quinta-feira, 3 de março de 2011

Post nº 29

CLEÓPATRA  E  OUTROS  FAMOSOS  PERSONAGENS  DA  ANTIGUIDADE

VERDADES  E  MENTIRAS

Cleópatra se suicida fazendo-se picar no seio por uma serpente. Detalhe
de tela de Hans Makart (1875)

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É comum circularem versões errôneas e fantasiosas sobre episódios e personagens históricos importantes que, por serem muito populares devido às mídias antigas e modernas, especialmente as atuais mídias cinematográfica e televisiva, produzem na pessoa uma falsa visão do passado e danificam a solidez da sua cultura. Ademais, destroem a validade da História como mestra da vida, tornando-a vulgar e superficial. Por isso chamamos essas falsas versões de MENTIRAS CÉLEBRES e aqui mostraremos algumas dessas falsidades que povoam o imaginário popular e até mesmo os nossos conhecimentos de História. Vejamos:

1ª MENTIRA - Cleópatra é a egípcia mais famosa da história!

Cleópatra é uma das mulheres mais famosas da história, mas apesar de ter nascido no Egito e de ter reinado sobre o país ela não era egípcia e nada tinha a ver com o povo e com a cultura do Egito! Na verdade ela era da família grega Lágida e a língua oficial da sua corte era o grego, tendo governado o Egito como membro da dinastia grega dos Ptolomeus, entronizada no poder pelo conquistador grego Alexandre Magno dois séculos e meio antes dela. Sua capital Alexandria, fundada pelo conquistador, era uma cidade grega plantada na foz do rio Nilo onde a língua e a cultura dominantes eram o grego, pois era habitada pelos descendentes dos milhares de famílias que foram trazidas da Grécia voluntariamente ou a força para construir a cidade. No decorrer do tempo muitas famílias egípcias para ela também emigraram e nela se estabeleceram, mas adotaram o idioma e a cultura grega por imitação ou conveniência, seja porque tratava-se de cultura mais avançada, seja porque ela lhes dava melhores condições para subir na escala social, econômica e política dentro da situação reinante. Mas para mérito de Cleópatra deve ser ressaltado que ela foi uma das únicas soberanas da sua dinastia que não tratou o Egito como terra conquistada e procurou ser sua rainha em toda plenitude, ao invés de ser apenas a líder de uma força de ocupação. Por isso não só estudou e aprendeu o idioma egípcio como aprendeu também a ler e a escrever os hieróglifos, introduzindo os deuses egípcios na sua corte e ela própria identificando-se para gregos e egípcios como sendo a deusa Ísis, acrescentando o poder divino ao poder majestático. Por isso mandou esculpir muitas estátuas e entalhes retratando-a no papel de Ísis, o que lhe deu enorme poder e popularidade perante a população nativa.             
2ª MENTIRA – Cleópatra se suicidou fazendo-se picar no seio por uma serpente! 

Morte de Cleópatra segundo a lenda. Tela de Reginald Arthur (1896)
   
Nenhum historiador da época descreve o modo como Cleópatra se suicidou. A versão de que o suicídio se deu pela picada de uma serpente surgiu anos depois para dizer que sendo ela tão perigosa quanto uma serpente fez-se matar pela picada de uma delas. A lenda também pode ter derivado do fato da coroa dos reis do Egito ter na fronte figura de venenosa serpente em posição de ataque. Um século após sua morte, a lenda assumira foros de verdade e Plutarco, historiador grego que escreveu século e meio depois dos fatos, a consagrou como fato histórico verídico. Quinze séculos mais tarde, Shakespeare baseou-se na versão de Plutarco para escrever a peça Antônio e Cleópatra, conferindo-lhe excelente efeito dramático. Nos séculos seguintes, pintores famosos pintaram quadros retratando o episódio, popularizado no século XX pelos filmes de Hollywood. Mas além de inverídica, tal versão é absurda. Serpentes são seres repulsivos e uma mulher sofisticada como Cleópatra jamais poria as mãos numa delas para deliberadamente sofrer a dor de uma picada fatal! Creio que ela suicidou-se como qualquer mulher refinada de alta classe faria: recostada languidamente em luxuosas almofadas e bebendo uma taça de vinho finíssimo, temperado com algumas gotas de veneno rápido e indolor.


3ª MENTIRA – Péricles, que deu a Atenas a época de seu maior esplendor, governou em paz e era idolatrado pelos atenienses!

Péricles era hábil político e ótimo administrador, mas sofria forte oposição por seus excessivos gastos. Com
o dinheiro arrecadado de todas as cidades gregas (Liga de Delos) construiu o Paternon
         
Péricles governou sob grande pressão e só se manteve no poder porque era um político habilíssimo. A oposição era forte e aguerrida, chegando a processar sua erudita amante Aspásia porque ela recebia intelectuais em sua casa para brilhantes reuniões, coisa que em Atenas era vedado às mulheres. Ela só escapou porque Péricles fez de tudo para absolvê-la. O mesmo aconteceu a Fídias, o arquiteto que construiu o Parthenon. Visando atingir Péricles, acusaram Fídias de roubar o ouro destinado ao Templo e ele quase foi condenado. A oposição era liderada por um curtidor de couros populista que acusava Péricles de gastar o dinheiro do povo em extravagâncias como o Parthenon e de covardia perante Esparta. Quando veio a guerra e houve derrotas, Péricles quase foi derrubado, mas ficou no poder até morrer durante uma epidemia. O curtidor de couros tomou o seu lugar e Esparta derrotou Atenas.
          
4ª MENTIRA – Por ser Atenas uma democracia, suas mulheres gozavam de maior liberdade e autonomia do que em outros lugares da Grécia!

Pintura mural antiga representando Sapho, princesa da ilha de Lesbos
na Grécia jônica. Foi a mais célebre poetisa da antiguidade.

Atenas era uma das cidades gregas onde as mulheres eram mais maltratadas. Em Esparta, que era uma ditadura aristocrática, as mulheres gozavam de muito mais liberdade e autonomia. As espartanas quase se igualavam aos homens, pois recebiam a mesma educação e treino para a guerra. As grandes poetisas gregas, como Sapho e Corina, eram da Jônia, onde as mulheres eram melhor tratadas que em Atenas.
         
5 ª MENTIRA – Sócrates era um sábio, mas também era devasso e blasfemo, pois foi condenado à morte por corromper a juventude e insultar os deuses!

Quadro célebre sobre a execução de Sócrates. Enquanto ele dá sua última aula de filosofia aos chorosos
discípulos, extende a mão para a taça de cicuta que lhe é apresentada pelo carrasco
Sócrates tinha vida morigerada, era bem casado e embora a esposa o acusasse de malandragem trabalhava duro como parteiro e até como pedreiro. Era uma figura popular nas ruas e praças de Atenas, pois nas folgas perambulava conversando, discutindo e vexando seus interlocutores para divertimento dos demais. Quando um jovem rico e erudito o conheceu, disse aos amigos que “descobrira um gênio”! Todos foram vê-lo e ficaram convencidos, tornando-se seus discípulos. Logo ele virou comensal das mansões ricas, mas recusava dinheiro por suas lições. Tudo indica que os novos amigos o davam à sua esposa, pois ela parou de se queixar e concedeu ao marido o tempo que dele exigiam. Foi aí que surgiram os problemas, pois com a fama vieram as invejas e calúnias. Embora não fosse político, ele criticava as instituições e os governantes, sobretudo depois da sucessão do refinado Péricles pelo grosseiro curtidor de couros que levara Atenas ao desastre. Por fim, seus inimigos o levaram à Justiça por “zombar dos deuses e perverter os jovens com idéias subversivas”. A acusação era descabida, mas ele ofendera muita gente e o tribunal o condenou a morte, mas reduziu a pena à pesada multa, concedendo-lhe a faculdade de fixá-la de acordo com a sua alegada alta sabedoria. Ela seria paga mesmo sendo ele pobre, pois tinha ao seu dispor o dinheiro dos discípulos, mas Sócrates ridicularizou o tribunal fixando a multa em valor ínfimo. Os indignados juízes voltaram atrás, ordenando a execução que ele aceitou de bom grado, dizendo que queria descansar e se ver livre de tanta burrice.
          
6ª MENTIRA - A obra de Sócrates revolucionou a Filosofia!

Sócrates, considerado o homem mais sábio da sua época, nada escreveu, mas o
seu discípulo Platão expôs a filosofia do mestre em seus famosos "Diálogos" 

Sócrates não escreveu obra alguma; tudo que sabemos dele deve-se ao rico e nobre Platão, que além de seu discípulo era também seu amigo íntimo, chegando mesmo a oferecer-se para subornar os guardas da prisão e financiar a sua fuga para o estrangeiro, não obstante os riscos que enfrentaria depois. Sócrates recusou o oferecimento do dedicado amigo dizendo que fugir seria desrespeitar a lei, o que mostra o absurdo da pena que lhe fora aplicada por “subversão”. Anos mais tarde, Platão escreveu os seus magníficos Diálogos onde expõe a sua filosofia como sendo as lições que Sócrates ministrava aos alunos. Deve-se elogiar a lealdade e o apreço de Platão ao seu velho amigo, mas é evidente que ele elege Sócrates personagem central dos Diálogos visando obter o máximo de efeito pedagógico e literário para as suas próprias lições, pois a obra tem grande beleza e é de agradabilíssima leitura. Todavia, é inegável que ele deve a sua iniciação filosófica a Sócrates e com ele aprendeu a arte da dialética, que foi incorporada à Pedagogia e à Filosofia com o nome de Método Socrático. Este método é o grande legado de Sócrates à civilização e o que verdadeiramente lhe deu a imortalidade pela pena genial do seu fiel amigo Platão.
          
7ª MENTIRA - César foi assassinado porque queria se tornar Rei de Roma!

Marco Antonio, amigo íntimo de Cesar, era farrista e saía no carnaval com um bloco, bebendo, tocando e cantando. No carnaval de 44 AC ofereceu ao amigo o título de"rei da folia", mas este recusou a "coroa" e nasceu o mito.
           
            Não existe nenhuma evidência histórica de que César quisesse o vazio título de “Rei”. Quando foi assassinado, ele era mais poderoso do que qualquer rei da sua época na Europa ou na Ásia. O vazio título nada acrescentaria ao seu poder ou à sua biografia, pois era ridículo aos olhos dos romanos ilustrados e contrário às tradições de Roma. Como homem culto, hábil político e notável estadista, César sabia que o título lhe traria prejuízos e somente um idiota arrogante o pleitearia. Ele não era idiota e arrogância era uma palavra que não existia no seu dicionário, por que então quereria tal título? Na verdade, tudo não passou de uma tola tentativa dos assassinos de justificarem sua covarde atrocidade: matar um alto magistrado desarmado e sem guardas no recinto sagrado do Senado onde era proibido entrar com armas ou com soldados. César obedeceu à Lei ao ir à sessão desarmado; os assassinos, que diziam defender a "lei" contra a “tirania”, foram com os punhais escondidos sob a toga.

8ª MENTIRA – A prova de que César queria ser Rei está no fato de Marco Antônio lhe oferecer a coroa e ele demagogicamente a recusar para agradar a multidão!


César usava toga púrpura e coroa de louros, mas para simbolizar glória e
poder, não realeza. Após sua morte tornaram-se símbolo dos "Césares"

O fato aconteceu nas Lupercálias, carnaval romano durante o qual os brincalhões elegiam o Rei da Folia, tal como nós elegemos o Rei Momo. César não era carnavalesco, mas assistia a folia nas ruas com seus amigos. Já Marco Antônio saía com um bloco de farristas seminus ou fantasiados de bode, bebendo, tocando bombos, soprando cornetas e correndo atrás das mulheres estalando chicotes, pois se dizia que se fossem atingidas engravidariam. Já bêbado, ele quis coroar César rei da folia", brincadeira que o ditador recusou pelo ridículo da coisa. O fato entrou para o folclore e século e meio depois o historiador grego Plutarco, por ignorar as maluquices do carnaval romano, pensou que o episódio burlesco era coisa séria e o incorporou à biografia de Brutus como uma das razões que o levaram a conspirar contra César. A versão foi popularizada pela peça Júlio César de Shakespeare e o que era falso passou a ser tido como verdade.
          E agora, só para desopilar e contrabalançar as grandes mentiras antigas, vejamos uma grande mentira moderna, hoje disseminada no mundo inteiro pela poderosa mídia americana:
          
9ª MENTIRA - O avião foi inventado pelos irmãos Wright!


Euro-americanos não hesitam mentir para atribuírem-se grandes invenções feitas por outros, como é o caso do dirigível e do avião inventados por Santos Dumont. Aqui vemos o Zeppelin chegando ao Recife em 1932
          
Não existem provas documentais que demonstrem terem os irmãos Wright inventado o avião. Nem mesmo uma pequena notícia de insignificante jornal ou uma ata de Rotary Club da pequena cidade americana onde eles alegam terem feito o primeiro voo com um avião. Todas as provas documentais existentes referem-se ao vôo do brasileiro Santos Dumont no aeroporto de Paris em outubro de 1906 perante multidão que o carregou em triunfo. O extraordinário fato foi amplamente noticiado pela imprensa francesa e mundial, inclusive pela imprensa americana. O Aero Club de França lavrou ata registrando o feito realizado em concurso por ele instituído, promoveu grandes solenidades para homenagear Santos Dumont e ele tornou-se uma das figuras mais populares de Paris. Só depois disso foi que os irmãos Wright apareceram dizendo terem voado primeiro, mas quando fizeram uma demonstração viu-se que o avião não decolava por seus próprios meios, precisando deslizar sobre trilhos e ser impulsionado por uma catapulta que o lançava ao ar. A etapa mais difícil de um vôo com avião é a decolagem e a imprensa ridicularizou os pretensos inventores dizendo que até uma locomotiva voaria se lançada ao ar por uma catapulta. Em resumo: o aparelho voador dos Wright era apenas um “planador com hélices movidas por motor”, as quais o permitiam ficar no ar durante mais tempo! Para piorar as coisas, viu-se que o propósito deles não era o bem da civilização, mas obter lucros com as patentes que tinham conseguido nos Estados Unidos. Os aeronautas europeus da época eram idealistas que não visavam o lucro, mas o aplauso público por contribuírem para o progresso da humanidade, tal como fez Santos Dumont ao doar o seu invento ao povo para uso de todos. Ele recusou-se a comparecer perante a comissão do Aero Club de França criada para decidir sobre o pedido de primazia dos Wright, dizendo que não discutiria com “mercadores da ciência”. O mesquinho interesse empresarial deles os fez alvo de geral desprezo e a comissão indeferiu o pedido por absoluta falta de provas, mas o governo dos Estados Unidos os reconheceu, os premiou e os promoveu ao posto de “inventores do avião”. A poderosa mídia americana fez o resto, tornando verdade o que não passa de uma das maiores mentiras de todos os tempos.

6 comentários:

  1. Genial essa do Shakespeare adotar a lenda da Cleópatra sendo picada por uma serpente no seio. A coisa é tão dramática que eu lamento que não seja verdade. A mentira dos irmãos Wright inventando o avião também tá ótima!

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  2. Pois é Lise, o Shakespeare sabia o que era bom para se obter uma boa bilheteria. A lenda da Cleópatra se fazendo picar no seio por uma serpente foi um achado! Séculos depois a turma de Holywood concordou e temos aí um exemplo de mentira que se tornou "verdade".
    A mentira dos Wright foi comprovada quando seus fãs tentaram em 2003 celebrar o centenário do seu "1º vôo": fizeram uma réplica do avião deles e não houve geito do bicho voar. Só voava com catapulta! Mesmo assim os americanos continuam dizendo que foram os Wright que "inventaram o avião". É lasca!

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  3. Mais uma outra excelente contribuição.

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  4. Obrigado Vítor. Por aí nota-se como a História pode ser ao mesmo tempo séria e divertida!

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  5. Visitar essas páginas é beber do mais puro conhecimento!! Obrigado nobre Virgílio por mais esta aula magnífica!

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