terça-feira, 2 de novembro de 2010

Post nº 08

O  TENEBROSO  JULGAMENTO  DOS  CAVALEIROS  TEMPLÁRIOS

Morte na fogueira em março de 1314 de Jacques de Molay, grão-mestre dos
Cavaleiros Templários. Autor anônimo (séc. XIX)

Para adquirir estes livros clique acima em nossa
Livraria Virtual


Poucos dias depois do golpe, doutores da Universidade, ordens da nobreza, confrarias religiosas, corporações profissionais e enorme multidão reunidos em vasta praça de Paris com bandeiras desfraldadas ao vento, ouvem o libelo acusatório de Felipe: “Uma coisa amarga e deplorável, horrível de pensar e terrível de ouvir, execrável de perfídia e detestável de infâmia, uma coisa que nada tem de humano, mas que é atestada por inúmeros testemunhos, chegou aos nossos ouvidos, causando-nos violento espanto e horror indizível. A nossa dor foi imensa ao sabermos dos crimes enormes praticados contra a majestade divina e a fé católica, crimes que são uma vergonha para a humanidade, um exemplo de perversidade e um escândalo público”! Em seguida, enumera os sórdidos crimes que atribui aos cavaleiros: a) na cerimônia secreta de admissão na Ordem renegam Cristo três vezes e cospem no crucifixo; b) dão e recebem beijos obscenos nas partes íntimas; c) praticam a sodomia; d) adoram ídolos e cabeças de animais empalhadas, sobretudo a de um bode que representa Satanás; e) não fazem a consagração da óstia durante a missa e a rezam diante de uma cruz de cabeça para baixo; f) se masturbam diante da imagem da Virgem; g) urinam nas imagens dos santos; h) festejam com as bruxas nos bosques a noite de Walpurgis; i) promovem orgias na quinta-feira santa para ridicularizar a Última Ceia de Jesus; j) vendem suas almas a Satanás em troca de riquezas... e por aí vai o absurdo rol de acusações, um dos libelos mais estapafúrdios da História!


A Inquisição e os clérigos que odeiam os Templários são as maiores armas
       de Felipe no torpe processo. Ilustração de autor anônimo (séc. XIX)
         
Porém, numa época de fanatismo e superstição, o esdrúxulo libelo é de enorme eficácia para destruir os acusados perante a opinião pública. Sob terrível tortura muitos confessam; os que não confessam morrem e os carrascos dizem que "se suicidaram" por não suportarem o peso dos próprios pecados; aqueles que mais tarde renegarem as confissões serão queimados como impenitentes. Seiscentos anos antes dos “julgamentos” ordenados por ditadores totalitários contra os seus rivais, durante os quais confissões descabidas e insensatas serão atribuídas pela imprensa democrática a refinadas técnicas de lavagem cerebral da polícia secreta, Felipe consegue o mesmo sem dispor de meios tão sofisticados. Sem imprensa ou rádio, ele também cria no século XIV a propaganda difamatória massiva. Para tanto usa arautos que lêem sem cessar em todo reino confissões extorquidas a ferro e fogo, dando no século XX aos tiranos o imoral ensinamento de que a mentira incessantemente repetida acaba se tornando verdade!

Bispos e monges de outras Ordens que odeiam os Templários lhes aplicam
          as mais atrozes torturas. Ilustração de autor anônimo (séc. XIX)
            
Enquanto se desenrola o execrável processo, trava-se acirrada luta entre Felipe e o Papa Clemente V, que diante do fato consumado não tem outra opção senão aprovar o ato policial do rei, mas dizendo que o processo judicial é da alçada da Santa Sé, pois só ela tem jurisdição sobre a matéria. Atrás disso não está apenas a tentativa do Papa de restaurar sua autoridade, mas a posse do enorme patrimônio da Ordem. Em consequência, ele recusa-se a extingui-la enquanto o assunto não for resolvido e até lá os príncipes serão apenas fiéis depositários dos bens seqüestrados. Indo adiante, Clemente promove reunião secreta do Colégio de Cardeais no castelo de Chinon onde é aprovada bula papal em junho de 1308 anistiando os Templários. Porém Felipe é informado e impede a sua publicação, mantendo virtualmente prisioneira toda a cúpula da Igreja. Os altos prelados se calam e o decreto de anistia somente será conhecido setecentos anos depois quando os arquivos secretos do Vaticano são abertos à pesquisas de historiadores independentes.

    O Papa Clemente V é o modelo perfeito do indivíduo covarde e
                pusilânime. Gravura de autor anônimo  (séc. XVIII)
 
O Papa tenta salvar sua cambaleante autoridade mudando-se com sua corte para território fora da jurisdição real e em agosto de 1308 convoca Concílio para resolver o caso na cidade de Vienne, sudeste da França, mas independente da autoridade de Felipe. O rei contra-ataca e convoca assembleia de príncipes e bispos franceses na cidade de Lion, muito mais populosa e importante que a pequena Vienne, para examinar a conduta infame do falecido Papa Bonifácio VIII, antecessor de Clemente V. Este se amedronta e adia o início do Concílio, que só se reunirá três anos mais tarde. No interregno Felipe finge negociar, mas não entrega ao Papa nenhum dos prisioneiros. Sadicamente tortura-os nas masmorras e de vez em quando queima alguns em praça pública.
           
Para mostrar que não está brincando, em 1310 manda queimar em Paris cinquenta e dois cavaleiros de uma só vez, no que foi a maior execução por esse tipo de suplício da história. Os executados não ocupam posições importantes e são de categoria social inferior, pois ou pertencem à pequena nobreza sem influência política ou provêm das classes baixas, tendo sido nobilitados pela própria Ordem ao serem sagrados cavaleiros. Isto faz com que a alta aristocracia se abstenha de manifestar insatisfações ou protestos e fortalece ainda mais a autoridade de Felipe, que há tempos é também chamado pelo povo de "O Rei de Ferro". Por enquanto ele poupa o estado-maior templário, não só porque é constituído por cavaleiros bem conectados na alta nobreza, mas também porque tem esperanças de que lhe revelem o paradeiro do Tesouro da Ordem, pois é voz geral que ele não foi encontrado quando o Templo foi invadido na manhã do golpe.

Em 1310 Felipe manda mensagem de advertência ao Papa queimando
templários em massa. Iluminura medieval 
           
Daí em diante o rei implacável adota o expediente de mandar à fogueira de tempos em tempos alguns modestos cavaleiros independentemente de aprovação papal para mostrar à alta cúpula da Igreja que não tolerará absolvições eclesiásticas nem subterfúgios legais que visem salvar a Ordem da extinção. O seu trabalho é facilitado pela covardia de Clemente que passa a aparentar estar ao lado de Felipe, ordenando aos demais príncipes católicos que prendam os Templários que estiverem em seus territórios e lhes confisquem os bens. Porém apenas Eduardo I da Inglaterra, onde a Ordem quase não tem presença, e alguns príncipes alemães o obedecem, mas apenas na Alemanha há algumas execuções. Os príncipes de Chipre e de Rhodes obedecem, mas não há execuções. Todavia na Península Ibérica, onde estão dois terços dos cavaleiros e castelos templários na Europa, os decretos papais são solenemente ignorados e a Ordem continua funcionando normalmente.
           
Enquanto se desenrola o processo, Felipe e os príncipes europeus, exceto os reis ibéricos de Portugal, Castela e Aragão, vão roubando e dilapidando os bens da Ordem. Para agir com tanta desenvoltura e desprezo pela supremacia papal Felipe tem uma arma poderosa: o processo secreto movido pela Coroa Francesa e seus bispos mais fieis contra a devassidão e os desmandos do Papa anterior, Bonifácio VIII, a quem a morte salvara de uma deposição ignominiosa. Friamente, Felipe ameaça torná-lo público e queimar na fogueira os restos do Papa falecido, desmoralizando a Cúria de uma vez por todas caso Clemente insista numa atitude não cooperativa. Assim, tendo o papado em xeque, ele faz o que quer e mantém o Sumo Pontífice calado e omisso.

           Felipe periodicamente queima templários em praça pública para manter submissa toda a alta
                                     cúpula da Igreja através do terror de Estado. Iluminura medieval
             
Em 1311 o Concílio enfim se reúne depois que Felipe consegue impor a sua agenda e impedir a presença de prelados notoriamente favoráveis aos Templários. Como se já dando por certa a extinção da Ordem, o assunto a ser debatido será o que fazer com os seus bens! O tópico é absurdo porque o estatuto da Ordem diz claramente que o papado é o seu herdeiro e portanto não há o que discutir, mas é precisamente o que o acovardado Papa permite discutir, pois o interesse de Felipe e dos seus associados é não só despojar a Ordem, mas também a Igreja dos bens que legitimamente lhe pertencem. Apesar de ser uma assembléia manipulada, os escrúpulos jurídicos da maioria dos seus membros os faz decidir que não é possível condenar os réus sem que eles sejam ouvidos; por isso ordena que Felipe os apresente para que sejam corretamente julgados. Porém, temendo que os cavaleiros sejam absolvidos e escapem das suas garras, Felipe capciosamente argumenta que é desnecessário apresentá-los in corpore, pois uma comissão nomeada pelo Concílio poderá muito bem fazê-lo na prisão onde os réus se encontram. Mais uma vez o Papa se curva e os templários presos ainda vivos, exatamente a cúpula da Ordem, jamais comparecerão diante de um verdadeiro tribunal antes do Juízo Final. É uma luta política feroz e indecente onde todos os meios são válidos, até mesmo a vil chantagem praticada sem qualquer pudor pelas autoridades mais altas da Terra.

  Interrogatório de Jacques de Molay pelo tribunal da Santa Inquisição.
                              Ilustração de autor anônimo (séc. XIX)
            
Em abril de 1312, no final do Concílio, é selado um acordo que permite ao Papa Clemente V salvar a cara e a Ordem é extinta, mas ao invés dos seus bens irem para a Santa Sé irão para os Cavaleiros Hospitalários, uma Ordem bem menos poderosa e mais acessível à vontade dos reis. Os novos proprietários levarão anos tentando arrecadá-los, pois quase tudo foi desviado através de inescrupulosas manobras de príncipes e bispos vorazes cujos "documentos" os cordatos Cavaleiros Hospitalários não se atrevem a contestar. No fim eles só herdarão dívidas!
            
Controlando o Concílio do começo ao fim, Felipe dele se utiliza para roubar ainda mais e astutamente sugere uma "nova cruzada" para reconquistar Jerusalém. Claro que tanto ele quanto Clemente V sabem que isso é inviável, mas o que ambos de fato pretendem é arrecadar o famoso dízimo dos cruzados, imposto que é lançado sempre que se organiza uma nova Cruzada e que tem por fim financiá-la. A "cruzada" é convocada, o dízimo é cobrado e Felipe e Clemente esquecem o assunto logo que enchem os bolsos.
            
Em Portugal, onde a Ordem do Templo continua funcionando e a Ordem do Hospital não tem presença, o rei Diniz nomeia os próprios ex-templários para administrarem os bens que já administram e tudo continua na mesma. Mais tarde ele cria a Ordem dos Cavaleiros de Cristo e obtém autorização papal para doá-los à nova Ordem, na qual admite os antigos cavaleiros templários. Com essa manobra transforma a Ordem do Templo na Ordem de Cristo e os cavaleiros de uma em cavaleiros da outra.
            
Finalmente o processo do estado-maior Templário é concluído pelos inquisidores, inteiramente dóceis à vontade de Felipe, e os cavaleiros são condenados à morte na fogueira por heresia e devassidão. Felipe os executa coletivamente em horrendo espetáculo público, mas, não se sabe bem por que, poupa os dois mais importantes durante alguns meses. Embora não existam provas documentais ou testemunhais, tudo indica que ele o faz porque ainda tem esperança de por a mão no tesouro desaparecido da Ordem, procurando por isso negociar com os dois altos prisioneiros a revelação do seu esconderijo em troca das suas vidas. Mas as evidências são de que a aquela altura eles não tinham mais nenhuma confiança no sórdido monarca e decidiram levar para o túmulo o segredo, saboreando em silêncio a terrível frustração imposta ao seu feroz inimigo.

                              Jacques de Molay amaldiçoa o Papa Clemente e o Rei Felipe. Gravura de
                                                                           autor anônimo (séc. XIX)
             
Há uma versão que diz terem os cardeais lhes aplicado a pena de prisão perpétua, mas a teriam agravado para pena de morte em virtude dos réus terem veementemente protestado inocência. O fato é verdadeiro, mas os cardeais modificam o veredito não por serem os réus "impenitentes", mas porque Felipe fica furioso e os manda modificá-lo sob pena de irem todos juntos para a fogueira. Não é por acaso que Felipe é também chamado de "O Rei Falsário" e "O Rei de Ferro".
            
No dia 14 de março de 1314 o Grão-Mestre Jacques de Molay e o seu mais importante auxiliar, Godofredo de Cherney, são levados à fogueira em Paris na presença de grande multidão e do rei. Contam que várias vezes ele amaldiçoou os seus algozes e mesmo em meio às chamas ainda teve forças para gritar ao rei: Antes que o ano acabe, tu e Clemente comparecerão ao Tribunal Celeste e receberão de Nosso Senhor Jesus Cristo o justo julgamento!


     A maldição foi forte, dando origem à lenda dos "reis
          malditos". Gravura de autor anônimo (séc. XIX)
            
Em 20 de abril o Papa Clemente V morre em meio a uma repugnante crise de vômitos e em 29 de novembro o rei Felipe o segue, após ficar completamente paralisado por uma queda de cavalo. No ano anterior, poucos meses antes da execução, o jurista Guilherme de Nogaret fora encontrado em sua mesa de trabalho com a cabeça caída sobre os autos que examinava e os olhos esbugalhados, vítima de fulminante apoplexia. Como Jacques de Molay profetizara do alto do patíbulo, os seus três principais algozes estavam mortos antes que o fatídico ano de 1314 chegasse ao fim!

   A execução de Jacques de Molay e Godofredo de Chernay tornou-se
                        célebre. Gravura de autor anônimo (séc. XIX)
            
Coincidência ou não, a morte dos amaldiçoados obedece rigorosamente à hierarquia, pois primeiro morre o Papa, depois morre o Rei, e finalmente morrem os seus descendentes, pois Felipe é sucedido em perfeita ordem de idade pelos seus três filhos que em dez anos morrem um atrás do outro após curtos reinados. Para completar, eles não deixam herdeiros e a Dinastia Capeto se extingue após ter governado a França por mais de trezentos anos. Tão grande coincidência dá origem à famosa lenda dos "Reis Malditos"porque para os supersticiosos a maldição de Jacques de Molay foi daquelas tão fortes que atingem tanto o amaldiçoado quanto à sua família.

Em novembro de 1314 Felipe o Belo morre devido à uma queda de cavalo. Iluminura medieval
             
Outra lenda diz que quando o dia 13 de outubro coincide com uma sexta-feira e há lua cheia, aparece nas ruínas dos antigos castelos templários o fantasma de cavaleiro armado dos pés à cabeça portando o manto branco e o escudo com a cruz. Olhando em volta ele grita: Quem defende o Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo?

E o eco responde: Ninguém... A Sagrada Ordem do Templo está morta!



Nenhum comentário:

Postar um comentário