Post nº 42
ROBIN HOOD - O ARQUEIRO PLEBEU
CONTRA O NOBRE CAVALEIRO
CONTRA O NOBRE CAVALEIRO
Robin Hood luta com o sórdido xerife de Nottingham no famoso filme de 1938 "As Aventuras de Hobin Hood" estrelado pelo grande astro Errol Flyn |
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A luta na Idade Média entre nobres e plebeus manifestou-se na imaginação popular através de estórias sobre homens injustiçados que viravam salteadores e roubavam dos opressores para distribuir aos oprimidos. No fundo era o conflito entre os senhores feudais exploradores e os seus camponeses explorados, o qual no campo militar assumia a forma de luta entre o pobre arqueiro plebeu e o rico cavaleiro aristocrata. A lenda de "Robin Hood" representa bem esse conflito, sobretudo pela conotação ideológica que o debate sobre a sua identidade tomou na literatura, procurando-se tirar dele a condição de homem do povo rebelado contra a aristocracia e dar-lhe a condição de "nobre" membro desta, imbuído de altos princípios cavalheirescos que o levavam a protestar contra os "desvios" do regime, castigando os "maus" aristocratas e solidarizando-se com os "bons".
O resultado disso é que caso fossem perguntados poucos diriam já terem ouvido falar de lord Robert Lockesley, conde de Hutington, mas se o nome fosse trocado para Robin Hood quase todos responderiam SIM. Mesmo quem pouco soubesse dele diria: “Era um sujeito que roubava dos ricos para dar aos pobres”! Creio que nenhum personagem literário é mais conhecido no mundo que ele, exceção talvez do Rei Arthur. Curiosamente, ambos são figuras de historicidade controversa, situando-se mais no campo da fantasia do que no campo da história, pois mesmo os que defendem a sua real existência nos dão retratos muito diferentes dos que nos são oferecidos hoje pela literatura, pela arte e pela mídia.
Vejamos como Robin Hood nos é mostrado nas estórias atuais, sobretudo do cinema e da TV. Com algumas variações, em sua essência elas fundem-se numa só: lord Robert, conde de Hutington, é falsamente acusado de traição pelo sórdido Xerife de Notingham, lacaio do príncipe regente João Sem Terra, que planeja usurpar o trono do seu irmão Ricardo Coração de Leão, ausente nas cruzadas. Ordenada a sua prisão, seus bens são confiscados e ele foge para a floresta de Sherwood, onde com outros proscritos cria um bando cuja liderança assume, não só por conta do seu status social como porque é generoso, simpático, astuto, bravo, bom espadachim e ótimo arqueiro! Para ter o povo ao seu lado, assalta os ricos e dá a maior parte dos roubos aos pobres, pois ele e seus homens não são movidos pela ganância ou desejo de subverter a ordem, mas pelo desejo de castigarem os poderosos desonestos e corrigirem suas flagrantes injustiças. Sua cabeça é posta a prêmio e sua fúria contra o xerife aumenta quando descobre que ele planeja seqüestrar e desposar à força sua amada lady Marion. Assim, dá-lhe tenaz combate até derrotá-lo após a volta das Cruzadas do rei Ricardo Coração de Leão, a quem fora fiel durante a tentativa de usurpação de João Sem Terra, protetor do vilão. Perdoado pelo rei, o Robin Hood "lord Robert" recupera seus bens, premia os amigos, casa com lady Marion e vivem felizes para sempre.
O casamento de Robin com Marion sob as bênçãos do rei Ricardo está na maioria das versões do século XIX. Ilustração de Howard Pyle (1883) |
Para demonstrar a falsidade desta versão basta atentar no fato histórico de que o rei Ricardo jamais pôs os pés na Inglaterra após a sua volta das Cruzadas, pois restabeleceu sua corte primeiro na Aquitânia e depois na Normandia, hoje regiões da França, mas na época domínios dos quais era duque reinante. Por intercessão da sua mãe Eleanor, a Inglaterra continuou nas mãos do antigo regente: o seu irmão caçula João sem Terra! Portanto, se examinarmos a estória de Robin Hood sob critério histórico ela terá que necessariamente ser bem diferente das versões que temos hoje. É isso o que ocorre quando nos debruçamos sobre as versões medievais. Estas aparecem primeiro em manuscritos de poemas e baladas redigidos no século XIV, mas os que temos podem não ter sido os únicos, pois na época não havia imprensa, poucos sabiam ler e predominava a tradição oral. Assim, é bem possível que muitos manuscritos tenham se perdido ao longo dos séculos e não tenham chegado até nós.
Fato é que nos anos 1400 já existiam festividades populares, denominadas May Day, onde peças contando as aventuras de Robin Hood eram representadas como dramas e comédias, pois também havia versões que o apresentavam como sujeito esperto e ardiloso, sempre enganando os ricos e poderosos, como em nossas lendas também o faz o popular Pedro Malasartes. A mais antiga representação teatral das suas façanhas de que se tem notícia foi em Exeter no ano de 1426, bem ao sul do berço do herói no norte do país, mostrando que já era popular em toda a Inglaterra da época. Porém nas peças e baladas ele era um plebeu de classe média que fora espoliado pelos nobres e pelo fisco, sendo reduzido à pobreza e tornando-se bandido por força das injustiças e voracidade dos dominadores. Seu bom caráter consistia em jamais roubar o pouco dos pobres, mas roubar sempre o muito dos ricos para dividi-lo com os miseráveis, saqueados sem piedade pelos poderosos. A sua flagrante rebeldia contra os elementos dos extratos superiores da sociedade faz com que as produções literárias e artísticas da Idade Média nunca falem da sua ligação com reis e barões, pois isso seria inteiramente contraditório com a sua atuação, e mesmo a sua ligação com Ricardo Coração de Leão, totalmente fictícia dada a impossibilidade histórica de ter ocorrido, só foi aventada na literatura de tempos recentes e deve-se mais à semelhança entre o caráter boêmio e aventureiro de Ricardo e o imaginário caráter de Robin do que à "alianças políticas" fantasiosas.
Nas lendas Robin está sempre em luta com os nobres opressores e os seus capangas. Ilustração de Howard Pyle (1883) |
No final dos anos 1500 e início dos 1600 as estórias sobre Robin Hood eram correntes no dia a dia das pessoas e Shakespeare as menciona em sua peça Os Dois Cavalheiros de Verona. Todavia nessa mesma época ocorre fato que vem alterar completamente a origem popular de Robin Hood, pois o também famoso teatrólogo Anthony Munday faz dele personagem de duas peças e o apresenta como lord Robert, earl of Hutington! A partir daí ele deixa de ser “plebeu” e passa a ser “nobre”. A mudança é radical porque, como visto, até então ele era descrito como um yeoman (homem de classe média) que se alia aos camponeses e a outros homens da sua classe para combater a nobreza e desafiar as leis opressoras, roubando e matando os ricos exploradores e os seus capangas, coisa que o faz ídolo das massas. A mudança de status do herói, portanto, tem a clara finalidade política de torná-lo membro da elite e fiel vassalo de um “monarca legítimo”, Ricardo Coração de Leão, e rebelde contrário a um “usurpador”, João Sem Terra. A nova versão tirava ao povo um herói plebeu, que lhe dava exemplos de rebeldia contra os donos do poder, expropriava os ricos e liquidava seus prepostos, e se o substituia por um herói nobre, intolerante com usurpadores da autoridade real, ladrão apenas dos ricos desonestos, caridoso com os pobres e romântico com as damas. Assim nascia lord Robert Lockesley, conde de Hutington por justiça do rei e criminoso Robin Hood por injustiça do usurpador!
Outro elemento de natureza sócio-política que atesta a falsidade da versão moderna é a conjuntura histórica da Inglaterra do século XII. Em uma época onde o tempo passava devagar, a Conquista Normanda era recente e a animosidade entre os nativos anglo-saxãos e os ocupantes franceses, minoria fortemente armada e opressora que desapossara a maioria nativa dos seus títulos, bens e posições, era enorme. A solidariedade da minoria governante para manter o seu domínio em um meio hostil era fortíssima, levando-a a proteger os seus membros e a conservar seus hábitos aristocráticos, somente falando e escrevendo em francês e reduzindo o Inglês a condição de “idioma da gentalha”.
O "Robin dos Bosques", bandoleiro plebeu da Idade Média, é muito mais conforme à realidade que o "Robin conde" das versões modernas. Ilustração de Howard Pyle (1883) |
Em tal ambiente é improvável que um “conde Robert”, certamente de origem francesa, tivesse sido perseguido por seus próprios pares. Ademais, os poemas, peças e baladas foram produzidos no “idioma da gentalha” e é impossível que esta o tivesse feito para exaltar um nobre de origem francesa, membro da casta opressora. Somente esta circunstância é suficiente para desacreditar a versão criada a partir do século XVII. Há que se lembrar também roupas e armas. Os nobres as usavam de linho ou lã especial e sua arma era a espada, artefato caríssimo e destinado somente ao combate. Por outro lado, as pessoas comuns usavam roupas de couro ou lã grosseira e sua arma era a faca, destinada basicamente ao trabalho. Os que viviam nos bosques (greenman) usavam também o arco, pois geralmente eram caçadores, e em todas as gravuras medievais Robin Hood é pintado em roupas simples de caçador, portando faca e arco, como típico dos plebeus. Ele jamais aparece em roupas de cavalheiro portando espada, arma privativa dos nobres e de posse proibida aos demais. A imagem fixada nas gravuras medievais é tão forte que mesmo hoje é assim que o herói nos é apresentado. Como, pois, se sustentar a versão de Robin Hood ser um lord e não um commoner?
Porém há que se reconhecer que a mudança de status do herói 400 anos depois, quando de há muito desaparecera a antiga animosidade entre franceses e anglo-saxãos, amalgamados na moderna nação inglesa, não diminuiu a popularidade do herói e até a aumentou, pois o público letrado das classes altas passou a consumir avidamente o que se publicava sobre ele e o seu alegre bando de foras da lei (merrymen), criando um rentável mercado para escritores imaginosos. Na primeira metade do século XIX Robin Hood ficou mundialmente conhecido através do famoso romance histórico Ivanhoé de Sir Walter Scott, sucesso não só na Inglaterra como na Europa e nas Américas, pois foi publicado em todas as línguas cultas da época. Na esteira de Ivanhoé, livros e mais livros surgiram sobre o “conde” príncipe dos ladrões até que na segunda metade do mesmo século foi publicada pelo americano Howard Pyle uma versão sob o título de As Alegres Aventuras de Robin Hood, originalmente destinada a crianças e adolescentes. Porém o livro se tornou sucesso entre públicos de todas as idades, não só por ser divertido e bem escrito, mas por ser também belamente ilustrado, tornando-se a versão definitiva do herói e a base de todos os modernos enredos do teatro, cinema e televisão sobre ele. A quantidade de filmes é enorme, pois até uma ótima versão em desenho animado foi feita pelos estúdios Disney, mas na minha opinião o melhor exemplar até hoje produzido foi o Aventuras de Robin Hood, estrelado pelo famoso ator Errol Flyn nos anos 30 do século passado.
Porém há que se reconhecer que a mudança de status do herói 400 anos depois, quando de há muito desaparecera a antiga animosidade entre franceses e anglo-saxãos, amalgamados na moderna nação inglesa, não diminuiu a popularidade do herói e até a aumentou, pois o público letrado das classes altas passou a consumir avidamente o que se publicava sobre ele e o seu alegre bando de foras da lei (merrymen), criando um rentável mercado para escritores imaginosos. Na primeira metade do século XIX Robin Hood ficou mundialmente conhecido através do famoso romance histórico Ivanhoé de Sir Walter Scott, sucesso não só na Inglaterra como na Europa e nas Américas, pois foi publicado em todas as línguas cultas da época. Na esteira de Ivanhoé, livros e mais livros surgiram sobre o “conde” príncipe dos ladrões até que na segunda metade do mesmo século foi publicada pelo americano Howard Pyle uma versão sob o título de As Alegres Aventuras de Robin Hood, originalmente destinada a crianças e adolescentes. Porém o livro se tornou sucesso entre públicos de todas as idades, não só por ser divertido e bem escrito, mas por ser também belamente ilustrado, tornando-se a versão definitiva do herói e a base de todos os modernos enredos do teatro, cinema e televisão sobre ele. A quantidade de filmes é enorme, pois até uma ótima versão em desenho animado foi feita pelos estúdios Disney, mas na minha opinião o melhor exemplar até hoje produzido foi o Aventuras de Robin Hood, estrelado pelo famoso ator Errol Flyn nos anos 30 do século passado.
Os estudios Disney fizeram um ótimo filme em desenho animado sobre Robin Hood |
Todavia, diante da falta de menções à sua nobreza antes dos anos 1600, devemos perguntar se existe alguma base para a atual versão de "Robim nobre" e a resposta é que existe, embora bastante frágil. Nos antigos papéis de um nobre prelado, Deão da Catedral de York no século XIII, foi encontrada uma anotação datada de 24 de dezembro de 1247 onde é mencionada a morte de Robert Earl of Huntigu aos 87 anos de idade. Ela termina com versos em Inglês Medieval, ao invés de Latim ou Francês como era próprio dos papéis oficiais na época, e dizem o seguinte: Hear undernead dis laitl stean / Lais Robert Earl of Huntingu / Near arcir der as hie sa geud / An pipl kauld im Robin Heud / Sic utlaws as hi an is men / Vil England nivr si agen. O fato de ser em inglês e em versos tira à nota o caráter de documento oficial e indica ter sido ela escrita pelo Deão como lazer literário e não como parte do seu trabalho, parecendo ser o trecho de uma balada. A coisa se torna intrigante ao se verificar que os mesmos versos servem de epitáfio a um antigo túmulo no cemitério do priorado de Kirlees Hall, na região de York.
Teria o Deão escrito o epitáfio ou simplesmente o copiado? Isto tiraria qualquer dúvida sobre a existência do conde bandido Robin Hood no final do século XII e início do século XIII, época de Ricardo Coração de Leão e de João sem Terra, se não fosse por duas coisas: 1) Não existe nos registros da nobreza britânica dos séculos XII e XIII nenhum Earl of Huntingun e os registros de nascimentos e óbitos das paróquias da região, assim como das cortes de justiça e do fisco, sobretudo de York e Notingham, não mencionam nenhum portador do referido título; 2) A lápide com o epitáfio é de autenticidade duvidosa e exames científicos fazem suspeitar serem os seus entalhes pelo menos dois séculos mais recentes, situando-os nos anos 1400, quando começaram as representações em festivais do mês de maio por toda a Inglaterra que tornaram nacionalmente famoso o bandido cujas façanhas eram cantadas em prosa e verso pelos nortistas há mais de 200 anos. Cidades e vilas começaram a disputar a honra de terem sido o seu berço, ou local de final repouso, sendo possível que uma farsa tenha sido montada com base em velha balada talvez composta pelo próprio aristocrático clérigo, Dean of York.
Porém há um detalhe de natureza semântica, com repercussão na nobiliarquia inglesa, que pode exonerar o nobre prelado da acusação de tentativa de fraude: o título de Earl! Todos os títulos de nobreza ingleses são de origem francesa, prince, duke, marquis, viscount e baron, com exceção de count. Este na Inglaterra é designado pelo título anglo-saxônico de EARL, mas há evidências de que isto só aconteceu a partir do final do século XIII, quando o rei Eduardo I ordenou que todos os documentos oficiais passassem a ser redigidos em inglês ao invés de latim ou francês.
Assim, é possível que o termo usado antes para o título fosse a palavra count, de origem francesa (cont) como as demais que designam títulos nobiliárquicos ingleses. O fato de ter sido substituída pela palavra anglo-saxônica earl certamente deve-se ao fato de que esta designasse o único título nativo existente antes da invasão francesa no século XI cuja memória o povo guardara, possivelmente significando "nobre senhor da guerra", mas tudo indica que com o aviltamento da nobreza local pelos invasores a palavra passou a designar simplesmente "senhor de bando armado". Como não havia palavras anglo-saxônicas substitutas para os demais títulos de que o povo se lembrasse, estes guardaram a sua forma afrancesada, mas earl foi resgatada do seu antigo significado e passou a equivaler ao count de origem francesa. A conclusão lógica, portanto, seria a de que na primeira metade do século XIII, quando o Deão de York escreveu ou anotou o trecho da balada, a metamorfose ainda não ocorrera e ele usou o termo Earl of Huntingum no sentido de "chefe bandoleiro de Huntingum"!
A "nobilitação" de Robin, portanto, seria fruto da ignorância sobre a evolução histórica do significado da palavra "earl" pelos escritores do século XVII e não de uma deliberada intenção de modificar a estória do herói, nem deles nem do Deão de York, o qual teria usado a palavra honestamente com o sentido que ela tinha na época, mas o fato do clérigo ter se dado ao trabalho de anotar o óbito do famoso "chefe bandoleiro" nos leva a supor que ele e seu bando talvez tivessem participado ativamente da luta dos barões contra o nefasto rei João Sem Terra anos antes e por isso tenha obtido cabal anistia após a vitória, o que lhe teria permitido viver tranquilamente seus últimos anos cercado de temor e respeito por suas celebradas façanhas de antigo fora-da-lei.
Seja de uma forma, seja de outra, fato concreto é que nunca passou pela cabeça das populações medievais da Inglaterra darem a Robim status de "nobre" e as obras literárias populares continuaram a ser representadas e cantadas sem nenhuma menção a qualquer tipo de nobreza do personagem. Antes muito pelo contrário. Todavia, passados mais 200 anos, o significado da palavra "earl" mudou novamente e surgiram as peças de Anthony Munday, já em plena era da imprensa e da publicação em massa. O resultado é que a versão “nobre” foi adotada e prevalece até os dias de hoje.
Aqui Robin é um "greenman" com arco e punhal, no entanto Marion lhe dá atenção, como se o conhecesse por ele ter sido nobre. Ilustração de Howard Pyle (1883) |
Teria o Deão escrito o epitáfio ou simplesmente o copiado? Isto tiraria qualquer dúvida sobre a existência do conde bandido Robin Hood no final do século XII e início do século XIII, época de Ricardo Coração de Leão e de João sem Terra, se não fosse por duas coisas: 1) Não existe nos registros da nobreza britânica dos séculos XII e XIII nenhum Earl of Huntingun e os registros de nascimentos e óbitos das paróquias da região, assim como das cortes de justiça e do fisco, sobretudo de York e Notingham, não mencionam nenhum portador do referido título; 2) A lápide com o epitáfio é de autenticidade duvidosa e exames científicos fazem suspeitar serem os seus entalhes pelo menos dois séculos mais recentes, situando-os nos anos 1400, quando começaram as representações em festivais do mês de maio por toda a Inglaterra que tornaram nacionalmente famoso o bandido cujas façanhas eram cantadas em prosa e verso pelos nortistas há mais de 200 anos. Cidades e vilas começaram a disputar a honra de terem sido o seu berço, ou local de final repouso, sendo possível que uma farsa tenha sido montada com base em velha balada talvez composta pelo próprio aristocrático clérigo, Dean of York.
Porém há um detalhe de natureza semântica, com repercussão na nobiliarquia inglesa, que pode exonerar o nobre prelado da acusação de tentativa de fraude: o título de Earl! Todos os títulos de nobreza ingleses são de origem francesa, prince, duke, marquis, viscount e baron, com exceção de count. Este na Inglaterra é designado pelo título anglo-saxônico de EARL, mas há evidências de que isto só aconteceu a partir do final do século XIII, quando o rei Eduardo I ordenou que todos os documentos oficiais passassem a ser redigidos em inglês ao invés de latim ou francês.
Assim, é possível que o termo usado antes para o título fosse a palavra count, de origem francesa (cont) como as demais que designam títulos nobiliárquicos ingleses. O fato de ter sido substituída pela palavra anglo-saxônica earl certamente deve-se ao fato de que esta designasse o único título nativo existente antes da invasão francesa no século XI cuja memória o povo guardara, possivelmente significando "nobre senhor da guerra", mas tudo indica que com o aviltamento da nobreza local pelos invasores a palavra passou a designar simplesmente "senhor de bando armado". Como não havia palavras anglo-saxônicas substitutas para os demais títulos de que o povo se lembrasse, estes guardaram a sua forma afrancesada, mas earl foi resgatada do seu antigo significado e passou a equivaler ao count de origem francesa. A conclusão lógica, portanto, seria a de que na primeira metade do século XIII, quando o Deão de York escreveu ou anotou o trecho da balada, a metamorfose ainda não ocorrera e ele usou o termo Earl of Huntingum no sentido de "chefe bandoleiro de Huntingum"!
As populações medievais continuaram a ver em Robin Hood um "greenman" em luta contra os ricos opressores. Ilustração de Howard Pyle (1883) |
A "nobilitação" de Robin, portanto, seria fruto da ignorância sobre a evolução histórica do significado da palavra "earl" pelos escritores do século XVII e não de uma deliberada intenção de modificar a estória do herói, nem deles nem do Deão de York, o qual teria usado a palavra honestamente com o sentido que ela tinha na época, mas o fato do clérigo ter se dado ao trabalho de anotar o óbito do famoso "chefe bandoleiro" nos leva a supor que ele e seu bando talvez tivessem participado ativamente da luta dos barões contra o nefasto rei João Sem Terra anos antes e por isso tenha obtido cabal anistia após a vitória, o que lhe teria permitido viver tranquilamente seus últimos anos cercado de temor e respeito por suas celebradas façanhas de antigo fora-da-lei.
Seja de uma forma, seja de outra, fato concreto é que nunca passou pela cabeça das populações medievais da Inglaterra darem a Robim status de "nobre" e as obras literárias populares continuaram a ser representadas e cantadas sem nenhuma menção a qualquer tipo de nobreza do personagem. Antes muito pelo contrário. Todavia, passados mais 200 anos, o significado da palavra "earl" mudou novamente e surgiram as peças de Anthony Munday, já em plena era da imprensa e da publicação em massa. O resultado é que a versão “nobre” foi adotada e prevalece até os dias de hoje.
Tudo bem examinado, chega-se a conclusão de que a versão do Robin Hood “conde” nada mais foi do que um equívoco semântico, o qual possibilitou uma bem sucedida manobra política visando “domesticar” o turbulento herói de um povo sempre disposto a rebeliões democráticas, como atestado pela revolucionária adoção da Magna Carta, extorquida ao rei João Sem Terra pelos barões rebeldes no início do século XIII, e as revoluções do século XVII, quando houve a “domesticação” do herói e a deposição de dois reis tirânicos, um deles executado e o outro exilado pelo povo em armas.