terça-feira, 8 de setembro de 2015


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BATALHA  DO  RIO  TRÉBIA  -  A  FUGA

SIMULADA  E  A  CILADA  MORTAL


Os elefantes de Aníbal foram fundamentais para a sua esmagadora vitória na batalha do Rio Trébia (218 AC)

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A batalha do Rio Trébia foi travada entre os exércitos de Roma e de Cartago no final de 218 AC, poucas semanas depois do general cartaginês Aníbal Barca cruzar os Alpes à frente de grande exército. Foi a mais surpreendente e dramática travessia da mais alta cadeia de montanhas da Europa em todos os tempos, o que permitiu ao genial estrategista ocupar o noroeste da Itália antes que os romanos se refizessem da surpresa. O inverno estava próximo e eles estavam certos de que Aníbal, com dezenas de elefantes, milhares de cavalos e numerosa infantaria, seria aniquilado pelas tempestades de neve durante sua inacreditável marcha por traiçoeiros desfiladeiros e profundos abismos gelados. Aníbal perdeu metade do seu exército na quase impossível travessia, mas sua genialidade militar lhe permitiu não só realizá-la como desbaratar o exército reunido às pressas que os estupefatos romanos mandaram ao seu encontro na região do Tessino. A vitória obtida por Aníbal lhe valeu o precioso apoio dos gauleses cisalpinos, ansiosos para livrarem-se do domínio de Roma. Com o exército reconstituído e reforçado, Aníbal marchou para o sul e os romanos, refeitos da derrota no Tessino e com exército muito superior, decidiram cortar seu avanço no vale do rio Trébia, bastante apropriado para as manobras das suas pesadas legiões.

Abaixo, publicamos um resumo adaptado de trecho da notável obra do ilustre historiador espanhol Juan Eslava Galan sobre o grande comandante cartaginês, na qual o autor descreve a batalha como se o narrador fosse o próprio Aníbal.


A  VÉSPERA  DA  BATALHA

Aníbal foi um dos maiores generais de todos os tempos e suas batalhas até hoje são estudadas
nas melhores academias militares do mundo como modelo de perfeição estratégica

"Notícias recentes diziam que os exércitos romanos tinham se reunido sob o comando do cônsul Semprônio, homem robusto de tez rosada e temperamento fogoso. Sabíamos que ele era experiente e gozava em Roma de grande fama como hábil e valente estrategista, mas sabíamos também que era irritadiço e irreflexivo, defeitos imperdoáveis em um general.

Concebi um plano simples, adequado à irreflexão de Semprônio: o exporíamos à isca de uns poucos regimentos de cavalaria e estes, em sua fuga, o atrairiam a uma cilada. Durante dois dias estudei cada trecho do terreno às margens do rio Trébia e não foi difícil achar o local ideal para os meus planos: uma pradaria descampada onde nossa cavalaria podia manobrar livremente! Era limitada de um lado pelas elevadas margens do rio e do outro por cadeia de suaves colinas revestidas de espessa arborização. A cavalaria espanhola podia ocultar-se no bosque e passaria completamente despercebida até que chegasse o momento de entrar em ação.

O exército de Semprônio atravessou o rio Pó e acampou a cinco quilómetros de nós, do outro lado do rio Trébia, e eu decidi provocar o inimigo antes que se refizesse de sua marcha. Uma hora antes do amanhecer, os meus generais Maharbal e Nura Avas foram à minha tenda para repassarmos o plano, depois desejei-lhes boa sorte e os despedi.

Ainda era noite quando três mil cavaleiros númidas dos nossos melhores regimentos cruzaram o Trébia, cujas águas geladas chegavam ao peito dos cavalos. Enquanto isso nossas sentinelas e vigias reavivavam as fogueiras e os sargentos despertavam seus homens silenciosamente. O frio era intenso, fazendo a respiração dos homens e dos animais formarem nuvens de vapor enquanto os oficiais, à frente dos seus pelotões, iam para os locais designados. Depois, homens e cavalos deitaram-se no solo e aguardaram em completo silêncio, ao mesmo tempo em que próximo a eles ocultava-se um esquadrão de trezentos fundibulários. Atrás do bosque, nossos batalhões de guerreiros insubros e boios também aguardavam em silêncio.

A  BATALHA

Apanhados em uma armadilha mortal, os romanos foram massacrados
pelos guerreiros de Aníbal

Quando começou a clarear, nossa cavalaria númida caiu de surpresa sobre as tropas inimigas que pernoitavam fora do acampamento e soltaram seus cavalos, incendiaram suas carroças e mataram os legionários que saiam das tendas antes que entendessem o que estava ocorrendo. O irreflexivo Semprônio pensou que todo meu exército sitiava seu acampamento e, furioso consigo mesmo por se haver deixado surpreender, ergueu os estandartes, organizou suas tropas e contra-atacou impetuosamente.

Seguindo nosso plano, o general Maharbal retardou o contra-ataque durante algum tempo e depois mandou inverter as insígnias, que era o sinal de fuga. Assim que o viram, os cavaleiros númidas voltaram as costas ao inimigo e fugiram em rápido galope, perseguidos furiosamente pelos romanos.

Já amanhecera por completo e apesar de chover bastante eu podia ver, do outeiro onde estabelecera meu posto de observação, o curso do rio e a planície abaixo. Como planejado, os cavaleiros númidas chegaram em desordenado galope, cruzaram o rio e depois prosseguiram sua carreira pela planície, como se tentassem refugiar-se nas elevações vizinhas. Quase imediatamente surgiu a cavalaria romana, que se lançou à água sem nenhuma vacilação. Ela acabara de cruzar o rio quando chegou a infantaria em marcha acelerada, mas sem romper sua rígida formação. Os disciplinados legionários estavam se agrupando junto ao rio, como se esperassem ordens para atravessá-lo, quando o irritado Semprônio chegou de espada na mão, censurando sua hesitação e ordenando que cruzassem o rio imediatamente.

Era o que eu estava esperando.

Obedecendo às irrefletidas ordens de Semprônio, a infantaria romana começou a cruzar o rio em jejum e com água gelada até o peito! Quando sua primeira linha de manípulos chegou à planície e a última entrou na água, ordenei aos sinaleiros que fizessem subir a fumaça branca combinada. A este sinal, os fundeiros baleares surgiram pela direita lançando os projéteis mortais de suas compridas fundas. Isto foi para os romanos um verdadeiro pesadelo, pois o zumbido do projétil só é percebido instantes antes do impacto e a vítima não tem tempo de se proteger nem de erguer o escudo para atenuar os danos.

Atrás dos fundeiros surgiram os elefantes que, açulados pelas varas e gritos dos seus indis, precipitaram-se sobre a cavalaria inimiga, ao mesmo tempo em que os cavaleiros númidas cessavam sua fuga simulada e voltavam-se contra seus arrojados perseguidores.


A batalha do Rio Trébia foi a última em que Aníbal usou elefantes na Itália. Algum tempo depois perdeu
todos eles, vitimados por moléstia infecciosa contraída nos pântanos italianos 

No lado oposto da planície, os guerreiros gauleses ocultos no bosque saiam do seu esconderijo e arremetiam contra a retaguarda inimiga. Confusos e desorganizados, vendo-se atacados por vários lados, os oficiais romanos davam ordens contraditórias que só faziam piorar sua grave situação.

Chovia torrencialmente quando os legionários mais prudentes começaram a recuar em ordem para escapar do massacre. Mas sua sensata manobra de retirada contaminou com medo incontrolável os menos valentes, instaurando o pânico e o “salve-se quem puder” nas fileiras inimigas. Em pouco tempo quase todos fugiam e seus cavalos atropelavam-se diante dos furiosos elefantes, jogando ao solo os aterrorizados cavaleiros.

Milhares de fugitivos correram de volta para o Trébia sem perceber que suas margens já estavam ocupadas por nossos guerreiros celtiberos. Mesmo assim, parte deles conseguiu organizar-se em relativa ordem para escapar pelo único local do rio que eu não guardara por ser muito profundo. Isto fez com que muitos deles, que não sabiam nadar ou não eram inteligentes o bastante para livrarem-se das suas pesadas armaduras, fossem arrastados pela correnteza e morressem afogados.

A mortandade entre os inimigos foi enorme e nossa vitória foi esmagadora. Tivemos poucas baixas, mas os romanos perderam dois terços do seu exército, incluindo o impetuoso general Semprônio. De quebra, fizemos cerca de dez mil prisioneiros e capturamos equipamento bélico suficiente para armar vinte mil homens. Também apreendemos grande quantidade de prata e de objetos valiosos, mas não fiquei com nada, pois mandei distribuir tudo entre os meus homens. Infelizmente perdemos vários dos nossos preciosos elefantes e em pouco tempo perderíamos os restantes, vítimas de cruel doença contraída nos pântanos da Itália.

À noite, comemoramos a vitória com alegres cânticos, ruidosas danças, muito vinho e comida abundante. Embriagados, muitos dos meus oficiais diziam que a guerra terminara e os romanos logo pediriam a paz. Acrescentavam alegremente que em breve voltaríamos para casa vitoriosos e ricos!

Eu também partilhava de sua otimista esperança, mas o implacável futuro nos mostraria que a guerra estava apenas começando e os romanos jamais se renderiam.