quarta-feira, 27 de março de 2013

Post nº 70

VALENTINIANO  III  -  O  IMPERADOR  MORTO EM PRAÇA PÚBLICA POR
SEUS PRÓPRIOS GUARDAS

Valentiniano III - efígie em moeda romana da época



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Valentiniano III subiu ao trono com apenas seis anos de idade após a sua mãe Galla Placídia depor o imperador Johannes. Além de depô-lo, mandou cortar-lhe a língua e a mão direita, depois o vestiu de palhaço e o fez desfilar pelas ruas montado de costas em um  burro até o local da execução em um circo, onde o decapitaram sob os aplausos da cruel multidão. Morto o antigo imperador, Galla Placídia governou o Império Romano por vários anos durante a menoridade do filho, tendo como primeiro ministro e principal apoio o brilhante general Flávio Aécio, com o qual entrara em acordo logo após a deposição de Johannes. Militar competente e político habilidoso, Aécio continuou no cargo após a coroação do jovem imperador e tudo indica que Placídia continuou a mandar tanto quanto mandava antes, pois era uma raposa política e uma administradora de primeira categoria. Quando ela morreu, Aécio perdeu muito do antigo prestígio, mas foi mantido no cargo e em 451 e 452 obteve grandes vitórias contra os Hunos.Mas suas vitórias em nada contribuíram para aumentar-lhe o prestígio e aumentaram o número dos seus inimigos invejosos, que passaram a conspirar contra ele junto ao cretino Valentiniano, também invejoso da fama e do poder militar do fiel ministro.

A relação com seu glorioso ministro deteriorou-se e a conspiração dos invejosos teve sucesso quando em outubro de 454 ele assassinou Aécio traiçoeiramente durante reunião ministerial em Ravena, deixando em todos a convicção de que o incompetente imperador “agira como o louco que corta a sua mão direita com a sua mão esquerda”. Nos últimos vinte e cinco anos Aécio não só conseguira manter de pé o cambaleante Império Romano do Ocidente, rechaçando todas as invasões bárbaras que irrompiam pelas suas frágeis fronteiras, como mantivera no poder a imperatriz Galla Placídia e o filho, sufocando todas as revoltas e tentativas de Golpe contra eles. Seu maior feito dera-se três anos antes quando organizara poderosa coalizão de tribos bárbaras romanizadas e expulsara da Gália o famoso Átila o Huno, obrigando-o a regressar ao seu reino na Hungria. No ano seguinte Átila atacara novamente, devastando o norte da Itália, mas Aécio lhe opôs tenaz guerra de guerrilhas e poucos meses depois o temível “Flagelo de Deus” se vira obrigado a retirar-se da Itália e regressar às suas bases na Europa Central. Muitos estranhavam que desfrutando de tanto poder militar e político jamais tivesse Aécio ambicionado a coroa imperial e preferido manter no trono o reles Valentiniano III, indivíduo cruel e corrupto cuja principal atividade era o jogo de azar com um bando de comparsas tão viciosos quanto ele. Assim, quando por motivos que permanecem obscuros até hoje ele apunhalou Aécio durante a reunião do ministério no palácio imperial, oficiais fanaticamente leais a Aécio começaram a tecer a teia para vingarem-se da imunda serpente traiçoeira que costumava passar o inverno em Roma em meio à desenfreadas orgias.

Esses oficiais escolheram cuidadosamente bravos soldados que haviam servido sob as ordens de Aécio e a ele eram também fanaticamente dedicados, introduzindo-os na guarda imperial através do prestigioso senador e cortesão Petrônio Maximus, membro da poderosa família Anicia e amigo íntimo do imperador que aderira à conspiração após passar a odiá-lo secretamente.

A história oficial diz que Petrônio Maximus conspirou contra Valentiniano depois que este ganhou o seu anel de ouro com sinete em uma mesa de jogo. Como o debochado imperador há tempos cobiçava a bela esposa de Maximus utilizou-se do sinete impresso no anel para mandar-lhe mensagem fingindo-se seu marido e pedindo-lhe para encontrá-lo nos aposentos da imperatriz Eudoxia, que estava ausente. A esposa de Maximus foi e Valentiniano a possuiu aproveitando-se da escuridão reinante no ambiente, mas quando a nobre dama descobriu o engodo ficou indignada e relatou o fato ao marido, o qual jurou vingar-se do ultraje lavando com sangue a sua honra manchada pelo devasso imperador.

Essa versão, cuidadosamente espalhada pelos devotos historiadores da época interessados em agradar o corrupto sucessor de Valentiniano, não tem lógica e deve ser descartada como falsa e ridícula, pois Petrônio Maximus não tinha honra alguma. Na verdade ele era um dos mais depravados comparsas de Valentiniano em toda sorte de orgias, perversões sexuais repulsivas e vícios imundos, entre os quais estavam a bebedeira descontrolada e o desenfreado jogo de azar.


Centro de Roma no século V, época de Valentiniano III - maquete

Bem mais lógica e plausível é a versão anedótica que circulou entre o povo e que chegou até nós através de carta de uma nobre dama da época, recentemente descoberta. Segundo essa versão, o que realmente aconteceu foi que certa noite Maximus perdeu no jogo para Valentiniano soma muito alta. Tentando recuperá-la, apostou o seu valiosíssimo anel e perdeu. Não tendo mais nada para apostar na ocasião, Valentiniano o desafiou a apostar a própria esposa contra tudo o que já havia perdido e o corrupto Maximus aceitou, perdendo novamente. Já estando todos os jogadores ao redor da mesa embriagados, o ganhador e os seus comparsas forçaram-no a pagar a indecente aposta, e ele o fez mandando a mensagem à esposa, que não foi enganada coisa nenhuma e sabia muito bem do que se tratava.

Talvez ela achasse divertido trair o marido obedecendo às suas próprias ordens. Porém antes de chamá-la para efetuar o pagamento, Maximus exigiu dos comparsas jurarem guardar segredo do indecoroso e ridículo episódio; mas no dia seguinte, passada a bebedeira, a claque esqueceu o juramento e passou a zombar de Maximus, especialmente o seu querido amigo Valentiniano, que ganhara o seu dinheiro, o seu anel e a sua esposa.

Valentiniano fez tudo para abafar o caso porque caiu em si e viu que o maior prejudicado seria ele próprio, pois seu prestígio já estava bastante abalado pelos seus incontáveis desmandos, os quais tinham merecido grave censura do santo Papa Leão I, respeitado e venerado em todo o mundo cristão. Porém as ridicularias e piadinhas obscenas do restrito grupelho, sobretudo de Valentiniano, continuaram a perseguir o indecente Maximus dentro do palácio, e foi isso que o enfureceu e o fez secretamente odiar o seu companheiro de patifaria. Em conseqüência, decidiu vingar-se aderindo à conspiração. O “ultraje da sua honra” nenhuma relação teve com o caso, pois honra era uma coisa que ele não tinha.

Os oficiais conspiradores logo tomaram conhecimento do que se passava graças a informantes de confiança e mais que depressa trataram de angariar o apoio de Maximus para o Golpe, “cujo sucesso lhe permitiria vingar-se do ultraje sofrido”. Porém o aconselharam a não romper com o imperador e manter ativos os seus contatos na corte para tornar mais fácil o sucesso da empreitada. Foi graças à amizade de Maximus com o chefe da guarda imperial que os soldados assassinos foram introduzidos em suas fileiras, pois o senador não só o subornou como lhe garantiu que os mesmos eram apenas veteranos seus protegidos, cansados de guerras e almejando uma confortável posição na corte. O corrompido senador se tornou um precioso informante da rotina, agenda diária e detalhes da segurança pessoal de Valentiniano, permitindo aos golpistas planejarem o modo de contorná-la; também subornou altos oficiais da guarnição militar para permanecerem quietos nos quartéis se levantes ou distúrbios ocorressem na cidade nos próximos dias envolvendo membros da corte. Ele foi, portanto, um valioso elemento no sucesso da empreitada, mas não a planejou nem a liderou, como diz a história oficial.


Petronius Maximus - efígie em moeda romana cunhada durante o seu curto reinado (mar-455 a out-455 DC)


O golpe foi marcado para o dia l6 de março de 455, pois nessa data Valentiniano compareceria ao Campo de Marte com lustrosa comitiva para presidir uma festiva competição de arco e flecha reunindo a nata dos desportistas da capital hábeis no seu manejo. A ocasião oferecia duas vantagens: a primeira é que embora houvesse aristocráticos oficiais do exército participando, a competição era civil e não haveria concentração de tropas regulares no local; a segunda é que se tratando de importante evento social presidido pelo imperador, lá estariam reunidos no mesmo lugar seus mais importantes ministros e cortesãos, os quais poderiam ser eliminados todos de uma vez juntos com o seu chefe. De acordo com o plano, dois guardas sacariam das espadas e golpeariam Valentiniano no momento combinado, ao mesmo tempo em que dois outros golpeariam Heráclito, o mais importante ministro do imperador e verdadeiro arquiteto do assassinato de Aécio.

Os demais guardas conspiradores, auxiliados pelos valentes oficiais e por civis que odiavam o tirano, deveriam matar os que tentassem resistir e quantos membros da comitiva pudessem. Exceto os guardas conjurados, todos os demais permaneceriam disfarçados no meio da multidão esperando pela chegada da comitiva imperial e assim que ela chegasse e os guardas golpeassem Valentiniano e Heráclito eles jogariam fora os disfarces e pulariam sobre a comitiva para participar da matança.

No Campo de Marte, junto à ponte nesta maquete da Roma antiga, havia solenes eventos
religiosos e militares. Nele Valentiniano foi morto perante enorme público

E foi assim que tudo aconteceu. No momento em que a comitiva passava no meio da multidão, soldados que ladeavam o imperador e seus ministros sacaram das espadas e os feriram mortalmente. O centurião Hopitila, oficial de origem huna que durante muitos anos servira com Aécio, fez questão de atravessar Valentiniano de lado a lado no ventre enquanto lhe dizia olho no olho: isto é por teres pago ao meu senhor Aécio com a pior das ingratidões; vê agora o que a gratidão e a amizade são capazes de fazer para que a Justiça triunfe!

O centurião Traustila, também de origem huna e leal ex-oficial de Aécio, encarregou-se de matar o chanceler Heráclito nas mesmas condições em que o fizera Hopitila ao vil imperador, enquanto os outros membros da comitiva eram mortos pelos demais guardas. Em meio ao pânico geral ninguém se atreveu a defender os dignitários imperiais e todos eles foram implacavelmente mortos, salvo os raros que lograram fugir embarafustando pelo meio da multidão. Os poucos guardas não envolvidos na conspiração a ela aderiram tão logo viram o imperador prostrado numa poça de sangue e agiram de forma tão eficaz quanto os seus colegas de farda. Terminada a matança, os rebeldes vitoriosos dirigiram-se ao palácio imperial cercados de geral aplauso e imediatamente obtiveram a adesão da sua guarnição. O Golpe fora meticulosamente preparado, pois não houve reação militar: as tropas ficaram inertes nos quartéis e os seus oficiais, apesar de serem gente de Heráclito, nada fizeram. Uns diziam que a soldadesca se recusara obedecer a suas ordens, pois simpatizava com o finado Aécio e odiava seus assassinos, mas outros afirmavam que os oficiais foram subornados pelo riquíssimo senador Petrônio Maximus, apontado por todos como sendo o líder da conspiração.

Líder ou apenas partícipe, dez dias depois Petrônio Maximus foi eleito novo imperador pelo senado romano, dizem que gastando rios de dinheiros, mas o seu reinado seria breve e terminaria de forma ainda mais trágica do que o do seu antecessor.

Hodie me cras tibi.





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