Post nº 41
CONDE DRÁCULA - O FALSO VAMPIRO QUE DESAFIOU O IMPÉRIO TURCO
Após vencerem os húngaros em 1444 na batalha de Varna os turcos exigiram a submissão da Transilvânia e da Valáquia, mas o conde Drácula os enfrentou durante anos. Tela de Stanislaw Chlebowski (1885) |
Nenhum personagem fez brotar tantas lendas nem incendiou tanto a imaginação das pessoas em apenas um século quanto o Conde Drácula e, com certeza, nenhum se tornou uma mina de ouro tão rentável para escritores e cineastas em tão curto espaço de tempo, se considerado este do amplo ponto de vista histórico. O personagem foi tão vulgarizado e banalizado que hoje causa mais riso que terror, ao contrário do que ocorria na primeira metade do século XX, quando o romance gótico “Drácula” de Bram Stocker se tornou best-seller mundial e os filmes que inspirou aterrorizavam as platéias dos cinemas.
Essa extrema vulgarização fez com que quase todos tenham “Drácula” como ficção e não como personagem real de forte presença na História do sudeste europeu no final da Idade Média. Para o historiador quatro perguntas se impõem e exigem respostas: 1) Drácula realmente existiu? 2) Se existiu, quem foi ele? 3) Era realmente um “vampiro” que bebia o sangue das pessoas? 4) Se era, ele ressuscita à noite, assume formas de animais, voa, não se reflete nos espelhos, alho e água benta o afastam, não entra em local sagrado, treme diante da cruz e só a luz do sol ou uma estaca de madeira no coração podem matá-lo?
Comecemos pela primeira pergunta e a resposta é sim. Drácula realmente existiu e sua vida é relatada pela História da Romênia, é presente nos castelos que construiu e é registrada nas crônicas da Igreja Ortodoxa Romena, inclusive no seu destacado túmulo em um dos mais antigos, belos e venerados templos cristãos ortodoxos. Isto mostra que ele não somente existiu, como foi também pessoa muito importante, coisa que nos leva à segunda questão: “Quem foi ele”?
Conde Drácula, príncipe da Valáquia e da Transilvânia. Defensor da fé cristã ortodoxa e herói da independência romena |
Drácula nasceu nas primeiras décadas do século XV e era filho do Conde Vladislau, apelidado "Vlad Dracul”, Príncipe da Valáquia, vizinha da Transilvânia e no território do que é hoje a Romênia. “Dracul” em romeno significa “dragão” e era apelido que os súditos deram ao seu pai em homenagem à sua valentia, chamando-o de “Vlad o Dragão”. Como o garoto herdeiro da coroa tinha o mesmo nome do pai, o povo passou a chamá-lo de "Vlad Drácula”, ou seja, “Vlad o Dragãozinho”. A Valáquia era parte autônoma do Império Romano do Oriente com sede em Constantinopla, mais conhecido como “Império Bizantino”. Este enfrentava séria crise na época dos dois Vlad, pois estava cercado pelos turcos muçulmanos que o atacavam por todos os lados, reduzindo-o quase que só à cidade de Constantinopla e arredores. Foi quando os conquistadores chegaram à Valáquia e exigiram a integração do principado no Império Otomano. Incapaz de resistir ao inimigo muito mais poderoso, o velho “Dragão” contemporizou e para resistir tentou obter ajuda financeira dos mercadores alemães que dominavam a economia do país e ajuda militar da Hungria, reino cristão e quase vizinho.
Não conseguiu nada, seja porque os mercadores alemães só pensavam em lucros e punham o dinheiro acima de tudo, seja porque eram de religião cristã católica em um país de religião cristã ortodoxa e lhes era indiferente terem como senhores cristãos ortodoxos ou muçulmanos sunitas. Os húngaros tinham sido derrotados pelos turcos em 1444 na grande batalha de Varna e desde então pagavam tributo aos vencedores em consequência de um Tratado de Paz humilhante, por isso seu maior interesse era mantê-los afastados, mas o fato de serem católicos e não quererem briga com o poderoso Império Otomano os impedia de maiores amizades com os ortodoxos romenos, por quem não morriam de amores, e deram ao ortodoxo príncipe Vladislau apenas pequena ajuda militar. O resultado foi que o “Dragão” e o “Dragãozinho” foram derrotados, refugiando-se ambos na Hungria que os auxiliara, embora de forma modesta e quase simbólica.
O velho morreu no exílio e o jovem começou a tramar secretamente a retomada da Valáquia com os muitos partidários que lá deixara, pois os conquistadores tinham colocado no trono um títere inimigo da sua família, muito odiado pelo povo por suas estreitas relações com os opressores “infiéis”. A oportunidade surgiu em 1453 quando os turcos tomaram Constantinopla e dedicaram-se a cuidar apenas da riquíssima conquista, esquecendo lugares pobres e remotos como a Valáquia. Foi o bastante para Drácula destronar o usurpador e se firmar no poder sob os aplausos do povo e da Igreja Ortodoxa, pois além de fervoroso patriota era muito devoto e moralista: ladrões, blasfemadores, estupradores, sodomitas, adúlteros, incestuosos e demais tipos de pecadores eram sistematicamente executados pelo austero e severo príncipe.
Não conseguiu nada, seja porque os mercadores alemães só pensavam em lucros e punham o dinheiro acima de tudo, seja porque eram de religião cristã católica em um país de religião cristã ortodoxa e lhes era indiferente terem como senhores cristãos ortodoxos ou muçulmanos sunitas. Os húngaros tinham sido derrotados pelos turcos em 1444 na grande batalha de Varna e desde então pagavam tributo aos vencedores em consequência de um Tratado de Paz humilhante, por isso seu maior interesse era mantê-los afastados, mas o fato de serem católicos e não quererem briga com o poderoso Império Otomano os impedia de maiores amizades com os ortodoxos romenos, por quem não morriam de amores, e deram ao ortodoxo príncipe Vladislau apenas pequena ajuda militar. O resultado foi que o “Dragão” e o “Dragãozinho” foram derrotados, refugiando-se ambos na Hungria que os auxiliara, embora de forma modesta e quase simbólica.
A literatura e o cinema fizeram do conde Drácula vampiro aterrador. Cena do filme mudo "Nosferatu" do diretor alemão Frederico Murnau |
O velho morreu no exílio e o jovem começou a tramar secretamente a retomada da Valáquia com os muitos partidários que lá deixara, pois os conquistadores tinham colocado no trono um títere inimigo da sua família, muito odiado pelo povo por suas estreitas relações com os opressores “infiéis”. A oportunidade surgiu em 1453 quando os turcos tomaram Constantinopla e dedicaram-se a cuidar apenas da riquíssima conquista, esquecendo lugares pobres e remotos como a Valáquia. Foi o bastante para Drácula destronar o usurpador e se firmar no poder sob os aplausos do povo e da Igreja Ortodoxa, pois além de fervoroso patriota era muito devoto e moralista: ladrões, blasfemadores, estupradores, sodomitas, adúlteros, incestuosos e demais tipos de pecadores eram sistematicamente executados pelo austero e severo príncipe.
Para resistir aos turcos, ele viu que precisava de um poderoso exército, mas o país era pobre e quase toda a riqueza estava nas mãos dos mercadores alemães que exploravam o povo sem piedade. Eles eram originários das cidades mercantis alemães do mar Báltico e tinham se instalado na região há mais de 200 anos com a preciosa ajuda militar da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, seus conterrâneos. Quando a Ordem foi expulsa pelos húngaros e mudou-se para a Prússia, os mercadores alemães continuaram a dominar a economia regional sem se integrar à sua sociedade, porém eram os donos do dinheiro e Drácula foi a eles fingindo humildade e amizade, prometendo-lhes ainda mais lucros caso o ajudassem. Disseram-lhe que pensariam no assunto e aceitaram o seu gentil convite para um banquete no castelo a fim de celebrarem o possível reatamento da “velha amizade”. Todos foram, e em meio à festa Drácula os prendeu e deu-lhes pavoroso castigo por seu agir ganancioso, alheio aos interesses do país: a EMPALAÇÃO! Tudo indica que Drácula descobrira que o "Terror de Estado" podia ser usado com tremenda eficiência.
Drácula tinha vários castelos nas montanhas de onde guerreava os turcos otomanos. Este construído pelos Cavaleiros Teutônicos no século XIII é o mais famoso |
Cerca de 200 ricos mercadores alemães foram espetados pelo ânus em estacas pontudas espalhadas pelo país e todos viram que o “Dragãozinho” virara terrível dragão de verdade. Drácula confiscou seus bens e armou poderoso exército, rapidamente conquistando a vizinha Transilvânia e lá também empalando os prisioneiros turcos junto com os seus títeres e colaboradores. A Igreja e o povo viram que um campeão da causa nacional havia surgido e correram a apoiá-lo, aclamando-o também Príncipe da Transilvânia. Quem não o apoiasse com dedicado empenho já sabia que a empalação o esperava. Surpresos, os turcos lhe mandaram um embaixador para informá-lo de que caso não se submetesse seria esmagado como um inseto. Sua resposta foi mandar ao Sultão a cabeça do embaixador numa rica caixa de presentes! Indignados, os turcos o atacaram com força, mas ele os venceu, fazendo dez mil prisioneiros e os empalando numa fileira que se estendia por toda a fronteira dos seus pobres principados com o rico e poderosíssimo Império Otomano.
Irados com o atrevimento e a extrema crueldade de Drácula, os turcos lhe mandaram várias expedições punitivas, mas ele as venceu e solidificou o seu reino de terror, pois se tornara muito desconfiado e empalava qualquer suspeito. Quando os otomanos finalmente o derrotaram, ele refugiou-se em castelos nas montanhas e continuou a luta até exaurir-se e de novo exilar-se na Hungria. Lá, casou com uma jovem da família real e ficou por vários anos, até que nova oportunidade surgiu e ele voltou, reeditando as façanhas anteriores. Por fim, foi derrotado e morto. Os turcos lhe cortaram a cabeça e a mandaram para Constantinopla, onde ficou durante semanas em uma estaca fincada em praça pública para gáudio popular. Porém, ainda no campo de batalha, piedosos padres ortodoxos suplicaram ao general turco que o corpo do seu príncipe lhes fosse entregue para ser sepultado, no que foram atendidos. O limparam e o vestiram com roupas riquíssimas, sepultando-o com pompa em importante templo sob genuínas manifestações de pesar do povo. A partir daí, Drácula passou a ser tido como bravo defensor da fé cristã ortodoxa e herói da independência romena.
Irados com o atrevimento e a extrema crueldade de Drácula, os turcos lhe mandaram várias expedições punitivas, mas ele as venceu e solidificou o seu reino de terror, pois se tornara muito desconfiado e empalava qualquer suspeito. Quando os otomanos finalmente o derrotaram, ele refugiou-se em castelos nas montanhas e continuou a luta até exaurir-se e de novo exilar-se na Hungria. Lá, casou com uma jovem da família real e ficou por vários anos, até que nova oportunidade surgiu e ele voltou, reeditando as façanhas anteriores. Por fim, foi derrotado e morto. Os turcos lhe cortaram a cabeça e a mandaram para Constantinopla, onde ficou durante semanas em uma estaca fincada em praça pública para gáudio popular. Porém, ainda no campo de batalha, piedosos padres ortodoxos suplicaram ao general turco que o corpo do seu príncipe lhes fosse entregue para ser sepultado, no que foram atendidos. O limparam e o vestiram com roupas riquíssimas, sepultando-o com pompa em importante templo sob genuínas manifestações de pesar do povo. A partir daí, Drácula passou a ser tido como bravo defensor da fé cristã ortodoxa e herói da independência romena.
Um dos castelos de Drácula. Estava em ruínas, mas foi totalmente restaurado pelo governo romeno
Como então surgiram as absurdas histórias constantes das 3ª e 4ª questões? A resposta é que não sabemos e podemos apenas especular. Temos uma teoria relatada a seguir sem qualquer pretensão à verdade, mas tudo indica que é a mais lógica. Acreditamos que com o passar do tempo, numa época em que havia poucos livros e quase ninguém sabia ler, a história real foi aos poucos substituída pelo mito, como sempre ocorre com fatos e pessoas que incendeiam a imaginação popular e se incorporam à tradição oral, passando de boca em boca e de geração a geração com todos os acréscimos e modificações implícitos em tal processo. Depois de décadas, a única lembrança de Drácula na mente ingênua do povo comum era a da sua crueldade, pois a gente simples geralmente se ocupa mais de fatos concretos ligados à sua dura luta diária pela sobrevivência do que de fatos abstratos, como “defesa da fé”, “independência da pátria” e outros fora do seu estreito horizonte existencial. A lenda de que Drácula, além de empalar os inimigos, também lhes bebia o sangue deve ter surgido naturalmente e o fizeram “bicho papão” imortal, do tipo que as mães invocam para assustar as crianças: “se você não se comportar, o DRAGÃOZINHO virá voando morder o seu pescoço e beber seu sangue”!
As histórias ouvidas na infância certamente viraram contos na idade adulta e deviam ser relatados nos serões noturnos sempre com novos ingredientes que faziam o “monstro” ainda mais poderoso e terrível. Isto deve ter se generalizado cerca de dois séculos após sua morte quando os padres reformaram a igreja onde ele fora sepultado e os operários ao abrirem o seu túmulo por necessidade de serviço o acharam vazio. A história espalhou-se como vendaval e até mesmo os descrentes passaram a acreditar nas lendas: Drácula ressuscitara, fugira do solo sagrado e escondera-se em túmulo secreto num dos seus castelos nas montanhas, de onde saía à noite em forma de lobo ou de morcego para beber sangue humano, único alimento capaz de mantê-lo vivo dormindo no seu túmulo durante o dia!
O “mistério do túmulo vazio” jamais foi esclarecido e é o mais poderoso elemento da lenda de Drácula, mas nenhum registro histórico o acusa de vampirismo. Até porque se ele realmente fosse um vampiro a conservadora Igreja Cristã Ortodoxa jamais lhe daria o status que lhe deu. O secular atraso e a localização remota da Romênia impediram durante séculos que a lenda de Drácula se espalhasse pelo mundo, até que Bram Stocker a descobriu em pesquisas no Museu Britânico e nela viu ótimo material para um romance gótico. Nascia assim o "vampiro" Conde Drácula!
As histórias ouvidas na infância certamente viraram contos na idade adulta e deviam ser relatados nos serões noturnos sempre com novos ingredientes que faziam o “monstro” ainda mais poderoso e terrível. Isto deve ter se generalizado cerca de dois séculos após sua morte quando os padres reformaram a igreja onde ele fora sepultado e os operários ao abrirem o seu túmulo por necessidade de serviço o acharam vazio. A história espalhou-se como vendaval e até mesmo os descrentes passaram a acreditar nas lendas: Drácula ressuscitara, fugira do solo sagrado e escondera-se em túmulo secreto num dos seus castelos nas montanhas, de onde saía à noite em forma de lobo ou de morcego para beber sangue humano, único alimento capaz de mantê-lo vivo dormindo no seu túmulo durante o dia!
O “mistério do túmulo vazio” jamais foi esclarecido e é o mais poderoso elemento da lenda de Drácula, mas nenhum registro histórico o acusa de vampirismo. Até porque se ele realmente fosse um vampiro a conservadora Igreja Cristã Ortodoxa jamais lhe daria o status que lhe deu. O secular atraso e a localização remota da Romênia impediram durante séculos que a lenda de Drácula se espalhasse pelo mundo, até que Bram Stocker a descobriu em pesquisas no Museu Britânico e nela viu ótimo material para um romance gótico. Nascia assim o "vampiro" Conde Drácula!
Realmente é um dos artigos que melhor explica sobre o famoso Conde Dracula.
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