quinta-feira, 2 de junho de 2011

Post nº 40

A  MORTE  DO  REI  ARTHUR

"Morte D'Arthur" - Quadro célebre de Edward Burne Jones (séc. XIX). Escola Rafaelita

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Há várias versões sobre a morte de Arthur, todas elas mais ou menos lendárias, porém a mais provável diz que ele morreu por ferimentos causados por seu sobrinho Mordred na batalha do rio Camlaan, na qual Arthur o matou. Vejamos como frei Gildasius Pisanensis conta o fato em seu manuscrito do século VI há pouco descoberto.

           
Arthur estava confiante em uma vitória definitiva ainda no outono, mas Mordred já descobrira a posição de cada batalhão e sabia exatamente onde estava o batalhão do rei. Assim, reuniu os mil e quinhentos homens que lhe restavam depois das perdas sofridas até então, preparou a emboscada em um vasto local descampado cercado de florestas às margens do riacho Canlaan, onde havia uma velha ponte romana que Arthur deveria atravessar em sua marcha, e se escondeu na floresta na noite anterior à sua presumível passagem. Porém Arthur tivera uma ligeira indisposição e resolvera atrasar a marcha em um dia, de sorte que papéis foram trocados e quem chegou ao local foi o batalhão de Gwain, que estava à sua esquerda.

Arthur e suas tropas. Note-se as bandeiras com imagens de dragões herdadas do seu pai Uther, cognominado "O Senhor dos Dragões" - gravura medieval

     
Amanhecia e o nevoeiro não permitiu Mordred ver a diferença, atacando o seu primo e o esmagando após uma hora de luta feroz. Gwain e quase todos os seus homens morreram, mas alguns escaparam e foram relatar a Arthur o desastre, dizendo-lhe que o inimigo possuía tropas quatro vezes mais numerosas do que qualquer batalhão real isolado, fazendo-o decidir-se a esperar a chegada dos batalhões de Kay, Tristan e Bors, acampados próximos e imediatamente chamados. Quando Kay e Tristan chegaram, ele resolveu marchar para o local da batalha, apesar da prudência dos seus generais que o aconselhavam a esperar a chegada de Bors para só então atacarem em igualdade de condições. Porém Arthur estava temeroso de que Mordred fugisse antes e decidiu atacar de qualquer maneira, pois ficara furioso com o tratamento que ele dera a Gwain, pendurando-o nu pelos pés no galho de uma árvore após mutilar seu cadáver. Gwain lutara bravamente e infligira às tropas de Mordred severas baixas, porém ele ainda dispunha de boa superioridade numérica sobre os batalhões de Arthur que marchavam ao seu encontro, mas como não sabia disso decidira fugir após constatar o seu engano, tal como o rei previra.

O cavaleiro negro estava dividindo novamente seus homens em bandos e lhes designando as áreas de operações quando Arthur atacou com toda força. Apesar da superioridade numérica, os indisciplinados facínoras de Mordred não eram adversários à altura dos soldados de Arthur e começaram a recuar lentamente para o outro lado do riacho através da velha ponte, pois as chuvas dos dias anteriores o tinham transformado em caudaloso rio, impossível de ser cruzado a nado por homens vestidos com pesadas armaduras. Um quarto dos rebeldes já estava do outro lado quando Bors chegou pela mesma margem e os enfrentou de igual para igual. Mordred era um carniceiro brutal, mas era astuto e inteligente: percebeu que se todos os seus homens fossem para o outro lado e ele bloqueasse a passagem, poderia aniquilar Bors sob o olhar impotente do rei: quando finalmente fugisse teria destruído os batalhões de dois dos seus mais importantes generais. Assim, ordenou que suas tropas a cruzassem depressa e liquidassem Bors enquanto ele e seus ferozes seguidores detinham o adversário na margem oposta. Vendo o seu velho camarada ser massacrado, o rei redobrou seus esforços e em desespero foi abrindo largos claros à sua volta até deparar-se frente a frente com o cavaleiro negro na entrada da ponte. Parou diante dele e autoritário ordenou aos demais: “Deixem o canalha comigo”!

Era uma velha tradição celta que quando dois líderes inimigos se enfrentassem cara a cara os seguidores de ambos se afastariam e deixariam os dois combaterem até que um vencedor surgisse. Neste caso os seguidores do líder derrotado se renderiam. Iniciou-se então o mais famoso duelo individual de que se tem notícia. Embora tivesse a metade da idade do tio, logo ficou claro que Mordred não era adversário para Arthur, e foi lentamente recuando até o meio da ponte.

Galahad. Embora seja considerado um
dos maiores cavaleiros de Arthur, ele
não lutou na batalha do Canlaam

       
Bors e seu batalhão já tinham sido esmagados e todas as tropas rebeldes estavam na margem atrás de Mordred enquanto as tropas reais estavam na margem atrás de Arthur, de modo que ambas as margens estavam ocupadas pelos partidários dos seus respectivos campeões e assistiam em silêncio mortal o terrível embate. De repente a espada de Arthur, apelidada excalibur, fez um gracioso volteio no ar e penetrou fundo no peito de Mordred por entre as brechas da sua armadura. O cavaleiro negro cambaleou e caiu pesadamente ainda segurando a sua espada, enquanto o rei voltava-se para os seus soldados com excalibur erguida para o alto em sinal de vitória e era por eles aplaudido delirantemente. Então fez uma coisa idiota: na embriaguez da vitória, ao invés de aproximar-se do inimigo por trás para dar-lhe o golpe final na garganta, aproximou-se de frente para tirar-lhe o capacete e cortar-lhe a cabeça como o seu pai costumava fazer. Quando se curvou confiante para executar a tarefa, Mordred reuniu suas últimas forças e com a espada que ainda segurava golpeou a ilharga do tio; ele recuou um pouco, mas voltou e deu o golpe de misericórdia no traiçoeiro inimigo. Curvou-se novamente, tirou-lhe o elmo, suspendeu-o pelos cabelos e cortou-lhe a cabeça, exibindo-a triunfante enquanto as tropas adversárias fugiam em pânico e embrenhavam-se na floresta adjacente. Foi só então que o rei se apoiou em um dos seus soldados e todos viram que ele estava gravemente ferido. Prestaram-lhe os socorros de emergência, mas a ferida era profunda e por mais que tentassem não conseguiram parar a lenta sangria. Kay ordenou que o rei e todos os soldados feridos fossem postos em padiolas e levados ao castelo de Avalon na manhã seguinte, pois embora o castelo ficasse bastante próximo, a tarde já chegava ao fim; a esperança era de que se Arthur conseguisse atravessar a noite os poderes mágicos de Morgana lhe salvariam a vida e curariam os demais feridos no outro dia. Ele dormiu a noite inteira, e quando todos partiram ao amanhecer a sangria cessara e ele estava lúcido, chegando a trocar palavras com os enfermeiros. 

Ao meio-dia a longa procissão avistou o castelo e todos ficaram encantados com a sua beleza: era cercado de vasto pomar em um alto que se elevava do lago criado pelas últimas chuvas, de forma que para alcançá-lo tinham de usar balsas e canoas. Avisados da catástrofe, Merlin, eu e a rainha chegamos dois dias depois e demos graças a Deus por encontrarmos Arthur vivo e conversando: a opinião de Merlin de que Morgana possuía poderes excepcionais era verdadeira. Ambos tiveram uma longa conversa que ele me resumiu apreensivo: Morgana lhe dissera que se a ferida tivesse sido feita por mão estranha Arthur escaparia, mas como fora feita por gente do seu sangue as chances eram remotas.

O romance medieval tinha uma visão irrealista
do Graal, pois sendo cálice de um carpinteiro
ele devia ser de madeira
           
     
A grande maioria dos soldados tratados por Morgana se recuperou rápido, mas após uma semana a febre de Arthur se elevou e ele começou a delirar, alternando momentos de lucidez com momentos de inconsciência. Desde que chegara, Merlin não saíra da sua cabeceira, aplicando toda a sua ciência médica no tratamento do sobrinho, porém no fim da segunda semana me chamou e disse: “Não há mais esperança; ele morrerá dentro de algumas horas; vamos rezar uma missa na sua presença e ministrar-lhe os últimos sacramentos”. Falou que não tinha condições emocionais de rezar o ofício e me pediu para fazê-lo. Senti-me honrado e o rezei em frente à cama do rei, que estava ladeado pelo tio, a esposa e a irmã acompanhada de algumas seguidoras. Quando pus na sua boca a sagrada hóstia ele saiu do torpor e tomou das minhas mãos o cálice de ouro reluzente exclamando: O Graal! O Santo Graal! Eu finalmente o encontrei!

Apertou o cálice contra o peito e morreu.







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