas guerras contra o Império Persa.
Na batalha naval de Salamina os gregos derrotaram os persas e mantiveram sua independência |
Vê-se assim que a Grécia, além de
pequena e pobre, era política e administrativamente dividida, não dispunha de
real poder econômico e militar, e por isso não possuía peso internacional. Ainda por cima era atormentada por constantes disputas e guerras entre suas
cidades, o que a fazia ainda mais pobre e insignificante. Como, então, se
explica possa ter produzido tão extraordinária cultura, fonte de todos os
nossos saberes científicos, filosóficos, jurídicos, literários, artísticos e
até mesmo desportivos ?
O mistério até hoje não foi
solucionado apesar das muitas teorias e hipóteses a respeito, todas elas sem maior
sustentação, o que levou sábios eminentes a chamarem o fenômeno ocorrido na
Grécia entre os séculos VI e II AC de “MILAGRE GREGO”.
Não é que os gregos desse longo e
extraordinário período de 400 anos tenham criado e descoberto tudo, pois seu
grande mérito na maioria dos casos foi sistematizar conhecimentos já existentes,
especialmente nas áreas da matemática e da geometria, mas lhes deram validade
científica formulando postulados e teoremas expostos em Tratados ainda
plenamente válidos e estudados nas Escolas. Com isso descobriram que a Terra
era redonda, girava em torno do Sol e seu tamanho era quase igual ao que
somente nos foi possível medir com exatidão 2.200 anos depois com a ajuda de
satélites artificiais e de sofisticado aparato científico.
Fato ímpar no mundo, inclusive no Ocidente, onde até o século XIX proibia-se às mulheres o acesso às universidades, os gregos séculos antes de Cristo não só incentivavam a educação feminina como davam à mulher lugar de destaque na vida intelectual da nação, louvando-a e premiando-a, do que é exemplo a grande poetisa Corina derrotando o grande poeta Píndaro em vários concursos de poesia.
Mas foi na filosofia que o "Milagre Grego" atingiu o seu ponto mais alto. De um modo ou de outro, todo o pensamento ocidental tem suas raízes no pensamento dos antigos filósofos gregos, quer nos chamados pré-socráticos, como Tales de Mileto, Heráclito, Anaxágoras e Demócrito, quer nos chamados pós-socráticos, como Platão, Aristóteles, Zeno e Epicuro. É interessante notar que o ponto de referência, como se fora uma espécie de divisor de águas entre pensadores antigos e modernos dentro do contexto grego, é Sócrates, considerado com justiça o patriarca da Filosofia do Ocidente.
Infelizmente poucos livros de grandes escritores da antiguidade chegaram até nós, fazendo com que só tenhamos fragmentos de sábios pré-socráticos como Heráclito e Pitágoras ou mesmo de pós-socráticos como Epicuro e Zeno. O mesmo ocorre com as grandes poetisas gregas como Safo, Corina e Trasila, de cuja excelente obra lírica só temos fragmentos e notícias dadas por outros autores, mas que são suficientes para aquilatarmos do valor da sua obra e do prestígio que gozaram na Grécia da sua época. Apenas para comparar, os romanos, séculos posteriores aos gregos e com hegemonia muito maior e muito mais duradoura, e que por isso as obras dos seus grandes autores nos chegaram bem mais conservadas e em muito maior número, não nos legaram nenhuma poetisa ou mulher de reconhecido valor intelectual.
Fato ímpar no mundo, inclusive no Ocidente, onde até o século XIX proibia-se às mulheres o acesso às universidades, os gregos séculos antes de Cristo não só incentivavam a educação feminina como davam à mulher lugar de destaque na vida intelectual da nação, louvando-a e premiando-a, do que é exemplo a grande poetisa Corina derrotando o grande poeta Píndaro em vários concursos de poesia.
Mas foi na filosofia que o "Milagre Grego" atingiu o seu ponto mais alto. De um modo ou de outro, todo o pensamento ocidental tem suas raízes no pensamento dos antigos filósofos gregos, quer nos chamados pré-socráticos, como Tales de Mileto, Heráclito, Anaxágoras e Demócrito, quer nos chamados pós-socráticos, como Platão, Aristóteles, Zeno e Epicuro. É interessante notar que o ponto de referência, como se fora uma espécie de divisor de águas entre pensadores antigos e modernos dentro do contexto grego, é Sócrates, considerado com justiça o patriarca da Filosofia do Ocidente.
Sócrates, através do seu discípulo Platão, é considerado o patriarca do pensamento filosófico ocidental |
Safo foi a mais importante poetisa grega da antiguidade e é considerada uma das maiores poetisas de todos os tempos |
Porém o mais impressionante é que
numa “Era” ainda pré-científica os gregos criaram ciências como a Filosofia, a
Estética, a Pedagogia, a Física, a Metafísica e a História; métodos de raciocínio e de investigação como a
Dialética e a Lógica Formal. Criaram a arte como expressão do sentimento e da
beleza ideal mostrada em suas insuperáveis esculturas e o esporte como
expressão da mais apurada técnica e da beleza física eternizada nas Olimpíadas.
Também criaram sofisticada tecnologia, como os notáveis aparelhos de elevado
nível tecnológico de Arquimedes e Hieron de Alexandria. Na literatura, criaram
o teatro nos moldes que, com as devidas adaptações, assistimos até hoje, e
criaram quase todos os gêneros de poesia e de verso que conhecemos. Finalmente,
deram caráter científico à Medicina, até então território privativo do
empirismo e da superstição, e no nosso tempo médicos que concluem o curso e
saem da Escola para exercer a “arte de curar” fazem o Juramento de Hipócrates, médico
grego considerado o pai da medicina.
Inspirados pelo pensamento de Sócrates, os sábio Platão e Aristóteles criaram as bases filosóficas e científicas da Civilização Ocidental |
Um episódio trivial mostra em
poucas palavras a enorme importância da Cultura Grega para a nossa Civilização. Conta-se que o sábio Albert Einstein foi a uma recepção na casa de
um colega na Universidade de Princeton e alguém lhe perguntou se ele já se
indagara por que “um Einstein surgira no Ocidente e não na China”. Todos riram
achando que o sábio responderia com uma das suas piadas, mas ele disse sério:
“já pensei sobre isso e concluí que tanto eu quanto os meus colegas surgimos no
Ocidente por duas coisas que se uniram para que a Revolução Científica
ocorresse na Europa e não na Ásia: a invenção da Lógica Formal pelos sábios gregos no
século IV AC e a invenção do Método Experimental pelos sábios europeus ocidentais no
século XVII DC”. Para o genial Einstein todo o
nosso atual progresso científico e tecnológico tem por base o feliz fato de que
em um dia qualquer há 2.400 anos em Atenas o professor Aristóteles sentou-se na cadeira de sua escrivaninha e decidiu escrever um manual escolar para ensinar aos seus
alunos a técnica de pensar e de raciocinar corretamente, criando um método
seguro de busca da verdade a que se deu posteriormente o nome de “Lógica Formal”.
Todavia, penso que em meio as
extraordinárias contribuições do “Milagre Grego” à civilização a mais notável
de todas foi retirar o HOMEM da periferia do universo e colocá-lo no seu centro,
tirando-o da sua condição de simples ATOR e fazendo-o também AUTOR da sua
própria História. Até então, como depois na Idade
Média, achava-se que o centro do universo era ocupado pelos deuses e o homem
era somente um apêndice e joguete do seu poder, mas os gregos fizeram os deuses
iguais aos homens em físico, virtudes e defeitos, dando-lhes como caráter
distintivo apenas a imortalidade, único predicado divino de que o homem não é
dotado, não obstante ser sua suprema aspiração. Assim, puseram o homem junto aos
deuses como seus “quase iguais” e criaram a mais importante de todas as
correntes de pensamento na história da humanidade: O HUMANISMO !
Os gregos davam grande valor à educação e Alexandre, maior dos guerreiros, teve como professor Aristóteles, maior dos mestres |
O Cristianismo assimilou boa
parte da filosofia grega, mas deu ao humanismo feição diversa: ao invés de fazer de Deus preocupação do homem, inverteu
os pólos da equação e fez do homem
preocupação de Deus, negando a aquele os atributos deste, que passaram a
ter extensão imensamente maior do que os poucos e fracos atributos dos “humanizados” deuses criados pelos gregos, pois estes recusavam à divindade atributos que consideravam
absurdos porque totalmente incompreensíveis à sua mente prática e racional,
como é o caso do atributo da perfeição
absoluta do Deus cristão. O “humanismo” só voltaria a ser
tema de debates na Renascença e os
melhores intelectuais da época, como D’Avinci, Erasmus, Morus e Michelangelo,
eram notórios humanistas à moda grega, embora católicos devotos. Na ocasião a Grécia de há muito
perdera seu esplendor intelectual e era página virada da História, tendo
voltado a ser o país insignificante que a natureza talhara
para ser, mas o período áureo da sua cultura no primeiro milênio antes de
Cristo, embora totalmente inexplicável, continuava a existir nos sonhos dos
poetas e dos artistas, no pensamento dos filósofos de todas as tendências e nos projetos inovadores dos letrados, inspirando-os
a vôos mais ousados e às mais brilhantes realizações.
Penso que o “Milagre Grego” é o
mais extraordinário e o mais feliz de todos os muitos inexplicáveis episódios e
intrigantes mistérios que povoam a História.
Interessantissimo!
ResponderExcluirTem uma leitura mais moderna de que, os gregos nos trouxeram ate o seculo XV, a partir dai, prevaleceu mais a legado anglo-saxao. Vi isso no livro Inventing Freedom: How the English-Speaking Peoples Made the Modern World by Daniel Hannan.
Ele argumenta inclusive que é impreciso dizer que ideias como democracia representativa, imperio da leis, estado limitado até mesmo o habeas corpus foi criacao europeia, segundo ele, isso foi criacao Inglesa.
Aqui uma palestra do autor sobre o tema.
https://www.youtube.com/watch?v=uep7GA9hCKM