Post nº 31
PANORAMA POLÍTICO-SOCIAL DE ROMA ANTES DA ASCENSÃO DE CÉSAR
Fundada em cerca de 700 AC, Roma se torna grande potência militar ao derrotar Cartago e os seus batalhões de elefantes em 202 AC na batalha de Zama. Tela de Cornelius Cort (1567) |
As origens de Roma são lendárias, mas calcula-se que tenha sido fundada por volta do ano 700 AC por algumas dúzias de famílias rurais que viviam perto umas das outras e periodicamente reuniam-se em um campo às margens do Rio Tibre para trocarem seus produtos e socializarem. Pessoas de outras partes vieram juntar-se aos locais para comerciar e algumas ergueram casas, logo fazendo do local próspero vilarejo. Com o seu rápido crescimento, surgiu a necessidade de se organizarem politicamente criando um Senado, composto pelos chefes das famílias chamadas Patrícias por serem as “fundadoras da pátria”, e um Rei eleito pelo Senado, sob cuja supervisão exercia o Poder Executivo. Várias famílias vindas de lugares mais distantes estabeleceram-se na vila e, por serem abastadas e terem boas relações com os moradores mais antigos, receberam o status de patrícias e os seus chefes foram eleitos senadores.
A lenda diz que Roma foi fundadada pelos irmãos gêmeos Rômulo e Remo, abandonados em um
bosque pela mãe e criados por uma loba que os adotou como filhos
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Em um século, o dinâmico povoado virou próspera cidade, e em aproximadamente 600 AC as famílias patrícias já eram mais de uma centena, muito ligadas entre si e enfrentando problemas comuns a todos, os quais tornavam clara a necessidade de reformar a estrutura social e política da pátria. Assim, de acordo com o maior ou menor grau de parentesco, as famílias foram agrupadas em Gens e estas em Tribos, reunindo-se cada Tribo em assembleias chamadas Comícios, onde eram eleitos os magistrados da cidade.
Com a reforma, proibiu-se aos que chegassem dali em diante serem admitidos no Senado e as suas famílias listadas no rol das famílias patrícias, mesmo que fossem ricas e poderosas, de sorte que os novos moradores passaram a constituir uma classe inferior destituída de direitos políticos e que recebeu o nome de Plebe. Todavia, os plebeus também eram “cidadãos” por morarem na cidade, mas por não terem direitos políticos não participavam do governo, embora gozassem da proteção da lei e tivessem os mesmos Direitos Civis comuns a todos os cidadãos.
Por essa época, Roma já crescera bastante e possuía cerca de dez mil habitantes, sem contar os escravos, e tivera que enfrentar o seu primeiro conflito político sério. Desde a sua fundação ela fora governada por um Rei que, embora eleito pelo Senado e a ele teoricamente submetido, transformara-se em monarca absoluto, pois os Senadores viviam mais em suas fazendas e somente se reuniam quando havia assuntos muito importantes. Isto tivera pouca importância enquanto a cidade fora pequena porque os serviços administrativos eram mínimos e as guerras eram conduzidas pelos próprios cidadãos, que se organizavam em exército e elegiam os seus oficiais, mas quando a cidade cresceu, e a necessidade de serviços administrativos aumentou, o cargo de Rei tornou-se proeminente. Porém, numa cidade onde todos os membros da classe dominante se julgavam igualmente importantes, um rei autoritário e arrogante era inadmissível. Assim, revoltaram-se e extinguiram a monarquia, substituindo-a por dois Cônsules eleitos pelo senado anualmente e fazendo do poder monopólio senatorial, criando dessa forma um sistema republicano aristocrático.
Por volta de 500 AC os nobres romanos depuseram o rei Tarquínio o Soberbo e criaram uma república aristocrática cujo órgão supremo era o senado vitalício e hereditário |
Passando por numerosas crises devido ao sempre subjacente conflito entre patrícios e plebeus, o sistema republicano funcionou bem durante quatrocentos anos porque os aristocratas foram flexíveis para reformá-lo nos momentos de grave necessidade social e política, mas no dia a dia conflitos pessoais eram resolvidos por um sofisticado sistema de regras jurídicas, conhecidas por todos a partir da publicação da "Lei das Doze Tábuas" em aproximadamente 400 AC, e os conflitos sociais por engenhosos expedientes políticos, tipo admitir no Senado um plebeu rico e influente, inscrevendo sua família no rol das famílias patrícias. Tratavam o assunto com grande solenidade, proporcionando ao novo senador e à sua família enorme orgulho, ao mesmo tempo em que faziam ver aos demais plebeus, tão ricos quanto o escolhido, que qualquer deles poderia ser nobilitado desde que fosse amigável e se entrosasse bem com a classe dominante. Também criaram um colchão amortecedor constituído por uma nobreza intermediária chamada “Ordem Equestre”, na qual admitiram como “Cavaleiros” todos os plebeus importantes. Embora não participassem do Senado, os cavaleiros e seus familiares podiam exercer altas magistraturas e casar com membros da “Ordem Senatorial”, faculdade negada aos plebeus comuns. Entretanto, lhes foram dados muitos direitos, fazendo com que por volta de 100 AC o conflito entre patrícios e plebeus perdesse importância face a novos graves problemas que ameaçavam a estabilidade da República.
Aníbal o Cartaginês cruzou os Alpes com seus elefantes em 219 AC para atacar Roma e ela se tornou
grande potência militar para enfrentá-lo. Gravura de autor anônimo (séc. XIX)
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O primeiro fora a transformação de Roma em gigantesca potência militar após a sua decisiva vitória sobre Cartago na batalha de Zama (202 AC). A derrota da sua poderosa rival permitiu-lhe dominar quase toda a bacia do Mediterrâneo, exceto Gália e Egito, mas as nações do Oriente Próximo tornaram-se suas aliadas e em pouco tempo nada mais eram que protetorados. Roma, portanto, tornara-se riquíssimo e poderoso Império, mas isto custara-lhe grave sangria nas hostes da nobreza e da plebe, que ela corrigiu preenchendo os claros da Ordem Senatorial com a Ordem Equestre e os desta com membros importantes da plebe. Esta, por sua vez, preencheu seus claros com gente vinda de todas as partes da Itália em busca de uma vida melhor na capital do Império.
No decorrer do século II AC todos os italianos tornaram-se cidadãos romanos, de sorte que não houve problema de falta de cidadãos. Isto fez com que a cidadania romana passasse a ser concedida com grande parcimônia aos vindos de fora da península itálica, e ela se tornasse uma grande honraria para estrangeiros ansiosos por adquirirem as boas graças dos novos senhores. A súbita mobilidade social enfraquecera a velha estrutura política criando sérios problemas, pois, ao mesmo tempo em que os recém-chegados eram acolhidos no seio da sociedade romana, os seus costumes e cultura diferentes faziam o seu patriotismo duvidoso e visto com grande suspeita dado a alta dose de oportunismo que motivara a sua recente inclusão nos quadros sociais da República.
O segundo fora a criação do exército profissional, pois um exército patriótico e voluntário de cidadãos não era mais possível face às novas realidades. Sendo um corpo altamente organizado, cuja independência da sociedade só não era total porque os oficiais vinham da nobreza e eram nomeados pelo Senado, a fidelidade do exército a alguns chefes passou a ser importante no jogo do poder.
O terceiro fora a questão eleitoral. Calcula-se que em 100 AC havia cerca de quatrocentos mil cidadãos romanos sui juris (independentes da autoridade paterna), sendo cem mil na cidade e o restante na península italiana. Dos citadinos, só um décimo era nobre (senador ou cavaleiro) e podia ocupar altos cargos, mas como os plebeus comuns votavam, embora não pudessem ser votados, eles passaram a votar em quem pagasse mais ou fosse mais popular, de sorte que uma enorme disputa por popularidade se criou dentro da nobreza e o vencedor foi Mário, ótimo general e político popularíssimo. Ele era um cavaleiro vindo da plebe rica que se tornara patrício ao casar com uma tia de César, pertencente à nobilíssima Gens Julia, e fez várias reformas liberais, tornando-se odiado pelos conservadores e tendo que enfrentar terríveis guerras civis. Quando morreu, foi sucedido por seu aliado Cina, mas algum tempo depois os ultra-conservadores, liderados por Sila, tomaram o poder e anularam a maioria das reformas, causando guerras civis ainda mais cruéis e sanguinárias.
Mário, tio de César, foi um dos mais populares generais e líderes de Roma. Suas
políticas eram odiadas pelos conservadores e muito influenciaram César
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O grande conflito social nos primeiros séculos de Roma fora entre patrícios e plebeus, mas
no II século AC ele foi eclipsado pelo conflito agrário
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O quinto e último fora o mais grave de todos: pequenos proprietários rurais que não podiam concorrer com os grandes, por não possuírem escravos em número suficiente para produzirem em grande escala e a baixo custo! Em conseqüência, vendiam suas pequenas propriedades aos vizinhos maiores e emigravam para a metrópole, onde iam viver miseravelmente como plebeus pobres. Por outro lado, os proprietários ricos se tornavam donos de imensos latifúndios, cultivados por exércitos de escravos, e com a riqueza adquirida logo se cansavam da vida rural e punham um administrador à testa do negócio, indo viver luxuosamente nas cidades.
O resultado da concentração da propriedade da terra na mão de poucos, e da ida destes para a cidade, foi a vertiginosa queda da produção agrícola, criando escassez, carestia, e agravando as duras condições de vida dos cidadãos despossuídos. Dessa forma, com a classe alta e a classe baixa reduzidas à ociosidade na grande metrópole, uma no luxo e a outra na miséria, Roma parou de produzir e passou a viver como parasita à custa da exploração das nações dominadas, ao mesmo tempo em que as lutas pelo poder no seio da aristocracia aprofundavam ainda mais o fosso entre ricos e pobres, pondo em risco a estrutura sócio-política do Estado.
O quinto e último fora o mais grave de todos: pequenos proprietários rurais que não podiam concorrer com os grandes, por não possuírem escravos em número suficiente para produzirem em grande escala e a baixo custo! Em conseqüência, vendiam suas pequenas propriedades aos vizinhos maiores e emigravam para a metrópole, onde iam viver miseravelmente como plebeus pobres. Por outro lado, os proprietários ricos se tornavam donos de imensos latifúndios, cultivados por exércitos de escravos, e com a riqueza adquirida logo se cansavam da vida rural e punham um administrador à testa do negócio, indo viver luxuosamente nas cidades.
O resultado da concentração da propriedade da terra na mão de poucos, e da ida destes para a cidade, foi a vertiginosa queda da produção agrícola, criando escassez, carestia, e agravando as duras condições de vida dos cidadãos despossuídos. Dessa forma, com a classe alta e a classe baixa reduzidas à ociosidade na grande metrópole, uma no luxo e a outra na miséria, Roma parou de produzir e passou a viver como parasita à custa da exploração das nações dominadas, ao mesmo tempo em que as lutas pelo poder no seio da aristocracia aprofundavam ainda mais o fosso entre ricos e pobres, pondo em risco a estrutura sócio-política do Estado.
Ao virar Império Roma enriqueceu e sua classe alta trocou casas simples por mansões ricamente
decoradas como esta achada nas ruínas de Pompéia (século I DC)
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O resultado de tudo isso foi que Roma, apesar de rica e poderosa, degradou-se social e moralmente, fazendo com que os mais sábios e prudentes percebessem que estavam sobre um vulcão que a qualquer momento explodiria levando tudo pelos ares. Todavia, os nobres conservadores, satisfeitos com a ótima vida que levavam, não viam por que mudar algo que lhes era tão benéfico, e perseguiam ferozmente os nobres liberais que estavam sempre pregando a necessidade de reformas, clamando para que se as fizesse antes que o próprio povo tomasse as rédeas nas mãos e as fizesse por conta própria. A nobreza, portanto, estava severamente dividida entre liberais (populare), que queriam reformar a sociedade, e conservadores (optimates), que queriam manter tudo como estava. Por enquanto o povo era apenas espectador, mas as coisas logo poderiam mudar.
Nos anos 90 do século I AC o vulcão explodiu e Roma mergulhou em tremenda guerra civil, tendo de um lado os populare, liderados por Mário, e do outro os optimates, liderados por Sila. A luta foi impiedosa e massacres de parte a parte tornaram-se comuns. Os ferozes inimigos travaram batalha após batalha, vencendo umas e perdendo outras, ao mesmo tempo em que alternavam-se no poder por breves períodos. Estes eram sempre seguidos de terríveis matanças de adversários, o que fez correr rios de sangue em Roma, na Itália e nas províncias. Após uma década de luta, todos estavam enlutados, exaustos e empobrecidos, ansiosos para por um fim à tragédia, e esta terminou quando os líderes inimigos Mário e Sila morreram em um intervalo de poucos anos, firmando-se uma paz precária nos anos 80 AC. Mas as causas do sangrento conflito não tinham sido solucionados e por baixo das cinzas da aparente calmaria as brasas dos antagonismos continuavam a arder. Mais cedo ou mais tarde um novo incêndio voltaria a alastrar-se, e foi nesse cenário social e politicamente explosivo que César começou sua extraordinária carreira.
NOTA: Chamam-se "Guerras Púnicas" as travadas entre Roma e Cartago pela supremacia do Mediterrâneo Ocidental. Elas começaram em meados do século III AC e terminaram em meados do século II AC com a derrota e destruição de Cartago, cujo povo de origem fenícia chamava-se "Púnico". As suas ruínas ficam nos arredores da atual cidade de Tunis, que na antiguidade também chamou-se Cartago depois da destruição da grande metrópole. Ela trocou de nome na Idade Média.
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