Post nº 63
ÁTILA E O PAPA LEÃO I - O MAIS
MISTERIOSO ENCONTRO POLÍTICO
DA HISTÓRIA
MISTERIOSO ENCONTRO POLÍTICO
DA HISTÓRIA
Cavaleiros temíveis, os hunos dominaram o leste europeu e ocuparam a Hungria. Em 452 marcharam sobre Roma e recuaram após misterioso encontro com o Papa Leão I. Tela de Juliuzs Kossak (séc. XIX) |
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Ninguém sabe ao certo o que de fato se passou no misterioso encontro entre Átila e o Papa Leão I no norte da Itália em 452, cujo resultado foi o terrível Rei dos Hunos desistir do seu propósito de destruir Roma. Isto foi tão inesperado e inusitado que várias lendas surgiram e falou-se até mesmo em milagre, celebrado em telas e esculturas famosas que mostram São Pedro e São Paulo aparecendo ao lado do Papa e aterrorizando Átila a ponto de fazê-lo dar meia-volta e recuar. Mas evidências esparsas, colhidas em diferentes historiadores, nos permitem reconstituir os fatos e deles tirar uma versão fidedigna e lógica, escoimada do extraordinário e do miraculoso. Segundo essas evidências, o que na realidade ocorreu foi que Átila, após devastar o norte da Itália, decidiu dar o golpe final, forçando Aécio a uma batalha decisiva. Assim, após receber excelente resgate para poupar Milão, marchou sobre Roma em meados de agosto, mas entrou por equívoco em região pantanosa onde seus milhares de cavalos se atolaram e milhões de mosquitos atacaram suas tropas, adoecendo-as gravemente. Só a muito custo conseguiu sair do atoleiro, porém muitos soldados tinham morrido, havia milhares de doentes graves e grande parte dos homens estava debilitada pela febre, de sorte que ele não teve outra opção senão fazer do seu acampamento um enorme hospital e esperar: “Se Aécio atacar agora estamos perdidos”, era o seu mais constante comentário durante as conversas com seus generais.
Todavia o general Flávio Aécio, comandante do exército romano, não atacou pela simples razão de que, por mais enfraquecidos que estivessem os hunos, ele não tinha tropas suficientes para fazê-lo. Os cinqüenta mil cavaleiros inimigos sadios ainda eram quase o triplo das tropas de infantaria que ele poderia reunir para uma grande batalha em campo aberto e sabia que um romano a pé teria tanta chance contra três hunos a cavalo quanto um galo teria contra três águias.
Era quase impossível deter os ferozes cavaleiros hunos que avançavam sobre Roma e o Papa Leão I escolheu negociar com Átila. Tela de Ulpiano Cheka (séc. XIX) |
Em meados de setembro Átila ainda estava paralisado no norte da Itália e Aécio vislumbrou uma possibilidade de vitória: “Se ele não avançar agora o outono vai alcançá-lo a caminho de Roma. As pastagens estarão secas e os cavalos não terão o que comer; o mesmo acontecerá com os cavaleiros, pois os campos estão abandonados e não há colheita. Três cavaleiros hunos a pé e famintos não são adversários para um legionário treinado e então teremos a batalha que Átila tanto procura”. O seu aguçado raciocínio militar dizia-lhe que a situação se inverteria totalmente no caso de um avanço huno tardio.
A situação de Átila se tornou ainda pior quando recebeu mensagem do regente que deixara em sua capital comunicando que havia intensa movimentação de tropas do exército romano do oriente na fronteira do leste e que o novo imperador de Constantinopla, substituto do covarde Teodósio II morto dois anos antes, estava planejando atacar o reino huno aproveitando-se da ausência do seu rei.
Átila caíra num impasse! Se avançasse agora conquistaria Roma antes do final de setembro e as ricas terras do sul lhe garantiriam o sustento durante o outono e o inverno, mas só poderia voltar na primavera do próximo ano e nesse intervalo os romanos orientais poderiam atacar, vingando-se das humilhações que ele lhes infligira no passado; se demorasse, teria que marchar, indo ou vindo de Roma, em pleno outono com os cavalos e os homens enfraquecidos. Neste caso os romanos, ainda que em número menor, poderiam enfrentá-lo com vantagem, pois estavam descansados e alimentados, e os cavalos hunos, até agora sua arma decisiva, estariam inutilizados pela fome, deixando os cavaleiros a pé e vulneráveis. Como não tinha condições de avançar agora, Átila vira que uma derrota ocorreria se avançasse mais tarde nem tampouco a evitaria se não avançasse, ficando com o seu imenso exército doente no lugar onde estava. A não ser que recuasse; mas como fazê-lo sem se desmoralizar?
Foi então que o Papa Leão, líder dos cristãos que ele tanta desprezava, veio em seu socorro, mandando um embaixador para solicitar-lhe um encontro e discutirem o pagamento de um resgate em troca da segurança de Roma. O Papa não entendia nada de estratégia militar nem sabia das dificuldades de Átila, pensando que ele apenas descansava enquanto se preparava para avançar e destruir Roma. Por isso pensara salvar a cidade pagando um grande resgate: “Afinal de contas os hunos não passam de sanguinários salteadores e ouro é a única coisa que lhes interessa”, comentara com seus ministros na reunião secreta em que decidira pedir o encontro com o Flagelo de Deus.
Era a oportunidade que o rei huno esperava para salvar as aparências e justificar perante seus ferozes comandados o inevitável recuo: “O chefe dos cristãos me pede humildemente uma audiência para me prestar vassalagem e combinar o pagamento de um grande tributo”, disse aos seus generais.
A data e o local do encontro foram marcados e Átila ficou ansioso à espera. Porém o Papa Leão, além de corajoso e decidido, era também sábio e prudente. Partiu de Roma no meio da noite com pequena comitiva de clérigos e altos magistrados, inclusive o prefeito de Roma, escoltado por meia centena de soldados da sua guarda pessoal, todos eles de lealdade comprovada e que nada sabiam sobre a data e itinerário da viagem, pois ele tivera o cuidado de deixá-los esperando ordens sem ideia do que iria acontecer. Quanto menor a comitiva e maior o segredo, menor atenção haveria. Levava dúzias de mulas com pesados alforjes cujo conteúdo poucos membros da comitiva conheciam: o enorme tesouro que passaria às mãos de Átila se as negociações tivessem sucesso!
Leão evitou cidades e estradas movimentadas, optando por caminhos secundários que atravessavam campos e vilarejos desertos, pois quase toda a população fugira temendo o iminente avanço dos hunos, e uma semana depois chegou a um mosteiro escondido nas florestas de uma montanha, situado cerca de vinte milhas do local do encontro. O mosteiro estava habitado, pois os monges tinham resolvido ficar e sofrer o martírio caso fossem descobertos pelos hunos, cujo grande divertimento era incendiar igrejas e crucificar padres, dizendo que assim eles chegariam mais cedo ao céu, como acontecera com o seu mestre Jesus Cristo. O apelido de Flagelo de Deus dado a Átila não era injustificado.
Escondido o tesouro nos subterrâneos do mosteiro, Leão mandou mensagem ao rei huno dizendo que chegaria no dia seguinte pela manhã, fez leve refeição e descansou algumas horas. Ao primeiro cantar do galo partiu para o seu encontro com o destino.
Átila nasceu e reinou no que hoje é a Hungria, que o tem como herói nacional. Reconstituição de sua imagem feita pelos peritos do "Atilla Museum" de Budapeste |
O sol já estava alto quando ele se aproximou do imenso acampamento huno e uma luzidia escolta veio recebê-lo para levá-lo ao rei que o esperava montado a cavalo, cercado pelos seus generais e por uma multidão de guerreiros. O Papa aproximou-se ao trote macio da sua mula, cumprimentou o rei respeitosamente e lhe disse: “Há muitos anos eu estava em Milão, jantando na casa do saudoso general Gaudêncio Aécio, quando se comentou a respeito da sua recente elevação ao trono dos hunos. Um dos presentes sabia que o general o conhecia bem e perguntou sua opinião sobre você. Ele pensou um pouco e respondeu: É um homem bravo e honrado, que valoriza os amigos e respeita a palavra empenhada! Foi por lembrar a boa opinião do general Gaudêncio sobre você que pedi este encontro. Tenho a sua palavra de que cumprirá fielmente tudo o que acertarmos”?
O Pontífice sabia da amizade e respeito de Átila pelo falecido general Gaudêncio, e por isso contou a história, certo de que isto lisonjearia o feroz guerreiro. E não errou: Átila sorriu, traduziu para os seus generais as primeiras palavras do Papa e todos balançaram a cabeça em aprovação, pois um elogio desses vindo do pai de Flávio Aécio, a quem eles respeitavam imensamente apesar de agora estarem em campos opostos, era realmente um grande elogio. Átila voltou-se para o Papa e respondeu: “A alma do general Gaudêncio é testemunha de que cumprirei fielmente tudo o que decidirmos”!
A conferência então começou.
Apesar de Leão ser homem idoso, Átila não o convidou para conversarem sentados e permaneceu em seu cavalo esperando que o velho sacerdote, cansado da longa viagem, apeasse e pedisse uma cadeira. Se isto acontecesse o Papa ficaria na posição de vassalo e ele na posição de senhor, olhando de cima para baixo um velho humilde que vinha suplicar sua generosidade. Porém Leão percebeu o truque e ficou montado em sua mula falando ao rei de igual para igual.
Leão I era homem bravo e altivo. Apesar da idade e do cansaço recusou curvar-se perante Átila. Tela de Francisco Herrera (séc. XVII) |
A conferência durou cinco horas e nem por um momento o velho demonstrou fadiga ou desânimo. Segundo contou depois aos seus acompanhantes, todo o tempo ele via claramente São Pedro e São Paulo amparando-o, enquanto o Espírito Santo iluminava o seu pensamento e dava firmeza às suas palavras. Ele tentou primeiro argumentos morais e teológicos, embora soubesse que isto seria inútil, mas sua intenção não era converter Átila, e sim cansá-lo. Depois de quase uma hora de conversa, viu que o rei estava ficando impaciente e então entrou no que interessava: o preço da sua retirada do solo italiano! Começou oferecendo apenas dez por cento do tesouro que trouxera e Átila recusou com desdém, dizendo que havia recebido o triplo para poupar Milão.
O montante foi subindo aos poucos, no mais incrível jogo de barganha que se tem notícia, até que passadas cinco horas chegou aos cem por cento do tesouro e Átila recusou novamente. O Papa fez um gesto de desânimo, como se fosse encerrar a negociação, e disse ao feroz guerreiro: “Você pode me matar e destruir minha cidade, mas isto não lhe trará qualquer ganho adicional porque não existe nenhum grão de ouro a mais. Tudo o que vai conseguir é mais sofrimento para o meu povo e o seu”. Fez o sinal da cruz e ajeitou as rédeas da mula para fazer meia volta.
Átila viu que tinha chegado ao fundo do poço e que não havia mais ouro; levantou o braço e falou: “Espere! Você é um homem bravo e merece o nome de Leão; também é um homem honesto e merece ser tratado com respeito; vejo que está dizendo a verdade; por isso retiro minha recusa e aceito sua proposta”!
O Papa fez a mula voltar à posição original e respondeu: “Então fechemos o nosso tratado com um aperto de mão”! Gritos e aplausos irromperam da multidão quando os dois líderes apertavam as mãos demoradamente, mostrando a todos que tinham chegado a um acordo.
Na época nada se falou, mas entre o povo espalhou-se a versão de que Átila recuara
ao ver São Pedro e São Paulo flutuando no ar ao lado do Papa
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Átila ordenou aos guerreiros silêncio e depois das coisas se acalmarem perguntou: “Quando receberei o ouro”? Leão olhou para o alto apontando para o sol e respondeu: “Amanhã, nesta mesma hora”! Apertaram as mãos novamente e o bravo sacerdote despediu-se dizendo: “Adeus meu filho; somente voltaremos a nos encontrar na vida eterna”! Fez meia volta e afastou-se por entre as intermináveis fileiras de ferozes guerreiros que respeitosamente lhe abriam caminho.
No outro dia longa caravana de mulas carregando pesados fardos se aproximou do acampamento huno conduzida por duas dúzias de monges, chefiados por três altos prelados em trajes simples, e levaram a tarde inteira descarregando e contabilizando o imenso tesouro sob os olhares pasmados de milhares de guerreiros. Átila, tal como no dia anterior, permaneceu montado assistindo silencioso o ouro se acumular na sua frente e o dia se aproximava do fim quando os clérigos finalmente terminaram. Postaram-se diante do rei, curvaram-se respeitosamente e foram embora sem dizer palavra.
Os hunos passaram a noite desfilando diante do tesouro que resplandecia à luz das fogueiras e no dia seguinte começaram os preparativos do regresso. Três dias depois iniciaram a retirada do solo italiano e regressaram ao seu reino na Hungria.
Qual dos livros foi usado para escrever este artigo? Possui fontes bibliograficas externas?
ResponderExcluirNinguém sabe ao certo o q se passou e há duas versões sobre o encontro: a 1ª divulgada pela Igreja desde a antiguidade e objeto do nosso "Post nº 9 - O DIA EM QUE SANTOS E ANJOS FIZERAM ÁTILA RECUAR" e a 2ª vigorante a partir do século XVIII considerando verdade histórica a hipótese de ter o Papa pago a Átila enorme soma para q ele saísse da Itália. Ambas são hipotéticas, mas na "Era da Razão" não havia como se aceitar a milenar versão religiosa e predominou a q a lógica indicava ser verdadeira, ficando os detalhes por conta de cada um. Esta é a versão q adoto no meu romance histórico "O Senhor dos Dragões" de onde este post foi tirado. Lembre-se do q disse Einstein: "em ciência a imaginação é mais importante do q o conhecimento".
ExcluirAh! Bom... Quando não se crê no transcendente, por atribuir-lhe a impossibilidade da ação divina (o grande e inteligente Átila equivocado e embrenhado nos pântanos a troco de quê?), inventa-se uma história acusando a história sabida de ter sido inventada...
ResponderExcluirJesus. Ninguém inventou nada, a não ser os detalhes, como ocorre em toda história romanceada, mas as versões são somente as duas mencionadas no comentário acima, uma relatada no post nº 09 e a outra neste. Compete a cada um acreditar na que lhe parecer mais provável.
ResponderExcluirExcelente, mestre Virgílio.
ResponderExcluirExcelente, mestre Virgílio.
ResponderExcluirExcelente, caro Virgilio. Ass: Klaus
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