domingo, 24 de abril de 2011

Post nº 36

MARCUS  ANTONIUS  -  QUAL  O  SEU  REAL  PAPEL  NO  ASSASSINATO  DE  CÉSAR ?


Após a morte de César o cônsul Marcus Antonius não prendeu os assassinos e limitou-se a combinar com
eles a remoção do corpo e os detalhes do funeral. Quadro de Jean-Léon Gerôme (séc. XIX)


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Shakespeare em sua famosa peça Julio César apresenta Marcus Antonius como nobre caráter e fiel amigo de César, a quem os assassinos permitem por equívoco que promova o funeral do Ditador e durante ele discurse junto com Brutus elogiando as qualidades do morto, mas sem censurar os assassinos. Ao invés disso ele se aproveita da ocasião e incita a multidão a vingar o seu pranteando amigo, expulsando os criminosos de Roma. Além de popularizada pelo teatro a versão foi divulgada pelo cinema e obteve foros de verdade, porém os fatos se passaram de forma diferente e o papel de herói leal e eloqüente que Shakespeare lhe dá se torna bastante questionável, a ponto de vermos nele um enigma Marcus Antonius.

O heróico papel que Shakespeare dá a Marcus Antonius na morte de 
César é fictício. Cena do filme "Julius Caesar" com Marlon Brando
   
Nascido na nobilíssima Gens Antonia ele teve boa educação, mas era desregrado e irresponsável. Era também boêmio, mulherengo, beberrão, alegre, gastador e misturava-se com pessoas de todas as classes, coisas que lhe deram não só muita popularidade, mas também enormes dívidas. A perseguição dos credores o fez ir passar uns tempos na Grécia enquanto seus parentes acertavam as suas contas e lá se juntou ao exército que ia combater na Judéia em uma das muitas guerras nas quais Roma sempre se envolvia.

Sua bravura, simpatia e talento lhe deram grande destaque e o fizeram querido das tropas, de forma que ao voltar à sua cidade natal ele já era um dos mais importantes generais da República e ingressou no senado, pois na sua ausência o seu pai tomara parte na revolta de Catilina e fora executado sem julgamento pelo cônsul Cícero, de quem se tornou inimigo mortal. Tomou parte em outras campanhas e depois se juntou a César na Gália, onde também se destacou e se tornou segundo homem em comando. Quando o procônsul o mandou a Roma pleitear importante cargo, Pompeu e o senado se lhe opuseram e os distúrbios que se seguiram o obrigaram a voltar à Gália. Aberta a cisão entre os rivais, marchou ao lado de César sobre Roma, pondo em fuga os conservadores e tomando o poder junto com o seu chefe e amigo.

Marcus Antonius era bom general, mas era mau administrador e sua
vida pessoal era um desastre igual à sua má reputação

Participou de toda a guerra contra Pompeu e quando César ocupou o Egito o fez governador da Itália com amplos poderes na sua ausência, que se prolongou até toda a Ásia mediterrânea ficar sob domínio romano. Porém Antonius era tão mau administrador quanto era bom general e César ao voltar encontrou a Itália em péssima situação, obrigando-o a censurar duramente o amigo e afastá-lo do cargo.
          
A amizade deles ficou abalada e Antonius, não mais dispondo do dinheiro do Erário para as suas estroinices, passou por grandes dificuldades, não sendo difícil imaginar que tenha se sentido injustiçado e amargurado. Mas depois fizeram as pazes e no final de 45 AC César o nomeou cônsul para o ano seguinte. As coisas iam bem e em fevereiro ambos participaram alegremente do carnaval romano, Antonius como inveterado folião e César como divertido espectador. Tudo indica que foi nesse período que a conspiração tomou forma e poucas semanas antes do crime a cidade fervilhava de boatos, até que o pior aconteceu no dia 15 de março de 44 AC. O crime ocorreu durante sessão do senado à qual Marcus Antonius, cônsul e segundo homem mais importante da República, por incrível "coincidência" não compareceu. Depois do crime contatou Brutus e Cassius e estes lhe permitiram remover o cadáver de César, ficando acertado que daí a cinco dias haveria suntuoso funeral em homenagem ao grande morto, ocasião em que ele e Brutus discursariam.
 
Antonius não falou ao povo diante do cadáver de César nas escadarias
do senado como diz Shakespeare. Cena do filme "Julius Caesar"
            
Cícero, seu mortal inimigo, protestou contra o que julgava ser uma loucura, pois achava que Antonius também deveria ser morto e dado a César funeral discreto, mas como não participara da conspiração e dela nada soubera, Cassius e Brutus o ignoraram e cumpriram o acertado. O interessante é que a polícia, sob as ordens do cônsul Marcus Antonius, manteve a ordem e o funeral foi feito com grande pompa, nele discursando os dois futuros adversários.

Se isso por si só já é suspeito, muito mais suspeito é o fato de no dia seguinte ao crime Marcus Antonius, por todos julgado braço direito de César e líder natural do partido cesarista, propor ao senado a anistia de todos os implicados, decidindo-se que nenhum processo seria movido contra eles porque importava "sarar com urgência" as feridas da República traumatizada e evitar a eclosão de nova guerra civil!

O funeral de César foi cinco dias após o crime e não houve os distúrbios
contados por Shakespeare. Gravura de autor anônimo do século XIX

Todos estavam apavorados com a possibilidade de que fosse iniciado novo ciclo de guerras entre romanos e a anistia foi rapidamente aprovada, mas qualquer político com visão perceberia que nova guerra civil já começara e a única maneira de evitar que ela incendiasse a República era sufocá-la com mão de ferro no nascedouro, executando os assassinos largamente minoritários no seio da sociedade. Não fazê-lo de imediato serviria apenas para alargar o conflito e não para extingui-lo, sendo difícil acreditar que um homem experiente como Marcus Antonius não percebesse que luta muito mais sangrenta seria o inevitável resultado da absurda anistia por ele proposta.

Ao contrário do narrado por Shakespeare, os discursos de Brutus e Antonius não foram nas escadarias do
senado, mas no solene funeral de César dias depois. Gravura de autor anônimo do século XIX

De qualquer modo, ao contrário do narrado por Shakespeare, não houve distúrbios antes, durante ou após o funeral. Os conflitos só ocorreram tempos depois, quando estourou a luta tendo Antonius e Otavius de um lado e Cassius e Brutus do outro. Por enquanto o jovem Otavius, sobrinho e herdeiro de César, estava longe na Grécia e os cargos foram divididos entre os criminosos, apesar de serem eles minoritários no senado.

Prova de que Antonius tinha o controle da situação é ter sido confirmado no seu posto de cônsul pelo senado com o apoio dos conspiradores, mostrando não terem existido dissensões ou debates oratórios entre ele e Brutus durante o suntuoso funeral de César. Tanto Cassius como Brutus escolheram os governos de ricas províncias onde fácil lhes seria acumular fortunas ainda maiores do que aquelas que já possuíam e tranquilamente partiram para assumir os seus novos rendosíssimos cargos poucas semanas após o golpe, coisa que não teriam feito se achassem que as coisas em Roma não estavam seguras sob o controle do "cordato" cônsul Marcus Antonius.
 
O porte sério e austero do jovem Otavius, herdeiro de
César, impressionou favoravelmente os senadores
            
Isto só mudaria quando o jovem Otavius, de apenas dezenove anos e por todos julgado um quase menino imberbe, desembarcou em Brindisi e chegou a Roma à frente de uma legião fiel a César que se pusera à sua disposição. Para surpresa de todos, ao contrário dos jovens ricos da época ele não usava cabeleira, penteados ou roupas extravagantes, mas cabelos curtos e revoltos, roupas austeras e calçados simples, tudo ao gosto dos mais velhos e dos tradicionais hábitos conservadores.

Acompanhado de forte guarda de amigos, pois ao exército era proibido entrar em Roma, ele dirigiu-se ao senado onde não só exigiu o cargo de senador como também que lhe fosse permitido adicionar ao nome próprio o título de imperator que César adicionara ao seu por expressa autorização senatorial. Sendo herdeiro e sucessor do tio nada mais justo que também lhe herdasse o nome! Os senadores ficaram estupefatos com a sua petulância, mas o que se seguiu é outra história e por enquanto devemos nos ater apenas ao enigma Marcus Antonius.
 
Otavius era muito jovem, mas não baixou a crista. Ganhou o
apoio do senado, venceu Antonius e tornou-se imperador
          
Penso que o enigma consiste nas seguintes perguntas, jamais esclarecidas pelos historiadores: 1) Por que, fervilhando Roma de boatos sobre um complô contra César nos dias anteriores ao crime, deles Marcus Antonius não tomou conhecimento apesar de ser homem muito bem relacionado em todos os níveis da sociedade? 2) Se por acaso tomou, como a lógica indica que tomou, por que então não informou César que nele depositava absoluta confiança e o considerava seu melhor amigo? 3) Se de nada sabia, a polícia sob o seu comando devia saber, pois polícias em todos os tempos sempre tiveram informantes e a de Roma não era exceção. Se era assim, então por que ela não o informou? 4) Por que, justamente no dia do crime, ele, lugar tenente de César e cônsul da República, não compareceu à sessão do senado? 5) Por que após o crime a polícia sob o seu comando não prendeu os assassinos, limitando-se a manter a ordem na cidade traumatizada? 6) Por que entrou tão rapidamente em acordo com os líderes da conspiração e estes lhe deram tudo o que queria ignorando os conselhos da experiente e astuta raposa Cícero? 7) Por que menos de 24 horas após o assassinato do seu amigo e protetor ele propôs e obteve dos senadores a anistia dos assassinos? 8) Por que os golpistas, que agora controlavam o senado graças à sua colaboração, não fizeram nenhuma oposição a que ele se mantivesse no cargo de cônsul, o mais importante da República? Por que concordou e deu o aval do senado à divisão de cargos que os golpistas logo após fizeram entre si?

Estas são perguntas que eu me faço há muitos anos e para as quais não encontrei respostas convincentes nos mais reputados historiadores. Mas eu tenho uma teoria própria e acho que diante do que aqui foi exposto o leitor também deve elaborar a sua.

Afinal de contas, como disse o próprio Shakespeare no Hamlet, “existem mais mistérios entre o Céu e a Terra do que é dado imaginar a nossa vã filosofia”!


Nota:  Como não havia tropas do exército em Roma nem nos seus arredores, a ordem na cidade era mantida por uma polícia que tinha o nome de "Guarda Pretoriana". Era composta por algumas centenas de guardas que embora usassem armas e uniformes militares não pertenciam ao exército e por isso não tinham equipamento pesado nem eram treinados para o combate. Sua função era guardar os prédios públicos, as pessoas dos magistrados, fazer cumprir suas ordens, investigar crimes e prender criminosos, executando-os quando fosse o caso, e manter a ordem pública. O imperador Tibério a transformou em guarda imperial composta de soldados profissionais aptos ao combate e o seu comandante, chamado "Prefeito do Pretório", tornou-se um alto magistrado de natureza militar diretamente subordinado ao imperador. Na época de César ainda não era assim: a guarda era mais polícia civil do que polícia militar e o magistrado que a comandava era subordinado aos Cônsules e ao Senado. Sendo o Cônsul praticamente único, pois o outro era César, que acumulava a função com o cargo de Ditador Vitalício, Marcus Antonius era o segundo homem do governo e o Prefeito do Pretório a ele se reportava diretamente.





domingo, 17 de abril de 2011

Post nº 35

CÍCERO  - POR  QUE  O  GRANDE  ORADOR
ROMANO  APOIOU  OS  ASSASSINOS
DE  CÉSAR ?


O cônsul Marcus Tulius Cicero acusa o senador Lucius Catilina de conspirar contra
a República. Quadro célebre de Cesare Maccari (1888)

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Um dos enigmas sobre o assassinato de César é o papel de Cícero, pois apesar de ser o maior orador romano e líder de uma influente facção conservadora ele não participou e nem sequer foi informado da conspiração, geralmente tida como um Golpe de Estado conservador. O enigma se torna maior porque após o crime ele tornou-se o principal defensor parlamentar dos golpistas e o mais ferrenho adversário de Marco Antonio, por ele chamado de capanga de César e inimigo da República, conforme mostrado em sua última coletânea de discursos intitulada Filípicas. Acho que o enigma só pode ser esclarecido se analisarmos as circunstâncias sociais e políticas dentro das quais ele atuou e as peculiaridades do seu caráter.

Para a elite romana Cícero era o que chamaríamos hoje de caipira e arrivista, pois nascera em 106 AC em uma modesta cidade interiorana distante de Roma e a sua nobreza era de segunda classe, pois pertencia à Ordem Eqüestre e não à Ordem Patrícia. Na época Roma não era ainda a metrópole cosmopolita que viria a ser depois nem as barreiras sociais tinham sido suficientemente demolidas, de sorte que apesar da sua riqueza pessoal ele era visto como um parvenu e não como um legítimo membro do stablishment. Sua notável inteligência e excepcional cultura muito cedo o fizeram afamado orador e requisitado advogado, levando-o a atuar em causas importantes e de grande repercussão. Apesar de pertencer à facção conservadora e ter combatido em um dos vários conflitos internos, indispôs-se com o ditador Sila e prudentemente foi passar longa temporada na Ásia e na Grécia, a qual aproveitou para polir a sua cultura literária, filosófica e retórica. Mestre das línguas latina e grega, ao voltar trouxe o que de melhor havia em filosofia e elaborou um dicionário de termos filosóficos. Também escreveu ao longo dos anos vários tratados de direito e de filosofia que sobreviveram à passagem dos séculos e até hoje são lidos com prazer. Criou ainda o gênero literário que viria a ser chamado Epistolar, do qual a sua correspondência privada é a primeira obra-prima.

Marcus Tulius Cicero foi o maior orador da antiguidade e as suas duas séries de
 discursos "Catilinárias" e "Filípicas" ainda hoje são lidas com prazer 

Sua enorme fama intelectual o levou ao Senado, pois já havia desaparecido a antiga exigência de que somente patrícios o integrassem. Muito conservador, tornou-se um dos baluartes do partido e ocupou importantes cargos públicos, destacando-se pela lisura no trato da coisa pública e pelo rigor contra os que agiam com desleixo e desonestidade. A exemplar acusação e punição de altas autoridades corruptas que desmoralizavam o bom nome da Res Publica Romana fez de Cícero político popular e estimado, elegendo-o Cônsul, o mais elevado posto na hierarquia do poder. Era semelhante ao atual posto de Primeiro Ministro, com a diferença de que era exercido em conjunto com outro Cônsul e o mandato era de apenas um ano. De qualquer forma, as coisas sempre eram lideradas pelo cônsul de mais prestígio e Cícero fez valer o seu debelando a revolta liberal radical do senador Lucio Catilina e decretando a Lei Marcial, a qual usou para executar sem julgamento vários cidadãos envolvidos na revolta. Isto lhe causaria sérios problemas futuros, que culminariam com a decretação do seu exílio na Grécia.


Cícero era primoroso orador e escritor, mas era ultraconservador, ingrato, vingativo e desapiedado,
em total desacordo com o que apregoa em suas obras. Tela de Hans W. Schimidt (séc. XIX)

Embora amargurado, pois se julgava merecedor de gratidão e não de punição, utilizou-se do exílio forçado para estudar e escrever, convivendo com a nata da intelectualidade grega. Quando voltou a Roma após ser perdoado, apoiou o Triunvirato formado por César, Crasso e Pompeu, pois os tinha em alta consideração e achava que restaurariam o prestígio da República. Quando Crasso foi derrotado e morto na Ásia, estourou a guerra civil entre César e Pompeu, mas ele, obediente aos seus instintos conservadores, abandonou a sua habitual cautela e aliou-se a Pompeu, participando ao seu lado da campanha da Grécia até a desastrosa derrota na batalha de Farsália.

Após a morte de Pompeu no Egito regressou temeroso a Roma, mas beneficiou-se da generosidade de César para com os antigos adversários. A partir daí manteve-se discreto e exerceu papel moderador nos conflitos parlamentares até ressurgir atrevido e combativo após a morte de César, defendendo os seus algozes e clamando contra os partidários do líder morto. Estes não o perdoaram e após dominarem a Itália, forçando Cassius e Brutus a fugirem, saíram à caça de Cícero e o executaram em dezembro de 43 AC.

Os soldados de Otávio e Antônio prendem Cícero na estrada quando ele tentava fugir e o
executam (43 AC). Gravura de autor do século XIX identificado apenas como HMP
      
Ficam, portanto, duas questões: a) Por que os conjurados o trataram com desdém, não o convidando nem informando da conspiração apesar de ser ele membro destacado do Partido Conservador? b) Por que, embora sendo por eles tratado com desdém, assumiu-lhes o partido e a defesa? 

Creio que a resposta à primeira questão está na pouca confiança que o seu caráter inspirava. Por exemplo: César ficara ao lado do Senado durante a revolta de Catilina, mas opôs-se à decisão de Cícero de executar sem julgamento importantes cidadãos envolvidos. Não obstante, o defendeu quando ele foi chamado a prestar contas dos seus atos arbitrários e se empenhou para que fosse perdoado após sua condenação ao exílio. Depois disso cultivaram boas relações e durante as guerras das Gálias mantiveram ativa correspondência, pois César costumava lhe escrever longas cartas relatando o andamento da campanha, prontamente respondidas por Cícero relatando-lhe o que se passava em Roma durante a sua prolongada ausência. Coisas como essa levam a crer que uma sólida amizade nascera entre eles, mas quando César e Pompeu romperam ele retribuiu os favores e gentilezas do primeiro ficando ao lado do segundo e o acompanhando na sua malfadada campanha militar.

De novo perdoado pela generosidade de César, adotou atitude mais digna e sendo homem de letras fazia grandes elogios às suas duas obras primas, De Belo Galico e De Belo Civille. Em consequência, os conjurados certamente achavam que Cícero arrependera-se da sua ingratidão para com César e resolvera não repeti-la ao ser beneficiado após a derrota de Pompeu. Ademais, Cícero era um homem da Lei e eles deviam achar que ele se oporia à prática de um crime no sagrado recinto do Senado, fato jamais ocorrido antes. Por isso não o convidaram e nem sequer o informaram da conjuração, pois deviam temer que ele não só se opusesse como ainda lhes reprovasse e denunciasse a perversa intenção em veementes discursos, tal como fizera por ocasião da conspiração de Catilina.

A resposta à segunda questão está não só no seu ultraconservadorismo como na pouca nobreza do seu caráter, impossível de detectar nos seus excelentes escritos. Tudo indica que sua excessiva vaidade, falta de sentimentos autênticos e miopia estratégica fez com que visse na morte de César oportunidade de novamente ocupar lugar de destaque no cenário político de Roma, pois os conjurados eram políticos relativamente obscuros e intelectualmente medíocres. Nada melhor para que alguém do seu porte assumisse a liderança e se tornasse a eminência ilustre da nova situação.

Enganou-se e pagou com a vida a sua falta de firmeza moral, oportunismo e monumental erro político!




domingo, 10 de abril de 2011

Post nº 34

BRUTUS  E  CASSIUS  -  POR  QUE  ELES  ASSASSINARAM  CÉSAR  ?


Assassinato de César. Quadro célebre de Vincenzo Camuccini (1804)


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Poucos fatos históricos são tão conhecidos como o assassinato de César e sobre ele já se escreveu bastante, porém o episódio está cheio de circunstâncias estranhas que constituem verdadeiros mistérios. O primeiro deles é o fato dos líderes da conspiração, Cassius e Brutus, serem amigos próximos do grande estadista. Cassius fora seu colega de juventude e participaram juntos de estudos e eventos esportivos. Conta-se, embora disso não haja certeza, que quando disputavam prova de natação César teve uma câimbra e começou a se afogar na correnteza do rio Tibre, mas Cassius o salvou e por isso perdeu a competição!

Os que aceitam a veracidade do fato dizem que César sempre lhe foi grato e com ele conservou boas relações de amizade mesmo após a briga com Pompeu, pois Cassius ficara do lado deste e fora um dos seus principais generais, chegando a destroçar uma esquadra cesarista no litoral da Sicília. Inconformado com a definitiva derrota de Pompeu na batalha de Farsália, ele fora à Ásia juntar forças para continuar a guerra, mas fracassara e se tornara foragido. Portanto, se havia um conservador em Roma que não poderia merecer o perdão do vitorioso era Cassius. Mas não houvera uma só família patrícia em Roma que não tivesse participado da contenda e sofrido perdas ou sérios agravos de ambos os lados, por isso César perdoou quase todos. Dado o seu generoso procedimento, os ex-adversários acharam melhor apoiá-lo ao invés de guardarem mágoas insanáveis e as antigas amizades foram reatadas. Embora não fossem colaboradores políticos, César o tratava bem e até zombava da sua esbelteza, dizendo que ele era magro porque “comia pouco, falava de menos e pensava demais”! Parece que Cassius levava isso na esportiva, pois nunca houve rusgas por conta dessas piadas.

Caius Cassius Longinus

O caso de Brutus é ainda mais estranho. César era amigo da sua família e dezesseis anos mais velho. O conhecera ainda criança e tivera um ardente caso amoroso com a sua aristocrática e rica mãe viúva, muito falado na alta sociedade romana da época. Tudo indica que ambos não casaram, apesar de terem a mesma idade e igual nível social, porque na época César era casado e não havia interesse político ou econômico no divórcio, levando-se em conta que na alta sociedade romana os casamentos se davam por interesse das famílias envolvidas e não por amor.

Quando o jovem Brutus entrou para o Senado na vaga do pai falecido há vários anos, César o protegeu e incentivou a sua carreira política, pois se davam bem e o amigo mais velho tratava o mais novo carinhosamente como “afilhado”, o que levou alguns a julgar que fosse filho de verdade. Para chegar a essa suposição baseavam-se na crença de que César negava idade por ser muito vaidoso e fosse na verdade dois anos mais velho do que dizia. Assim, teria dezoito anos a mais que Brutus e não apenas dezesseis. Na época o calendário era primitivo e César criaria o primeiro com razoável precisão científica, o chamado "Calendário Juliano" que vigorou até o século XVI e é ainda hoje usado por algumas igrejas cristães do Oriente. Também não havia jornais, revistas, registros civis nem quaisquer outras coisas que pudessem atestar a certeza das datas, de forma que elas eram muito duvidosas e nada impede que César e Servília tivessem iniciado o seu romance quando ambos tinham na verdade desesseis ou dezessete anos e já eram casados, pois a vida matrimonial e social das altas classes começava para os jovens tão logo eles saiam da puberdade e eram capazes de procriar. Porém, fosse Brutus filho ou "afilhado" de César, há uma pista que diz muito sobre os seus reais sentimentos em relação ao amigo e protetor: na guerra civil ele apoiou Pompeu ao invés de César!

Brutus quando jovem

A sua atitude foi de tirar o fôlego e deixar todos incrédulos porque o seu pai fora executado anos antes por ordem de Pompeu numa das muitas lutas pelo poder comuns em Roma e nenhuma explicação política podia justificar o seu rompimento com o ex-amante da mãe para apoiar o assassino do pai, mas assim foi. Brutus não só apoiou Pompeu como juntou-se ao seu exército e combateu bravamente ao seu lado na decisiva batalha de Farsália onde foram derrotados. Mas o que ocorreu então dá a medida da enorme afeição que César lhe tinha e faz suspeitar que as suas ligações com a bela Servília, mãe de Brutus, continuavam ainda bastante firmes: ordenou aos soldados que de modo algum o ferissem e caso fossem vitoriosos não forçassem a sua captura se ele não quisesse render-se!

Após enfrentar inimigos vitoriosos tão "compreensivos", a ponto de lhe permitirem sair incólume do campo de batalha, Brutus passou algum tempo confortavelmente "foragido" e depois escreveu carta a César pedindo perdão e permissão para voltar a Roma, no que foi logo atendido sem perder propriedades ou sequer sofrer uma multa simbólica. A única coisa que talvez tenha sofrido foi dura repreensão da mãe, que continuava a manter boas relações com o antigo amante, tão vilmente tratado pelo ingrato protegido.

César era generoso e como seu objetivo maior era pacificar a República e solidificar seu poder perdoou-lhe tudo, assim como também perdoou outros nobres que haviam ficado ao lado de Pompeu, considerando-os apenas "velhos amigos que saíram da linha". César agiu com grandeza, mas também com sabedoria porque Cícero, Brutus e Cassius, assim como outros ex-adversários, eram do Partido Conservador e este apoiara Pompeu maciçamente. Portanto nada tinham feito de traiçoeiro ou excepcional. Para governar, César precisava do apoio geral e não iria desperdiçar antigas parcerias que continuavam aparentemente firmes e poderiam ser muito úteis. Com habilidade, agiu como se nada tivesse acontecido e reiniciou as velhas amizades no ponto em que foram interrompidas.

Porém a generosidade de César não ficou somente aí. Pouco tempo depois nomeou Brutus governador da Gália Cisalpina (norte da Itália) e ao se tornar ditador vitalício o fez praetor urbanus, um dos mais importantes cargos da República. Como se não bastasse, prometeu publicamente fazê-lo cônsul no futuro exercício de 41, pois o cargo já estava prometido a outros candidatos para os futuros exercícios de 43 e 42. Cassius não fora alvo de tamanha munificência, mas fora mandado desempenhar importante missão no Egito e logo depois César não só o nomeara para  o elevado cargo de praetor peregrinus como lhe prometera o de governador da Síria assim que fizesse alguns arranjos políticos. Tal como Brutus, ele também fora plenamente reintegrado no círculo dos amigos de César.

Cassius e Brutus não se conformavam com a imensa popularidade
de César. Gravura de autor anônimo do século XIX

Por que então ambos conspiraram contra o amigo de forma tão odienta, a ponto de liderarem e tomarem parte pessoalmente no brutal e covarde assassinato? A surrada explicação de que eles “amavam a República acima de tudo” e temiam que César a “destruísse” não convence, porque estavam muito bem sob o seu governo e seriam muito mais úteis à preservação dela estando com ele do que contra ele. Não tinham jamais manifestado oposições a César no Senado depois da sua vitória sobre Pompeu e nem mesmo Brutus, que era orador razoável, jamais discursara contra o amigo Ditador, mostrando que o seu governo era brando e satisfazia as necessidades da República.

A verdade é que ficara evidente a todos que o velho sistema oligárquico, com suas eternas rivalidades entre indivíduos ambiciosos e grupos interesseiros, era incapaz de propiciar estabilidade política e segurança pessoal aos cidadãos. Isto fazia necessário a existência de uma espécie de "presidente da república" munido de grandes poderes, capaz de fazer prevalecer os interesses da sociedade em lugar dos interesses de indivíduos e facções. Ou seja: o "Estado Anárquico" da oligarquia apoiada na nobreza precisava ser substituído pelo "Estado Autoritário" da monarquia apoiada no povo! Para tanto não era preciso dar ao monarca o título de rei ou outro qualquer: bastava chamá-lo César! Dali em diante todos os líderes supremos foram chamados César por força do costume e não da lei.

Todos sabiam que a tentativa de Antonio coroar César "rei" fora uma brincadeira
durante o carnaval romano. Gravura de autor anônimo do século XIX

Quando em janeiro de 44 AC o mandato ditatorial terminou, o Senado o fez "ditador vitalício" e contra isso não se insurgiram Cassius e Brutus. Aliás, nem mesmo Cícero, o mais destacado líder da oposição, manifestou-se contra. Por que então eles manteriam ocultas essas "altas razões de estado" para só um mês antes do crime passarem a conspirar contra alguém que gozava do apoio ostensivo da grande maioria dos romanos, inclusive do seu? Penso que os motivos deles são muito mais terra-a-terra do que imaginamos, pois tendemos a conferir Altas Razões de Estado a fatos que não passam de fruto podre de mesquinhas razões pessoais. Parece-me que o caso de Cassius e Brutus é um deles.

O suicídio de Brutus após sua derrota em 41 AC há de ser visto como justiça poética, pois caso César  fosse vivo
Brutus nesse ano seria Cônsul, o mais alto magistrado de Roma. Gravura de autor anônimo do século XIX
       
Os franceses, quando há um crime misterioso para o qual não acham explicações razoáveis, costumam aconselhar: Chercher la Femme (procurem a mulher)! César era mulherengo inveterado e fala-se que poucas damas da alta sociedade lhe tinham escapado. O seu caso com Servília Scipionis, a bela e rica mãe de Brutus, fora muito falado na época e ele certamente o sabia. Talvez o soubesse desde a adolescência e houvesse sido alvo de ridicularias, insultos e humilhações de colegas, acumulando em sua mente sombria ódio silencioso e implacável contra o causador da sua injusta desonra. Não sabemos com certeza o motivo de César e Servília não terem casado, pois além de viúva riquíssima ela era jovem, bonita e da mais alta aristocracia. Tudo indica que ela era apaixonada por César, pois apesar de ter casado novamente mantinha com ele estreitas relações de amizade mesmo muito depois do afaire ter arrefecido. Talvez tenha sido achar que César "esnobara" Servília o que agravou ainda mais o ressentimento de Brutus contra o "padrinho". Motivos de natureza freudiana sempre estiveram presentes em crimes de estudada traição e excesso de violência, como foi o assassinato de César, e só um ódio passional antigo e entranhado, alimentado por graves ressentimentos, poderia explicar a atitude de Brutus.

Na peça de Shakespeare o fantasma de César aparece a Brutus e lhe diz que se
encontrarão na batalha de Phillipos. Quadro de Richard Westall (1802)

O caso de Cassius não é tão claro. Ele e César eram da mesma idade e muito difícil seria a um deles ter caso com a mãe do outro dado a diferença de idade com as respectivas matronas. Mas esposas, filhas, irmãs e amantes não estão nessa categoria e é razoável supor que César tenha seduzido alguma mulher muito querida a Cassius e ele só tenha sabido próximo ao assassinato, quando então passou a odiar o amigo e planejou vingar-se, atraindo Brutus para a trama por conhecer de sobra as suas razões para tomar parte na sórdida empreitada. A “preservação da liberdade face à tirania” seria a nobre razão política a ser dada ao povo romano como motivo!

Poucas vezes na história a covardia se associou tanto à traição como na morte de César e a participação de alguns senadores no crime chega a ser tão incompreensível quanto a de Cássius e Brutus. A título de ilustração basta lembrar o caso dos irmãos Servilius Casca. Caius era amigo íntimo de César e Publius há pouco tempo se elegera Tribuno do Povo com o seu apoio, mas ambos estão entre os assassinos, sendo que foi Publius quem lhe desferiu o primeiro golpe pelas costas, ferindo-o no pescoço.

Não se pode excluir a possibilidade de outros conspiradores estarem no mesmo caso de Cassius e Brutus, mas sendo cerca de meia centena é certo que muitos teriam os mais diversos motivos para o crime.

Porém tudo indica que a defesa da liberdade não era um deles!



sábado, 2 de abril de 2011

Post nº 33

CÉSAR  ALCANÇA  O  PODER
ABSOLUTO

O príncipe gaulês Vercingetorix depõe as armas perante César após ser derrotado na batalha de Alésia
em 52 AC. Tela do pintor francês Lionel Royer (séc. XIX)


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Antes de completar quarenta anos César já ocupara importantes cargos públicos e era um dos políticos mais acatados e populares de Roma, porém para dar passos maiores ele precisava de dinheiro e de fama militar, coisas que dois amigos conservadores possuíam em abundância. Crasso era o mais rico romano e Pompeu o mais famoso general; ambos estavam descontentes porque julgavam seus méritos tratados abaixo do que mereciam, pois Crasso não tivera grandes recompensas por sua vitória sobre Spartaco, e Pompeu, que as tivera em abundância por outras vitórias, não recebera nenhum poder excepcional por conta delas. Ambos eram nobres ilustres e aplaudidos, mas se quisessem cargos tinham que pleiteá-los em árduas campanhas eleitorais e serem eleitos por seus pares. Isto era fácil de conseguir: um, pelo dinheiro; o outro, pela glória militar, porém estavam cansados disso e achavam que tais disputas, além de serem um desperdício de tempo e dinheiro, só causavam malquerenças e guerras civis. Era preciso por-lhes ponto final com medidas que acabassem as facções e pusessem o poder nas mãos de uns poucos iluminados.
 
César era um dos líderes mais populares de Roma quando do 1º
Triunvirato, mas era sócio-menor por não ter vivência militar

Muitos senadores e o povo eram da mesma opinião, mas havia um problema: Crasso, embora pudesse comprar eleições, não podia comprar o amor do povo, pois era indiferente à sua miséria e o explorava cruelmente com pequenos empréstimos a juros escorchantes e altíssimos alugueres nas centenas de cortiços que possuía em Roma. Ai de quem não pagasse ao mafioso Crasso! Até os conservadores faziam pesadas restrições à sua ganância e por isso não lhe deram grandes honrarias por sua vitória na guerra contra os escravos. Pompeu era glorificado e respeitado, porém era excessivamente conservador, orgulhoso e léguas longe do povo, o qual lhe pagava na mesma moeda. Depois de muitas confabulações, concluíram que precisavam de um sócio menor que fornecesse base popular a um Golpe de Estado, pois para ter sucesso era necessário ser bem recebido pelo povo e deixar o Senado sem ação. Acharam o parceiro ideal em César: ele era da alta aristocracia e tinha trânsito livre entre os conservadores; assumira posições liberais e estes o consideravam um dos seus; defendera os interesses do povo habilmente, ganhando-lhe o favor sem criar aversões na nobreza; por fim, estava sem dinheiro por seus gastos excessivos e sua experiência militar era escassa; se tivesse muita, isso o igualaria aos outros dois, que se pretendiam serem seus sócios maiores. Como César era ótimo orador, encarregaram-no de comunicar aos senadores e ao povo a decisão deles assumirem o poder “para o bem geral”. Foi uma decisão fatal, pois a oratória de César o fez parecer como sendo o líder do golpe, ao qual Pompeu apenas trouxera o apoio do exército e Crasso o apoio do dinheiro.

Pompeu ainda jovem nos anos 70 AC. Dez anos depois era o mais vitorioso general da
história de Roma e resolveu tomar o poder tendo César como testa de ferro 
         
Todos apoiaram o que a história chamou de Primeiro Triunvirato: os liberais e o povo porque o “líder” era César; os conservadores porque César era alto aristocrata e Crasso riquíssimo, coisa que fazia os moderados corruptos o terem em boa conta; quanto a Pompeu, ele era a glória militar da República e homem da inteira confiança dos radicais austeros. Os três começaram a governar e César, cujas dívidas tinham sido pagas por Crasso, manifestou desejo de submeter a Gália, vasta região que ainda estava fora do domínio romano. A sua intenção era ganhar experiência e glória militar, mas aos sócios disse que apesar de suas dívidas estarem pagas não tinha de onde tirar dinheiro para despesas futuras; por isso a ideia de conquistar e saquear a Gália.

Eles ficaram deliciados, não só porque era uma oportunidade de ouro para se livrarem por uns tempos do incômodo “líder”, mas porque tinham certeza de que dado a sua pouca experiência militar ele falharia e, quem sabe, até morresse por lá! Deram-lhe um poderoso exército, mas tiveram o cuidado de de lhe darem poucos oficiais de notória competência. Foram mais dois erros fatais. De posse de um grande exército desfalcado de brilhantes oficiais, o seu talento lhe possibilitou selecionar durante os treinamentos os melhores soldados e fez uma enxurrada de promoções, tornando-se queridíssimo das tropas. A sua simpatia e competência fizeram o resto, e quando chegou à Gália ele era o líder inconteste dos seus soldados. Apesar dos combates terem sido breves e de pouca monta durante a pacificação da Espanha por ele comandada, César procurara aprender tudo que ela lhe oferecera sobre a arte da guerra. Ademais, na juventude fora muito atento às lições de artes marciais e de história militar, assuntos que muito lhe agradavam; por isso aproveitou sua nova posição para estudar em profundidade tudo o que havia sobre organização, estratégia e tática militar. Também aprendeu tudo que pôde sobre a Gália e os gauleses, e quando se iniciaram os combates ele estava mais preparado para a luta do que qualquer outro general de sua época.

Durante a guerra na Gália, César invadiu a Britannia duas vezes e
obteve várias vitórias. Gravura de Edward Armitage (1843)

César acumulou vitória após vitória, fazendo com que relatos dos seus feitos chegassem periodicamente a Roma com tesouros saqueados e prisioneiros escravizados. Parte significativa dos lucros ele distribuiu ao exército, que passou a adorá-lo, mas guardou a maior parte e recompôs a sua imensa fortuna. O Senado e o povo lhe deram o título de “Imperator” (general triunfante) e lhe votaram grandes homenagens para quando voltasse. Quem não gostou disso foram os sócios que tinham ficado em Roma e agora viam a tolice que tinham feito, pois o povo só tinha olhos para César e os ignorava completamente. Crasso então decidiu imitá-lo e partiu para conquistar o rico Reino da Partia na Ásia, adquirindo glória militar e ainda mais riquezas. Porém os partas o derrotaram e o executaram, derramando ouro líquido fervente na sua boca e dizendo-lhe: “Sacia agora a tua sede de ouro, homem ganancioso”! Outra versão diz que os partas o decapitaram após ele ter sido morto na batalha e só então encheram a sua boca com ouro líquido, mas o fato é que a sua cabeça foi empalhada e ficou muito tempo como troféu na corte do rei vitorioso, onde vez por outra era usada como objeto de ridicularia durante representações de comédias gregas.

Crasso tinha grande valor militar, mas sua enorme cobiça e excessiva ganância o perderam

Com a derrota de Crasso a rivalidade entre os dois triúnviros remanescentes se agravou e suas relações de amizade praticamente cessaram quando Pompeu ficou viúvo da filha de César, com quem era casado. O fato de não terem tido filhos, rompeu os laços familiares e interrompeu de vez a precária amizade dos dois, mas não interrompeu a vitoriosa campanha de César, que aproveitando um momento de calmaria nas já quase concluídas operações militares na Gália atravessou o canal da Mancha com poderosa esquadra e deu início à conquista da Britannia, que só viria a se completar um século depois. Mas se não a dominou, apesar de tê-la invadido em 54 e 53 AC, ele a revelou para os romanos e fincou cabeças de ponte na ilha através de alianças com reis tribais, tornando-os aliados e tributários de Roma. Durante essas campanhas obteve vitórias contra tribos britânicas desorganizadas, fez anotações sobre o seu curioso modo de lutar usando carros de guerra, realizou grandes saques e voltou ao continente mais glorioso ainda.

Vercingetorix é considerado o primeiro herói nacional francês apesar
de vencido. Famosa estátua sua no parque nacional de Alésia

A conquista da Gália estava praticamente terminada quando Vercingetorix, bravo príncipe gaulês, revoltou-se e obrigou César a novos e extenuantes esforços para assegurar o que havia ganho. Finalmente derrotou o patriota gaulês na célebre batalha de Alésia, a qual passou à história como modelo de vitória obtida mais por técnicas de engenharia do que por técnicas de combate e enriqueceu de vez o seu já notável currículo militar.

Na batalha de Alésia (52 AC) a engenharia venceu a valentia, mas a execução do príncipe vencido é uma
mancha no currículo de César. Tela "Rendição de Vercingetorix" de Henry-Paul Motte (1886)

Após a vitória final, César decidiu ficar mais algum tempo organizando a nova província do Império e publicou em Roma o seu livro “A Guerra da Gália”, que teve enorme sucesso e é hoje tido como uma das obras-primas da literatura universal. Cícero, maior literato romano da época e com quem César mantinha vasta correspondência, teceu grandes elogios à obra, dizendo que era o melhor livro já escrito sobre campanhas militares.

O livro de César sobre a "Guerra das Gálias" tornou-se um clássico da
literatura universal. Edição rara datada de 1783

Ele era considerado agora pelos romanos não só hábil político e brilhante orador, mas também grande general e notável homem de letras. A sua grandeza e popularidade irritaram os conservadores que dominavam o senado, pois viram nele um candidato certo à tirania e sério perigo à sua hegemonia. Pompeu também ficou preocupado e concordou com a esdrúxula ordem dada a César pelo Senado para que licenciasse o seu exército e voltasse a Roma a fim de responder processo político por acusações de “improbidade” praticadas na Gália. Era uma absurda declaração de guerra e Pompeu finalmente cometia o último e mais grave de todos os seus erros.

César e o seu grande exército, curtidos por anos de batalhas, ficaram indignados e marcharam sobre Roma. Ao atravessar o rio Rubicon, limite além do qual ele estaria legalmente em estado de rebelião contra a República, pronunciou a sua célebre frase: “A sorte está lançada”! Cidade após cidade passou para o seu lado e as tropas do Senado começaram a desertar, fazendo Pompeu e seus partidários fugirem às pressas para o Oriente onde organizaram um grande exército com tropas ainda não contaminadas pela fervente admiração a César. Este entrou em Roma triunfante e após botar a capital em ordem foi a Espanha submeter generais que recusavam sua suprema autoridade.
 
Desobedecendo o senado, César atravessou o rio Rubicon e marchou
sobre Roma. Gravura de autor anônimo do século XIX

Com todo o Ocidente sob o seu poder, marchou para a Grécia onde derrotou Pompeu e os seus aliados na grande batalha de Farsália. Para sua grande decepção, entre estes estavam os seus "amigos" Cícero, Cássio e Brutus, que generosamente poupou, mas Pompeu não quiz se render e fugiu para o Egito. César o perseguiu, mas quando lá chegou os egípcios o presentearam com a cabeça do seu ex-amigo e genro que eles prudentemente haviam matado antes que o vencedor chegasse.

César é presenteado pelo bajulador rei do Egito com a cabeça de Pompeu em
uma bandeja. Tela de Tiepolo (séc. XVIII)

Hipocritamente o chorou e decretou-lhe grandes honras fúnebres, depondo o reizinho bajulador e pondo no trono a jovem e linda princesa Cleópatra que logo se tornou sua amante. Conta a lenda que o rei seu irmão a tinha banido da corte e ela conseguiu chegar ao gabinete de César enrolada em um tapete para expor o seu caso, porém tudo indica que o conquistador deu mais valor ao seu poder de sedução do que aos seus argumentos e a pôs no trono do Egito. Contudo, o seu romance com a bela Cleópatra, vinte e cinco anos mais jovem, não arrefeceu seu ânimo combativo nem o deixou inativo e aproveitou sua estadia no Oriente para submeter ao domínio romano toda a Ásia mediterrânea. Quando um rei local o desafiou, ele o derrotou tão rápido que se limitou a informar o fato ao Senado em brevíssima mensagem: “Vim, vi e venci”!

Cleópatra entrou no gabinete de César enrolada em um tapete e ele a
nomeou rainha do Egito. Tela de Jean-Léon Gerôme (1866)

Por fim voltou a Roma em meio a ruidosas comemorações e homenagens nunca vistas antes. Deram-lhe pela quarta vez o título de “Imperator” (Pompeu recebera o título seis vezes) e o elegeram Ditador pela quinta vez. Ele demonstrou grande magnanimidade com os antigos adversários, perdoando a maioria e punindo com o exílio apenas os mais renitentes e perigosos. Também confiscou seus vastos latifúndios e os repartiu com os soldados e agricultores pobres. Nessa ocasião publicou sua segunda obra-prima literária: “A Guerra Civil”. Procurando sanar os enormes estragos da guerra, iniciou grande plano de obras públicas e ousado programa de reformas políticas e sociais. Para alcançar seus corretos objetivos nomeou muitos novos senadores e a enorme maioria que já tinha no povo refletiu-se em grande maioria também no Senado, que o elegeu “Ditador Vitalício”. César finalmente alcançara o poder absoluto!

Ao chegar ao senado na manhã de 15 de março de 44 AC  os assassinos fingem apresentar-lhe  petições
para distraí-lo enquanto um deles o apunhá-la pelas costas. Tela de Karl von Piloty (1865)

Na manhã de 15 de março de 44 AC ele acordou indisposto e cedeu aos insistentes pedidos de sua esposa Calpúrnia para que não saísse de casa naquele dia. Assim, mandou mensageiro ao senado informando-o de que não iria à sessão, mas um grupo de conspiradores, entre os quais o seu afilhado e protegido Brutus, veio visitá-lo a pretexto de "saber da sua saúde" e o convenceu a comparecer mesmo estando adoentado. Brutus foi quem mais insistiu para que ele fosse à sessão, dizendo-lhe que nela seriam discutidos importantes assuntos carentes de sua aprovação e não era aceitável que um simples mal-estar "impedisse o grande César de prestar seus serviços à pátria". Atendendo aos apelos dos "amigos", ele mudou de ideia e serenamente deu o primeiro passo para sair da vida e entrar na História.