domingo, 10 de abril de 2011

Post nº 34

BRUTUS  E  CASSIUS  -  POR  QUE  ELES  ASSASSINARAM  CÉSAR  ?


Assassinato de César. Quadro célebre de Vincenzo Camuccini (1804)


Para adquirir estes livros clique acima em nossa Livraria Virtual
     
            
Poucos fatos históricos são tão conhecidos como o assassinato de César e sobre ele já se escreveu bastante, porém o episódio está cheio de circunstâncias estranhas que constituem verdadeiros mistérios. O primeiro deles é o fato dos líderes da conspiração, Cassius e Brutus, serem amigos próximos do grande estadista. Cassius fora seu colega de juventude e participaram juntos de estudos e eventos esportivos. Conta-se, embora disso não haja certeza, que quando disputavam prova de natação César teve uma câimbra e começou a se afogar na correnteza do rio Tibre, mas Cassius o salvou e por isso perdeu a competição!

Os que aceitam a veracidade do fato dizem que César sempre lhe foi grato e com ele conservou boas relações de amizade mesmo após a briga com Pompeu, pois Cassius ficara do lado deste e fora um dos seus principais generais, chegando a destroçar uma esquadra cesarista no litoral da Sicília. Inconformado com a definitiva derrota de Pompeu na batalha de Farsália, ele fora à Ásia juntar forças para continuar a guerra, mas fracassara e se tornara foragido. Portanto, se havia um conservador em Roma que não poderia merecer o perdão do vitorioso era Cassius. Mas não houvera uma só família patrícia em Roma que não tivesse participado da contenda e sofrido perdas ou sérios agravos de ambos os lados, por isso César perdoou quase todos. Dado o seu generoso procedimento, os ex-adversários acharam melhor apoiá-lo ao invés de guardarem mágoas insanáveis e as antigas amizades foram reatadas. Embora não fossem colaboradores políticos, César o tratava bem e até zombava da sua esbelteza, dizendo que ele era magro porque “comia pouco, falava de menos e pensava demais”! Parece que Cassius levava isso na esportiva, pois nunca houve rusgas por conta dessas piadas.

Caius Cassius Longinus

O caso de Brutus é ainda mais estranho. César era amigo da sua família e dezesseis anos mais velho. O conhecera ainda criança e tivera um ardente caso amoroso com a sua aristocrática e rica mãe viúva, muito falado na alta sociedade romana da época. Tudo indica que ambos não casaram, apesar de terem a mesma idade e igual nível social, porque na época César era casado e não havia interesse político ou econômico no divórcio, levando-se em conta que na alta sociedade romana os casamentos se davam por interesse das famílias envolvidas e não por amor.

Quando o jovem Brutus entrou para o Senado na vaga do pai falecido há vários anos, César o protegeu e incentivou a sua carreira política, pois se davam bem e o amigo mais velho tratava o mais novo carinhosamente como “afilhado”, o que levou alguns a julgar que fosse filho de verdade. Para chegar a essa suposição baseavam-se na crença de que César negava idade por ser muito vaidoso e fosse na verdade dois anos mais velho do que dizia. Assim, teria dezoito anos a mais que Brutus e não apenas dezesseis. Na época o calendário era primitivo e César criaria o primeiro com razoável precisão científica, o chamado "Calendário Juliano" que vigorou até o século XVI e é ainda hoje usado por algumas igrejas cristães do Oriente. Também não havia jornais, revistas, registros civis nem quaisquer outras coisas que pudessem atestar a certeza das datas, de forma que elas eram muito duvidosas e nada impede que César e Servília tivessem iniciado o seu romance quando ambos tinham na verdade desesseis ou dezessete anos e já eram casados, pois a vida matrimonial e social das altas classes começava para os jovens tão logo eles saiam da puberdade e eram capazes de procriar. Porém, fosse Brutus filho ou "afilhado" de César, há uma pista que diz muito sobre os seus reais sentimentos em relação ao amigo e protetor: na guerra civil ele apoiou Pompeu ao invés de César!

Brutus quando jovem

A sua atitude foi de tirar o fôlego e deixar todos incrédulos porque o seu pai fora executado anos antes por ordem de Pompeu numa das muitas lutas pelo poder comuns em Roma e nenhuma explicação política podia justificar o seu rompimento com o ex-amante da mãe para apoiar o assassino do pai, mas assim foi. Brutus não só apoiou Pompeu como juntou-se ao seu exército e combateu bravamente ao seu lado na decisiva batalha de Farsália onde foram derrotados. Mas o que ocorreu então dá a medida da enorme afeição que César lhe tinha e faz suspeitar que as suas ligações com a bela Servília, mãe de Brutus, continuavam ainda bastante firmes: ordenou aos soldados que de modo algum o ferissem e caso fossem vitoriosos não forçassem a sua captura se ele não quisesse render-se!

Após enfrentar inimigos vitoriosos tão "compreensivos", a ponto de lhe permitirem sair incólume do campo de batalha, Brutus passou algum tempo confortavelmente "foragido" e depois escreveu carta a César pedindo perdão e permissão para voltar a Roma, no que foi logo atendido sem perder propriedades ou sequer sofrer uma multa simbólica. A única coisa que talvez tenha sofrido foi dura repreensão da mãe, que continuava a manter boas relações com o antigo amante, tão vilmente tratado pelo ingrato protegido.

César era generoso e como seu objetivo maior era pacificar a República e solidificar seu poder perdoou-lhe tudo, assim como também perdoou outros nobres que haviam ficado ao lado de Pompeu, considerando-os apenas "velhos amigos que saíram da linha". César agiu com grandeza, mas também com sabedoria porque Cícero, Brutus e Cassius, assim como outros ex-adversários, eram do Partido Conservador e este apoiara Pompeu maciçamente. Portanto nada tinham feito de traiçoeiro ou excepcional. Para governar, César precisava do apoio geral e não iria desperdiçar antigas parcerias que continuavam aparentemente firmes e poderiam ser muito úteis. Com habilidade, agiu como se nada tivesse acontecido e reiniciou as velhas amizades no ponto em que foram interrompidas.

Porém a generosidade de César não ficou somente aí. Pouco tempo depois nomeou Brutus governador da Gália Cisalpina (norte da Itália) e ao se tornar ditador vitalício o fez praetor urbanus, um dos mais importantes cargos da República. Como se não bastasse, prometeu publicamente fazê-lo cônsul no futuro exercício de 41, pois o cargo já estava prometido a outros candidatos para os futuros exercícios de 43 e 42. Cassius não fora alvo de tamanha munificência, mas fora mandado desempenhar importante missão no Egito e logo depois César não só o nomeara para  o elevado cargo de praetor peregrinus como lhe prometera o de governador da Síria assim que fizesse alguns arranjos políticos. Tal como Brutus, ele também fora plenamente reintegrado no círculo dos amigos de César.

Cassius e Brutus não se conformavam com a imensa popularidade
de César. Gravura de autor anônimo do século XIX

Por que então ambos conspiraram contra o amigo de forma tão odienta, a ponto de liderarem e tomarem parte pessoalmente no brutal e covarde assassinato? A surrada explicação de que eles “amavam a República acima de tudo” e temiam que César a “destruísse” não convence, porque estavam muito bem sob o seu governo e seriam muito mais úteis à preservação dela estando com ele do que contra ele. Não tinham jamais manifestado oposições a César no Senado depois da sua vitória sobre Pompeu e nem mesmo Brutus, que era orador razoável, jamais discursara contra o amigo Ditador, mostrando que o seu governo era brando e satisfazia as necessidades da República.

A verdade é que ficara evidente a todos que o velho sistema oligárquico, com suas eternas rivalidades entre indivíduos ambiciosos e grupos interesseiros, era incapaz de propiciar estabilidade política e segurança pessoal aos cidadãos. Isto fazia necessário a existência de uma espécie de "presidente da república" munido de grandes poderes, capaz de fazer prevalecer os interesses da sociedade em lugar dos interesses de indivíduos e facções. Ou seja: o "Estado Anárquico" da oligarquia apoiada na nobreza precisava ser substituído pelo "Estado Autoritário" da monarquia apoiada no povo! Para tanto não era preciso dar ao monarca o título de rei ou outro qualquer: bastava chamá-lo César! Dali em diante todos os líderes supremos foram chamados César por força do costume e não da lei.

Todos sabiam que a tentativa de Antonio coroar César "rei" fora uma brincadeira
durante o carnaval romano. Gravura de autor anônimo do século XIX

Quando em janeiro de 44 AC o mandato ditatorial terminou, o Senado o fez "ditador vitalício" e contra isso não se insurgiram Cassius e Brutus. Aliás, nem mesmo Cícero, o mais destacado líder da oposição, manifestou-se contra. Por que então eles manteriam ocultas essas "altas razões de estado" para só um mês antes do crime passarem a conspirar contra alguém que gozava do apoio ostensivo da grande maioria dos romanos, inclusive do seu? Penso que os motivos deles são muito mais terra-a-terra do que imaginamos, pois tendemos a conferir Altas Razões de Estado a fatos que não passam de fruto podre de mesquinhas razões pessoais. Parece-me que o caso de Cassius e Brutus é um deles.

O suicídio de Brutus após sua derrota em 41 AC há de ser visto como justiça poética, pois caso César  fosse vivo
Brutus nesse ano seria Cônsul, o mais alto magistrado de Roma. Gravura de autor anônimo do século XIX
       
Os franceses, quando há um crime misterioso para o qual não acham explicações razoáveis, costumam aconselhar: Chercher la Femme (procurem a mulher)! César era mulherengo inveterado e fala-se que poucas damas da alta sociedade lhe tinham escapado. O seu caso com Servília Scipionis, a bela e rica mãe de Brutus, fora muito falado na época e ele certamente o sabia. Talvez o soubesse desde a adolescência e houvesse sido alvo de ridicularias, insultos e humilhações de colegas, acumulando em sua mente sombria ódio silencioso e implacável contra o causador da sua injusta desonra. Não sabemos com certeza o motivo de César e Servília não terem casado, pois além de viúva riquíssima ela era jovem, bonita e da mais alta aristocracia. Tudo indica que ela era apaixonada por César, pois apesar de ter casado novamente mantinha com ele estreitas relações de amizade mesmo muito depois do afaire ter arrefecido. Talvez tenha sido achar que César "esnobara" Servília o que agravou ainda mais o ressentimento de Brutus contra o "padrinho". Motivos de natureza freudiana sempre estiveram presentes em crimes de estudada traição e excesso de violência, como foi o assassinato de César, e só um ódio passional antigo e entranhado, alimentado por graves ressentimentos, poderia explicar a atitude de Brutus.

Na peça de Shakespeare o fantasma de César aparece a Brutus e lhe diz que se
encontrarão na batalha de Phillipos. Quadro de Richard Westall (1802)

O caso de Cassius não é tão claro. Ele e César eram da mesma idade e muito difícil seria a um deles ter caso com a mãe do outro dado a diferença de idade com as respectivas matronas. Mas esposas, filhas, irmãs e amantes não estão nessa categoria e é razoável supor que César tenha seduzido alguma mulher muito querida a Cassius e ele só tenha sabido próximo ao assassinato, quando então passou a odiar o amigo e planejou vingar-se, atraindo Brutus para a trama por conhecer de sobra as suas razões para tomar parte na sórdida empreitada. A “preservação da liberdade face à tirania” seria a nobre razão política a ser dada ao povo romano como motivo!

Poucas vezes na história a covardia se associou tanto à traição como na morte de César e a participação de alguns senadores no crime chega a ser tão incompreensível quanto a de Cássius e Brutus. A título de ilustração basta lembrar o caso dos irmãos Servilius Casca. Caius era amigo íntimo de César e Publius há pouco tempo se elegera Tribuno do Povo com o seu apoio, mas ambos estão entre os assassinos, sendo que foi Publius quem lhe desferiu o primeiro golpe pelas costas, ferindo-o no pescoço.

Não se pode excluir a possibilidade de outros conspiradores estarem no mesmo caso de Cassius e Brutus, mas sendo cerca de meia centena é certo que muitos teriam os mais diversos motivos para o crime.

Porém tudo indica que a defesa da liberdade não era um deles!



2 comentários:

  1. Muito interessante, Virgílio. Também acho que muitos atos importantes da história têm, às vezes, motivos simplórios,mas será que tanta gente, num só ato, seria motivada simultaneamente por motivos banais, cada um com o seu?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. De um modo geral havia contra César grave ressentimento da parte mais conservadora da aristocracia por achá-lo um "traidor" da sua classe por ligar-se aos liberais e tentar implementar reformas reclamadas pelo povo e pela parte liberal da aristocracia. Esta era minoritária no Senado e César a tornou majoritária nomeando senadores centenas de plebeus ricos seus partidários. Esta "nobilitação" em massa de plebeus enfureceu ainda mais os conservadores tradicionalistas da velha nobreza e os mais radicais passaram a tramar um "golpe de estado" contra César, mas faltava alguém com talento para liderá-los e estes surpreendentemente surgiram nas pessoas de Brutus e Cassius, homens da velha nobreza e membros do círculo íntimo do ditador.

      Excluir