Post nº 52
AS ORIGENS DA CAVALARIA MEDIEVAL
Belo auto-relevo mostrando o imperador Marco Aurélio partindo para a guerra. Por ele se vê que o estribo não existia na antiguidade |
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Importa detalhar melhor a evolução da cavalaria através dos séculos para entender as razões pelas quais ela se tornou predominante na Idade Média, a ponto de constituir uma elaborada instituição não apenas militar, mas sobretudo social e política.
Como efetiva arma de guerra ela começa a ganhar importância no século IV AC com a vitória de Alexandre Magno sobre Dario na batalha de Gaugamelas, atinge o apogeu no século XII DC durante as cruzadas com as batalhas na Terra Santa entre o rei Ricardo Coração de Leão e o sultão Saladino, findando no século XV DC com a esmagadora vitória da plebeia infantaria inglesa sobre a fidalga cavalaria francesa na Batalha de Agincourt. Temos, portanto, uma "Cavalaria Antiga", que marca a Idade Clássica Greco-Romana, e uma "Cavalaria Medieval" que domina a Idade Média Europeia.
Três coisas diferenciam a Cavalaria Antiga da Cavalaria Medieval: a) aquela não conhece o estribo e esta não existiria sem ele; b) a primeira é basicamente arma de guerra e acessoriamente categoria social; já a segunda é o contrário; c) por ser basicamente arma de guerra, a Cavalaria Antiga é usada taticamente dentro de contextos teórico-militares onde atua como auxiliar da infantaria de exércitos a serviço de países, mas por ser basicamente categoria social a Cavalaria Medieval é usada estrategicamente em contextos teórico-militares onde a infantaria é mero auxiliar de exércitos a serviço de grupos de interesses.
Porém a própria Cavalaria Antiga tem a sua origem, pois ela não surgiu apenas porque existiam cavalos, mas porque foram inventadas novas táticas de combate por gênios militares. No caso da Cavalaria o gênio militar que a inventou foi Alexandre Magno durante a conquista do Império Persa, pois antes dele a arma que reinava soberana no Oriente Médio era o carro de combate, equivalente ao moderno tanque de guerra. Todos os grandes impérios anteriores a Alexandre possuiam grandes esquadrões dessa arma letal, na época considerada eficiente e moderna.
Carro de combate hitita do século XII AC |
Há evidências de que seus inventores foram os Egípcios, mas não há certeza. Até onde sabemos, os Egípcios, Hititas, Assírios e Babilônios os usaram amplamente. Os últimos foram os persas, cujos esquadrões sobre rodas foram destruídos por Alexandre que os substituiu por esquadrões de cavalaria altamente treinada. O grande mérito de Alexandre não foi descobrir que os carros eram inúteis em terrenos acidentados, pois de há muito os gregos sabiam disso, embora alguns príncipes como Aquiles os tivessem, porém os tinham mais por exibição de riqueza e prestígio do que por utilidade bélica, pois a Grécia era pobre em pastagens e por isso cavalos eram raros. O mensageiro que levou a Atenas a notícia da vitória de Maratona contra os persas correu 42 km a pé, mostrando que cavalos na Grécia quase não existiam e apenas os muito ricos os tinham.
Como ela não era um país no sentido moderno do termo, cada cidade grega gozava de soberania absoluta e tinha o seu próprio exército, formado apenas por cidadãos voluntários que desde a adolescência treinavam táticas de combate e tinham em casa seu próprio equipamento para usos eventuais, geralmente guerras contra cidades rivais. Tais exércitos raramente tinham mais de três mil homens e mesmo no auge da Guerra do Peloponeso os exércitos de Atenas e Esparta jamais chegaram a cinco mil soldados cada um. Toda a coalizão grega que enfrentou os persas na Batalha das Termópilas tinha cerca de seis mil combatentes, mas o hoplita (guerreiro grego de infantaria) tornara-se célebre em todo leste do Mediterrâneo e muitos viraram mercenários a serviço de poderosos reinos estrangeiros, como o egípcio e o persa. A obra de Xenofonte, A Retirada dos Dez Mil, narra o regresso de milhares de mercenários gregos que serviam ao rei da Pérsia e com ele romperam, sofrendo enormes vicissitudes no árduo caminho de volta.
O mérito principal de Alexandre foi criar táticas que derrotaram os soldados sobre rodas e deram supremacia à infantaria, pois o seu exército era pequeno e quase não tinha cavalaria. Por isso teve de elaborar modos inovadores para vencer os carros de combate nas planícies da Ásia Menor, onde eram senhores absolutos. Suas geniais táticas os aniquilaram, permitindo-lhe destruir a infantaria persa, muito inferior à grega, como evidenciado nas Guerras Médicas 150 anos antes. Com a fartura de cavalos capturados, seu segundo maior mérito foi abolir de vez o carro de guerra, substituindo-o pela cavalaria e marchando velozmente até os confins do mundo conhecido na época. Com o cavalo, ele tornou-se o único general até hoje que conseguiu dominar o Afeganistão. Depois conquistou o Paquistão e invadiu a Índia, derrotando os elefantes do rei Poros na batalha do rio Indo e fundando um reino grego no noroeste do subcontinente indiano.
O carro militar egípcio era mais leve e veloz que o hitita. Todos os impérios antigos o tiveram como
arma principal dos seus exércitos, mas no século IV AC Alexandre o substituiu pela cavalaria
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Como ela não era um país no sentido moderno do termo, cada cidade grega gozava de soberania absoluta e tinha o seu próprio exército, formado apenas por cidadãos voluntários que desde a adolescência treinavam táticas de combate e tinham em casa seu próprio equipamento para usos eventuais, geralmente guerras contra cidades rivais. Tais exércitos raramente tinham mais de três mil homens e mesmo no auge da Guerra do Peloponeso os exércitos de Atenas e Esparta jamais chegaram a cinco mil soldados cada um. Toda a coalizão grega que enfrentou os persas na Batalha das Termópilas tinha cerca de seis mil combatentes, mas o hoplita (guerreiro grego de infantaria) tornara-se célebre em todo leste do Mediterrâneo e muitos viraram mercenários a serviço de poderosos reinos estrangeiros, como o egípcio e o persa. A obra de Xenofonte, A Retirada dos Dez Mil, narra o regresso de milhares de mercenários gregos que serviam ao rei da Pérsia e com ele romperam, sofrendo enormes vicissitudes no árduo caminho de volta.
Após derrotar os carros de guerra persas e subjugar o seu império, Alexandre derrotou os elefantes de
guerra indianos e fundou um reino grego no noroeste da Índia
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O mérito principal de Alexandre foi criar táticas que derrotaram os soldados sobre rodas e deram supremacia à infantaria, pois o seu exército era pequeno e quase não tinha cavalaria. Por isso teve de elaborar modos inovadores para vencer os carros de combate nas planícies da Ásia Menor, onde eram senhores absolutos. Suas geniais táticas os aniquilaram, permitindo-lhe destruir a infantaria persa, muito inferior à grega, como evidenciado nas Guerras Médicas 150 anos antes. Com a fartura de cavalos capturados, seu segundo maior mérito foi abolir de vez o carro de guerra, substituindo-o pela cavalaria e marchando velozmente até os confins do mundo conhecido na época. Com o cavalo, ele tornou-se o único general até hoje que conseguiu dominar o Afeganistão. Depois conquistou o Paquistão e invadiu a Índia, derrotando os elefantes do rei Poros na batalha do rio Indo e fundando um reino grego no noroeste do subcontinente indiano.
Alexandre foi o primeiro Grande Rei a combater a cavalo e substituiu os esquadrões de carros por
esquadrões de cavalaria. Com a nova arma ele conquistou todo o mundo conhecido na época
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Apesar de mesmo com Alexandre a cavalaria não ser a arma principal e funcionar apenas como valioso auxiliar da infantaria, vê-se que utilizando-a inteligentemente ele não somente derrotou grandes esquadrões de carros como também grandes esquadrões de elefantes, o que é quase inacreditável. As suas façanhas militares não têm igual na História e nos deixam ainda mais abismados ao sabermos que ele, assim como todos os generais dos mil anos seguintes, conseguiu usar a cavalaria como eficiente arma de guerra sem contar com um apetrecho equestre essencial ao bom manejo do cavalo: o estribo!
Embora não saibamos onde e quando o estribo foi inventado, nem quem o inventou, sabemos que no final do século V surgiram na Europa as primeiras pinturas de cavaleiros usando-os. Assim, é provável que os seus inventores tenham sido os hábeis cavaleiros das estepes russas, onde o cavalo era abundante, e tenha sido trazido ao Império pelos godos no final do século IV, quando emigraram em massa para o seu território fugindo dos temíveis cavaleiros hunos, mas isso é muito duvidoso porque não há evidências de que hunos usassem estribos. Também não está excluída a hipótese de que os próprios romanos o tenham inventado no mesmo período, pois, embora não possuíssem o dom da originalidade, eram práticos e criativos quando se tratava da arte da guerra, mas disso também não temos provas.
O que sabemos de concreto sobre o papel da cavalaria no final do Império Romano é que devido à anarquia política e militar do século III o Império ficara empobrecido e a famosa Legião Romana, com seus milhares de homens agrupados em esquadrões de infantaria, teve os seus efetivos reduzidos. Isto trouxe a necessidade de adaptá-la aos novos tempos, compensando maior fraqueza com maior mobilidade, o que só poderia ocorrer com o uso mais intensivo do cavalo. Aos poucos, as coortes a pé foram substituídas por coortes montadas e no final do Império a cavalaria finalmente se tornou mais importante que a infantaria no exército romano, embora não tanto quanto se tornaria na Idade Média.
No final do século IV, no reinado de Teodósio, o exército era bem menor do que fora no reinado de Trajano três séculos antes, mas um terço dele estava montado a cavalo e era muito mais ágil do que no passado. Devido à nova importância da cavalaria, não é de se duvidar tenham os práticos fabricantes de arreios criado o estribo para torná-la mais eficiente, mas não há certeza. Tudo que sabemos é que o ótimo equipamento eqüestre não existia antes, pois não há pinturas, gravuras ou esculturas mais antigas onde ele esteja presente. Os gregos e os romanos não cultivavam o gênero estátua eqüestre, só o fazendo muito raramente. A única que nos chegou é a do imperador Marco Aurélio, esculpida no final do século II, na qual o estribo não aparece.
Devido à pobreza artística dos séculos posteriores, muitos argumentam que as poucas gravuras supostamente da época são bem mais recentes e que o estribo só apareceu na Europa no século VII ou VIII, final da Alta Idade Média, o que nos parece bem mais provável, pois é só no século VIII que surgem grandes exércitos inteiramente a cavalo e travando importantes batalhas, como a de Poitiers entre cristãos e muçulmanos no sudoeste da França.
Embora não saibamos onde e quando o estribo foi inventado, nem quem o inventou, sabemos que no final do século V surgiram na Europa as primeiras pinturas de cavaleiros usando-os. Assim, é provável que os seus inventores tenham sido os hábeis cavaleiros das estepes russas, onde o cavalo era abundante, e tenha sido trazido ao Império pelos godos no final do século IV, quando emigraram em massa para o seu território fugindo dos temíveis cavaleiros hunos, mas isso é muito duvidoso porque não há evidências de que hunos usassem estribos. Também não está excluída a hipótese de que os próprios romanos o tenham inventado no mesmo período, pois, embora não possuíssem o dom da originalidade, eram práticos e criativos quando se tratava da arte da guerra, mas disso também não temos provas.
Estátua equestre do século II DC mostrando o imperador
Marco Aurélio a cavalo sem o uso de estribos
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O que sabemos de concreto sobre o papel da cavalaria no final do Império Romano é que devido à anarquia política e militar do século III o Império ficara empobrecido e a famosa Legião Romana, com seus milhares de homens agrupados em esquadrões de infantaria, teve os seus efetivos reduzidos. Isto trouxe a necessidade de adaptá-la aos novos tempos, compensando maior fraqueza com maior mobilidade, o que só poderia ocorrer com o uso mais intensivo do cavalo. Aos poucos, as coortes a pé foram substituídas por coortes montadas e no final do Império a cavalaria finalmente se tornou mais importante que a infantaria no exército romano, embora não tanto quanto se tornaria na Idade Média.
A legião romana era constituída basicamente pela infantaria. Só no último século
do Império foi que a cavalaria sobrepujou a importância da infantaria
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No final do século IV, no reinado de Teodósio, o exército era bem menor do que fora no reinado de Trajano três séculos antes, mas um terço dele estava montado a cavalo e era muito mais ágil do que no passado. Devido à nova importância da cavalaria, não é de se duvidar tenham os práticos fabricantes de arreios criado o estribo para torná-la mais eficiente, mas não há certeza. Tudo que sabemos é que o ótimo equipamento eqüestre não existia antes, pois não há pinturas, gravuras ou esculturas mais antigas onde ele esteja presente. Os gregos e os romanos não cultivavam o gênero estátua eqüestre, só o fazendo muito raramente. A única que nos chegou é a do imperador Marco Aurélio, esculpida no final do século II, na qual o estribo não aparece.
Devido à pobreza artística dos séculos posteriores, muitos argumentam que as poucas gravuras supostamente da época são bem mais recentes e que o estribo só apareceu na Europa no século VII ou VIII, final da Alta Idade Média, o que nos parece bem mais provável, pois é só no século VIII que surgem grandes exércitos inteiramente a cavalo e travando importantes batalhas, como a de Poitiers entre cristãos e muçulmanos no sudoeste da França.
O pesadamente couraçado cavaleiro medieval não poderia ter existido
se não fosse a invenção do estribo
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Após as invasões bárbaras e a queda do Império Romano, a invenção do estribo permitiu que a cavalaria se tornasse a principal arma de guerra durante a Idade Média, mas o alto preço das sofisticadas armaduras do cavaleiro e do cavalo a tornaram privilégio dos nobres ricos. Um nobre que não tivesse suficiente fortuna jamais poderia ser cavaleiro, pois aos custos das couraças e armas somavam-se as despesas com cavalos, escudeiros, pagens, demais criados e todo o necessário aparato ao seu cuidado e manutenção.
De sua origem modesta no século IV AC como veloz transporte de tropas e excelente auxiliar da infantaria pelas mãos de Alexandre, a Cavalaria evoluiu de simples arma de guerra para tornar-se categoria sócio-militar no século VIII DC e reinar suprema como máxima expressão militar da nobreza européia durante toda a Idade Média, só vindo a eclipsar-se às vésperas do seu final no século XV.
A Cavalaria Medieval nascerá e viverá à sombra dos castelos de poderosos senhores
feudais, sedes do poder temporal na Europa após o fim do Império Romano
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De sua origem modesta no século IV AC como veloz transporte de tropas e excelente auxiliar da infantaria pelas mãos de Alexandre, a Cavalaria evoluiu de simples arma de guerra para tornar-se categoria sócio-militar no século VIII DC e reinar suprema como máxima expressão militar da nobreza européia durante toda a Idade Média, só vindo a eclipsar-se às vésperas do seu final no século XV.
Lindo texto. Muito bem escrito. O assunto é absolutamente original. Há mais ainda a ser explorado sobre o assunto e acredito q o autor continue sua jornada. Em Leuven, na Bélgica, um enorme barracão - no centro da cidade, foi no período Medieval, a cavalariça. Tds as antigas cidades trazem marcas da importância dos cavalos como meio de transporte. Parabéns Virgílio!
ResponderExcluirObrigado, Dahl. O objetivo do blog é atrair o interesse das pessoas para o estudo de História abordando por ângulos novos temas antigos tratados de forma convencional e rotineira pela maioria dos historiadores. O papel militar, econômico, social e político da Cavalaria é desses assuntos que jamais merecem estudo mais aprofundado e tento corrigir a lacuna. Grande abraço!
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