sábado, 2 de abril de 2011

Post nº 33

CÉSAR  ALCANÇA  O  PODER
ABSOLUTO

O príncipe gaulês Vercingetorix depõe as armas perante César após ser derrotado na batalha de Alésia
em 52 AC. Tela do pintor francês Lionel Royer (séc. XIX)


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Antes de completar quarenta anos César já ocupara importantes cargos públicos e era um dos políticos mais acatados e populares de Roma, porém para dar passos maiores ele precisava de dinheiro e de fama militar, coisas que dois amigos conservadores possuíam em abundância. Crasso era o mais rico romano e Pompeu o mais famoso general; ambos estavam descontentes porque julgavam seus méritos tratados abaixo do que mereciam, pois Crasso não tivera grandes recompensas por sua vitória sobre Spartaco, e Pompeu, que as tivera em abundância por outras vitórias, não recebera nenhum poder excepcional por conta delas. Ambos eram nobres ilustres e aplaudidos, mas se quisessem cargos tinham que pleiteá-los em árduas campanhas eleitorais e serem eleitos por seus pares. Isto era fácil de conseguir: um, pelo dinheiro; o outro, pela glória militar, porém estavam cansados disso e achavam que tais disputas, além de serem um desperdício de tempo e dinheiro, só causavam malquerenças e guerras civis. Era preciso por-lhes ponto final com medidas que acabassem as facções e pusessem o poder nas mãos de uns poucos iluminados.
 
César era um dos líderes mais populares de Roma quando do 1º
Triunvirato, mas era sócio-menor por não ter vivência militar

Muitos senadores e o povo eram da mesma opinião, mas havia um problema: Crasso, embora pudesse comprar eleições, não podia comprar o amor do povo, pois era indiferente à sua miséria e o explorava cruelmente com pequenos empréstimos a juros escorchantes e altíssimos alugueres nas centenas de cortiços que possuía em Roma. Ai de quem não pagasse ao mafioso Crasso! Até os conservadores faziam pesadas restrições à sua ganância e por isso não lhe deram grandes honrarias por sua vitória na guerra contra os escravos. Pompeu era glorificado e respeitado, porém era excessivamente conservador, orgulhoso e léguas longe do povo, o qual lhe pagava na mesma moeda. Depois de muitas confabulações, concluíram que precisavam de um sócio menor que fornecesse base popular a um Golpe de Estado, pois para ter sucesso era necessário ser bem recebido pelo povo e deixar o Senado sem ação. Acharam o parceiro ideal em César: ele era da alta aristocracia e tinha trânsito livre entre os conservadores; assumira posições liberais e estes o consideravam um dos seus; defendera os interesses do povo habilmente, ganhando-lhe o favor sem criar aversões na nobreza; por fim, estava sem dinheiro por seus gastos excessivos e sua experiência militar era escassa; se tivesse muita, isso o igualaria aos outros dois, que se pretendiam serem seus sócios maiores. Como César era ótimo orador, encarregaram-no de comunicar aos senadores e ao povo a decisão deles assumirem o poder “para o bem geral”. Foi uma decisão fatal, pois a oratória de César o fez parecer como sendo o líder do golpe, ao qual Pompeu apenas trouxera o apoio do exército e Crasso o apoio do dinheiro.

Pompeu ainda jovem nos anos 70 AC. Dez anos depois era o mais vitorioso general da
história de Roma e resolveu tomar o poder tendo César como testa de ferro 
         
Todos apoiaram o que a história chamou de Primeiro Triunvirato: os liberais e o povo porque o “líder” era César; os conservadores porque César era alto aristocrata e Crasso riquíssimo, coisa que fazia os moderados corruptos o terem em boa conta; quanto a Pompeu, ele era a glória militar da República e homem da inteira confiança dos radicais austeros. Os três começaram a governar e César, cujas dívidas tinham sido pagas por Crasso, manifestou desejo de submeter a Gália, vasta região que ainda estava fora do domínio romano. A sua intenção era ganhar experiência e glória militar, mas aos sócios disse que apesar de suas dívidas estarem pagas não tinha de onde tirar dinheiro para despesas futuras; por isso a ideia de conquistar e saquear a Gália.

Eles ficaram deliciados, não só porque era uma oportunidade de ouro para se livrarem por uns tempos do incômodo “líder”, mas porque tinham certeza de que dado a sua pouca experiência militar ele falharia e, quem sabe, até morresse por lá! Deram-lhe um poderoso exército, mas tiveram o cuidado de de lhe darem poucos oficiais de notória competência. Foram mais dois erros fatais. De posse de um grande exército desfalcado de brilhantes oficiais, o seu talento lhe possibilitou selecionar durante os treinamentos os melhores soldados e fez uma enxurrada de promoções, tornando-se queridíssimo das tropas. A sua simpatia e competência fizeram o resto, e quando chegou à Gália ele era o líder inconteste dos seus soldados. Apesar dos combates terem sido breves e de pouca monta durante a pacificação da Espanha por ele comandada, César procurara aprender tudo que ela lhe oferecera sobre a arte da guerra. Ademais, na juventude fora muito atento às lições de artes marciais e de história militar, assuntos que muito lhe agradavam; por isso aproveitou sua nova posição para estudar em profundidade tudo o que havia sobre organização, estratégia e tática militar. Também aprendeu tudo que pôde sobre a Gália e os gauleses, e quando se iniciaram os combates ele estava mais preparado para a luta do que qualquer outro general de sua época.

Durante a guerra na Gália, César invadiu a Britannia duas vezes e
obteve várias vitórias. Gravura de Edward Armitage (1843)

César acumulou vitória após vitória, fazendo com que relatos dos seus feitos chegassem periodicamente a Roma com tesouros saqueados e prisioneiros escravizados. Parte significativa dos lucros ele distribuiu ao exército, que passou a adorá-lo, mas guardou a maior parte e recompôs a sua imensa fortuna. O Senado e o povo lhe deram o título de “Imperator” (general triunfante) e lhe votaram grandes homenagens para quando voltasse. Quem não gostou disso foram os sócios que tinham ficado em Roma e agora viam a tolice que tinham feito, pois o povo só tinha olhos para César e os ignorava completamente. Crasso então decidiu imitá-lo e partiu para conquistar o rico Reino da Partia na Ásia, adquirindo glória militar e ainda mais riquezas. Porém os partas o derrotaram e o executaram, derramando ouro líquido fervente na sua boca e dizendo-lhe: “Sacia agora a tua sede de ouro, homem ganancioso”! Outra versão diz que os partas o decapitaram após ele ter sido morto na batalha e só então encheram a sua boca com ouro líquido, mas o fato é que a sua cabeça foi empalhada e ficou muito tempo como troféu na corte do rei vitorioso, onde vez por outra era usada como objeto de ridicularia durante representações de comédias gregas.

Crasso tinha grande valor militar, mas sua enorme cobiça e excessiva ganância o perderam

Com a derrota de Crasso a rivalidade entre os dois triúnviros remanescentes se agravou e suas relações de amizade praticamente cessaram quando Pompeu ficou viúvo da filha de César, com quem era casado. O fato de não terem tido filhos, rompeu os laços familiares e interrompeu de vez a precária amizade dos dois, mas não interrompeu a vitoriosa campanha de César, que aproveitando um momento de calmaria nas já quase concluídas operações militares na Gália atravessou o canal da Mancha com poderosa esquadra e deu início à conquista da Britannia, que só viria a se completar um século depois. Mas se não a dominou, apesar de tê-la invadido em 54 e 53 AC, ele a revelou para os romanos e fincou cabeças de ponte na ilha através de alianças com reis tribais, tornando-os aliados e tributários de Roma. Durante essas campanhas obteve vitórias contra tribos britânicas desorganizadas, fez anotações sobre o seu curioso modo de lutar usando carros de guerra, realizou grandes saques e voltou ao continente mais glorioso ainda.

Vercingetorix é considerado o primeiro herói nacional francês apesar
de vencido. Famosa estátua sua no parque nacional de Alésia

A conquista da Gália estava praticamente terminada quando Vercingetorix, bravo príncipe gaulês, revoltou-se e obrigou César a novos e extenuantes esforços para assegurar o que havia ganho. Finalmente derrotou o patriota gaulês na célebre batalha de Alésia, a qual passou à história como modelo de vitória obtida mais por técnicas de engenharia do que por técnicas de combate e enriqueceu de vez o seu já notável currículo militar.

Na batalha de Alésia (52 AC) a engenharia venceu a valentia, mas a execução do príncipe vencido é uma
mancha no currículo de César. Tela "Rendição de Vercingetorix" de Henry-Paul Motte (1886)

Após a vitória final, César decidiu ficar mais algum tempo organizando a nova província do Império e publicou em Roma o seu livro “A Guerra da Gália”, que teve enorme sucesso e é hoje tido como uma das obras-primas da literatura universal. Cícero, maior literato romano da época e com quem César mantinha vasta correspondência, teceu grandes elogios à obra, dizendo que era o melhor livro já escrito sobre campanhas militares.

O livro de César sobre a "Guerra das Gálias" tornou-se um clássico da
literatura universal. Edição rara datada de 1783

Ele era considerado agora pelos romanos não só hábil político e brilhante orador, mas também grande general e notável homem de letras. A sua grandeza e popularidade irritaram os conservadores que dominavam o senado, pois viram nele um candidato certo à tirania e sério perigo à sua hegemonia. Pompeu também ficou preocupado e concordou com a esdrúxula ordem dada a César pelo Senado para que licenciasse o seu exército e voltasse a Roma a fim de responder processo político por acusações de “improbidade” praticadas na Gália. Era uma absurda declaração de guerra e Pompeu finalmente cometia o último e mais grave de todos os seus erros.

César e o seu grande exército, curtidos por anos de batalhas, ficaram indignados e marcharam sobre Roma. Ao atravessar o rio Rubicon, limite além do qual ele estaria legalmente em estado de rebelião contra a República, pronunciou a sua célebre frase: “A sorte está lançada”! Cidade após cidade passou para o seu lado e as tropas do Senado começaram a desertar, fazendo Pompeu e seus partidários fugirem às pressas para o Oriente onde organizaram um grande exército com tropas ainda não contaminadas pela fervente admiração a César. Este entrou em Roma triunfante e após botar a capital em ordem foi a Espanha submeter generais que recusavam sua suprema autoridade.
 
Desobedecendo o senado, César atravessou o rio Rubicon e marchou
sobre Roma. Gravura de autor anônimo do século XIX

Com todo o Ocidente sob o seu poder, marchou para a Grécia onde derrotou Pompeu e os seus aliados na grande batalha de Farsália. Para sua grande decepção, entre estes estavam os seus "amigos" Cícero, Cássio e Brutus, que generosamente poupou, mas Pompeu não quiz se render e fugiu para o Egito. César o perseguiu, mas quando lá chegou os egípcios o presentearam com a cabeça do seu ex-amigo e genro que eles prudentemente haviam matado antes que o vencedor chegasse.

César é presenteado pelo bajulador rei do Egito com a cabeça de Pompeu em
uma bandeja. Tela de Tiepolo (séc. XVIII)

Hipocritamente o chorou e decretou-lhe grandes honras fúnebres, depondo o reizinho bajulador e pondo no trono a jovem e linda princesa Cleópatra que logo se tornou sua amante. Conta a lenda que o rei seu irmão a tinha banido da corte e ela conseguiu chegar ao gabinete de César enrolada em um tapete para expor o seu caso, porém tudo indica que o conquistador deu mais valor ao seu poder de sedução do que aos seus argumentos e a pôs no trono do Egito. Contudo, o seu romance com a bela Cleópatra, vinte e cinco anos mais jovem, não arrefeceu seu ânimo combativo nem o deixou inativo e aproveitou sua estadia no Oriente para submeter ao domínio romano toda a Ásia mediterrânea. Quando um rei local o desafiou, ele o derrotou tão rápido que se limitou a informar o fato ao Senado em brevíssima mensagem: “Vim, vi e venci”!

Cleópatra entrou no gabinete de César enrolada em um tapete e ele a
nomeou rainha do Egito. Tela de Jean-Léon Gerôme (1866)

Por fim voltou a Roma em meio a ruidosas comemorações e homenagens nunca vistas antes. Deram-lhe pela quarta vez o título de “Imperator” (Pompeu recebera o título seis vezes) e o elegeram Ditador pela quinta vez. Ele demonstrou grande magnanimidade com os antigos adversários, perdoando a maioria e punindo com o exílio apenas os mais renitentes e perigosos. Também confiscou seus vastos latifúndios e os repartiu com os soldados e agricultores pobres. Nessa ocasião publicou sua segunda obra-prima literária: “A Guerra Civil”. Procurando sanar os enormes estragos da guerra, iniciou grande plano de obras públicas e ousado programa de reformas políticas e sociais. Para alcançar seus corretos objetivos nomeou muitos novos senadores e a enorme maioria que já tinha no povo refletiu-se em grande maioria também no Senado, que o elegeu “Ditador Vitalício”. César finalmente alcançara o poder absoluto!

Ao chegar ao senado na manhã de 15 de março de 44 AC  os assassinos fingem apresentar-lhe  petições
para distraí-lo enquanto um deles o apunhá-la pelas costas. Tela de Karl von Piloty (1865)

Na manhã de 15 de março de 44 AC ele acordou indisposto e cedeu aos insistentes pedidos de sua esposa Calpúrnia para que não saísse de casa naquele dia. Assim, mandou mensageiro ao senado informando-o de que não iria à sessão, mas um grupo de conspiradores, entre os quais o seu afilhado e protegido Brutus, veio visitá-lo a pretexto de "saber da sua saúde" e o convenceu a comparecer mesmo estando adoentado. Brutus foi quem mais insistiu para que ele fosse à sessão, dizendo-lhe que nela seriam discutidos importantes assuntos carentes de sua aprovação e não era aceitável que um simples mal-estar "impedisse o grande César de prestar seus serviços à pátria". Atendendo aos apelos dos "amigos", ele mudou de ideia e serenamente deu o primeiro passo para sair da vida e entrar na História.


     

5 comentários:

  1. Fantástica análise. Riquíssima em detalhes. Desconhecia essa morte de Crasso, por exemplo, e não sabia de onde tinha vindo a "Vini, vidi vici",famosa frase de César e nem muito menos como ele ascendeu, e o porquê de ter sido escolhido. Enfim, enfim, muito bom mesmo!

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  2. Obrigado, Vítor. Como vê, colho as versões dos fatos objetivamente e os relato de forma leve, lógica e sem preocupações acadêmicas, pedantes ou tendenciosas. Não desprezo as condições sociais e econômicas em meio às quais os homens atuam, porém dou mais importância às suas intrínsecas condições pessoais. Afinal de contas, o Homem é o autor da História!

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  3. Muito rico o texto, este é o melhor texto que já li sobre o assunto. Parabéns pelo ótimo trabalho.

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  4. Excelente texto, como já é habitual. Leve, mas rico em informação. Parabéns.

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  5. Faço das minhas as mesmas palavras dos precedentes...
    Eu aprendo muito aqui, sua narrativa é intensa, brilhante e motivacional.
    Ave Virgílio, semper!!!

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