quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Post 83

UTHER  -  "O  SENHOR  DOS  DRAGÕES"  TORNA-SE  DITADOR  DA  BRITANNIA


Dizia a lenda que em seu castelo nas montanhas de Cornwall o príncipe Uther criava e domava dragões


Para adquirir estes livros clique acima em nossa livraria
virtual ou no site da Amazon.com


Frei Gildasius Pisanensis conta em seu manuscrito medieval recentemente descoberto como Uther tornou-se ditador da Britannia no século V DC.

Os britons foram apanhados de surpresa quando a muralha de Adriano foi atravessada e todo o norte do reino ocupado em menos de duas semanas pelos caledônios. Arthur contra-atacou em grave desvantagem, pois o adversário o superava em quase o dobro. O resultado é que embora não tivesse derrotas também não tinha vitórias e suas tropas sangraram durante todo o verão no que parecia ser um cruel empate. Porém os invasores vendo que não teriam nenhuma vitória resolveram se retirar, mas Arthur os perseguiu e foi gravemente ferido, sendo removido às pressas para a capital onde ficou entre a vida e a morte sob os cuidados médicos de Merlin durante todo o outono.

Uther veio com o irmão assim que soube do estado do filho e me indagou como fora possível o desastre, já que Arthur era um general brilhante e nunca sofrera derrotas. Eu lhe expliquei que a causa era simples: grave inferioridade numérica do exército para enfrentar um inimigo que agora agia com disciplina e inteligência.

Com Arthur gravemente ferido e impossibilitado de governar, Uther tomou o poder

Procurou saber as causas da inferioridade e eu lhe expliquei que além dos orientais há muito tempo terem deixado de se alistar, agora os ocidentais também não o faziam, seja por julgarem a profissão militar demasiado arriscada devido às matanças anteriores, seja porque os salários eram baixos e não atraiam ninguém. Uther, que estava acompanhado de Corciari, respondeu que o remédio seria dobrar os salários, mas eu lhe disse que não havia recursos para isso. Ele então me pediu para olhar as contas do tesouro e viu abismado que apesar do leste ser dez vezes mais rico que o oeste, contribuía apenas três vezes mais. Quis ver então os registros das contribuições dos cem senhores mais ricos do leste e constatou assombrado que enquanto eles eram em média cinco vezes mais ricos do que os senhores do oeste, estes pagavam o dobro. Expliquei-lhe que isto se devia ao fato do imposto ser cobrado em função da extensão das propriedades e não em função do seu valor ou da riqueza por elas geradas. Como as propriedades do oeste eram muito mais extensas, embora muito menos valiosas e produtivas devido à escassez de população e atraso econômico, gerava-se o descompasso. Uther ficou indignado porque julgava corretamente dever o imposto ser cobrado em função da riqueza, vez que os ricos eram os que mais gozavam da proteção dada pelo estado aos cidadãos. Sem ela suas riquezas nada valiam.

Enquanto ele e Corciari examinavam atentamente os registros, mandou-me convocar Kay para urgente reunião e o general veio ansioso para saber do que se tratava. Sendo homem do oeste ele também ficou indignado ao saber que seu pai, um médio proprietário, pagava tanto imposto quanto um riquíssimo senhor do leste e aí estava a razão da pobreza do reino e do exército.

No Oeste o poder de Uther era absoluto e todos lhe pagavam tributo, mas no Leste ele era desconhecido
e teve de agir com dureza para impor sua autoridade 

Uther expôs seu plano sob o olhar frio de Corciari, a expressão prazerosa de Kay e o terror do meu rosto. Dos cem contribuintes mais ricos do leste, cinqüenta e oito moravam na capital e todos foram presos ao amanhecer pelos soldados de Kay, levados a um vasto salão no palácio e obrigados a sentar em cadeiras enfileiradas em frente a uma mesa atrás da qual eu me sentava como se fosse presidir à assembléia. Enquanto eu ouvia calado o insulto dos orgulhosos proprietários furiosos com “a afronta”, duas dezenas de guardas de Uther entraram no salão e o chefe mandou se calarem; como não foi obedecido, bateu violentamente com o cabo da lança no rosto de um dos arrogantes falastrões jogando-o ao chão ensangüentado; depois lhe encostou a ponta da lança no peito e ordenou: “Agora se levante, sente-se e cale-se antes que eu o mate”! Foi o bastante para que a arrogância sumisse e o silêncio reinasse.

Às oito horas não faltava mais ninguém e Uther entrou solenemente no salão acompanhado de Kay e Corciari. Falou firme e polidamente, expondo a grave situação da ilha e a injustiça do sistema tributário vigorante: “Apesar dos senhores do leste serem em média cinco vezes mais ricos que os do oeste, pagam apenas a metade do que eles pagam; isto é intolerável e vai ser corrigido agora mesmo, não só para o presente e o futuro como para o passado, pois vocês terão que pagar o que por justiça deveriam ter pago antes. Como sou homem justo e bondoso, vou lhes cobrar só o devido nos últimos cinco anos sem juros e multas, lhes perdoando generosamente os débitos anteriores”!

Depois leu pausadamente a lista com os cem nomes e as importâncias que deveriam pagar. Quando acabou a leitura houve um momento de estupor e um dos presentes levantou-se e protestou indignado, dizendo que aquilo era um ultraje e não ficaria sem resposta. Quase imperceptivelmente Uther sacou do punhal e o atirou bem no coração do rebelde. O homem fez uma careta segurando o cabo da arma cravada no seu peito e caiu pesadamente no chão sob os olhares horrorizados dos demais. Friamente Uther ordenou que os guardas arrastassem o morto até ele, levantou sua cabeça pelos cabelos e a decepou com um só golpe de espada. Depois exibiu o sangrento troféu à platéia, e pondo-o num dos lados da mesa disse-me bem alto para que todos ouvissem: “Prepare um decreto confiscando os bens desse mau pagador de impostos”!

Dizia a lenda que quando um dos seus dragões o desobedecia Uther o
matava e o exibia ao povo para que aprendesse a lição

Eu sabia que na conformidade do plano que ele nos expusera no dia anterior um dos presentes morreria para dar o exemplo caso houvesse protestos, mas não disse que além de matá-lo também lhe cortaria a cabeça e a poria ao meu lado na mesa. Tentei disfarçar o meu pavor e tremedeira pegando um papel e fingindo escrever, pois não conseguia formar palavras coerentes, mas mantive a cabeça baixa com se estivesse cumprindo suas ordens enquanto ele dizia aos apatetados ouvintes: “Vocês têm até amanhã ao meio dia para pagarem os impostos exigidos; depois disso os que não pagarem serão executados e terão seus bens confiscados. O secretário Gildásio lhes fornecerá papel e tinta para escreverem aos seus familiares e administradores ordenando-lhes trazerem o dinheiro devido. Logo que pagarem ficarão livres para voltarem em paz às suas casas. Tenham um bom dia”!

Em seguida ordenou aos guardas que entregassem o corpo do falecido aos familiares, mas determinou que a cabeça dele ficaria ao meu lado na mesa até que todos pagassem ou fossem também executados. Em seguida retirou-se com Kay e Corciari, deixando-me sozinho na companhia dos guardas, dos “contribuintes” e da cabeça do arrogante proprietário. Quando a noite caiu quatro quintos dos presentes já tinham pago o que deviam e voltado às suas casas, mas os onze restantes tiveram dificuldades para levantar a soma em moeda sonante e dormiram no assoalho do tétrico salão em companhia da horrenda cabeça que os contemplava.

Passei uma noite horrível, mas voltei ao amanhecer e por volta das onze horas o último dos aflitos “contribuintes” pagou seu débito e foi liberado. Uther conferiu comigo e Corciari a vasta soma obtida e depois mandou fincar a cabeça do morto em estaca na praça central com uma tabuleta onde se lia: “Este é um homem rico que não quis pagar impostos”!

Com Arthur impossibilitado de governar pelos graves ferimentos sofridos em batalha, Uther assumiu
o poder como ditador e restaurou a ordem na Britannia

Logo após a reunião do dia anterior ele tomara uma série de medidas. A primeira fora chamar o bispo e lhe ordenar que tocasse os sinos convocando o povo para missas em ação de graças pela morte no nascedouro de uma “conspiração” de ricos aristocratas que não queriam pagar os impostos que deviam à coroa. Na mesma ocasião determinou que fosse lida do púlpito uma declaração sua dizendo que após sufocar a “rebelião” assumira o governo e nele permaneceria até que tudo se normalizasse e o rei reassumisse. Dizia também que a antiga política de jogar a quase totalidade dos tributos nas costas do povo através do expediente de embuti-los nos preços das mercadorias seria radicalmente mudada: a partir de agora tais impostos seriam cortados pela metade e os ricos teriam que pagar dez vezes mais do que pagavam antes, já que eles eram os principais beneficiários da proteção que o estado e o exército davam às suas propriedades. Concluía dizendo que o tempo dos absurdos privilégios tinha acabado e doravante o rei governaria diretamente com o povo sem a intermediação de aristocratas estúpidos e gananciosos.

O bispo quis recusar por ser ligadíssimo aos nobres locais, mas Uther lhe indagou se ele preferia ver igrejas incendiadas e cristãos martirizados pelos bárbaros pagãos que ameaçavam o reino por todos os lados e o bom sacerdote viu que ele tinha razão, pois as perspectivas não eram nada animadoras. Por isso fez tudo que lhe foi ordenado e os sinos repicaram enquanto eloqüentes sermões eram feitos em apoio do governo e das justas medidas adotadas para sufocar a “rebelião”. Pode parecer estranho a um homem culto dotado de sensibilidade, mas o fato é que o povo ao invés de ficar apavorado com as façanhas do Senhor dos Dragões as comemorou cantando e dançando nas ruas, sobretudo na praça central onde estava a cabeça do nobre recalcitrante fincada em uma estaca. O povo sempre se regozija com a desgraça dos ricos e poderosos!

Uther sabia cultivar a sua lenda e impor o terror
nos adversários

Uther governou dois meses e meio como ditador e além de recuperar as finanças e dobrar os salários do exército fez também importantes modificações administrativas. Embora tenha me conservado como segundo homem do governo tirou da minha órbita o fisco e o serviço secreto, pondo-os aos cuidados de Corciari, que passou a trabalhar ao meu lado com o título de censor do reino. Quando Arthur reassumiu, o governo estava em ordem, o exército aumentava seus efetivos, a ilha prosperava, o povo estava satisfeito e O Senhor dos Dragões era o homem mais popular da Britannia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário