segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Post nº 05

APOGEU  E  DECADÊNCIA  DOS  CAVALEIROS  TEMPLÁRIOS


Nos séculos XII e XIII várias Ordens religiosas-militares aparecem na Europa em razão das Cruzadas, mas nenhuma é tão rica e poderosa quanto a Ordem dos Cavaleiros Templários

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Por volta de 1200 a Ordem dos Cavaleiros Templários está no auge: é a mais rica e poderosa da Europa, poucos reinos da época têm o seu mesmo poder econômico, político e militar, e o seu Grão-Mestre fala de igual para igual com príncipes, reis e imperadores. Acima dele e dos seus cavaleiros estão somente Deus e o Papa!
       
O seu poder militar na Europa é tão grande quanto na Ásia e se faz sentir de forma marcante na Península Ibérica, onde ela desempenha papel tão importante quanto na Palestina, pois é essencial na reconquista de Lisboa em 1147 e na posterior expulsão dos muçulmanos do território português, permitindo a unificação do país tal como o conhecemos hoje. Isto talvez explique porque Portugal é o país europeu com maior número de castelos templários proporcionalmente à sua população. 

Os cavaleiros templários tiveram forte participação na reconquista de Lisboa pelo rei Afonso
Henriques. Quadro de Joaquim Rodrigues Braga (1840)

Porém menos de um século depois o sólido edifício começa a apresentar rachaduras: os guerreiros cristãos saem derrotados da Palestina, os muçulmanos são expulsos definitivamente de Portugal e os príncipes ibéricos fazem uma trégua com o reino islâmico da Andaluzia, o mais próspero e civilizado da Espanha. O fervor cruzado esmaece e os cavaleiros dormitam ociosos em seus castelos, pois os veteranos com experiência militar estão velhos ou mortos e os jovens que agora se alistam o fazem não por fé, glória e aventura, mas por vaidade, privilégio e conforto. A rígida moralidade, férrea disciplina e duro treinamento são relaxados, permitindo que oportunistas ingressem na Ordem e gozem das suas vantagens sem sequer possuírem as elementares virtudes da valentia e da decência. À medida que desce o valor guerreiro e moral dos cavaleiros, sobe o seu orgulho e arrogância, criando um clima de antipatia que faz surgirem ditados populares do tipo, come igual a um templário, bebe mais que um templário, fornica como um templário, e outros igualmente depreciativos.

O estado-maior da Ordem tem voz ativa nos mais altos assuntos da Europa, mas isto lhe traz a antipatia
dos reis e a inveja dos bispos. Cena do filme "Arn o Cavaleiro Templário"
       
A situação piora com a mudança da sede da Ordem para a capital francesa, onde, não tendo muçulmanos com que se preocupar, os cavaleiros passam a tratar os locais como seus inferiores e a imiscuírem-se nos seus negócios como se fossem um poder paralelo ao poder real e eclesiástico. Exceto na península ibérica, onde existe um poderoso reino muçulmano com o qual os cristãos estão sempre em luta e têm muito com que se ocupar, no restante da Europa os templários dedicam-se aos negócios econômicos como se fossem uma empresa comercial e não uma guarda de elite destinada à proteção dos lugares santos e à expansão da fé católica fora do Continente. Seu grande poder econômico logo é acompanhado de grande poder político dentro da própria Europa, e os seus rivais passam a ser cristãos ao invés de muçulmanos. Príncipes e bispos, embora economicamente se beneficiem de empréstimos e doações dos cavaleiros, ficam cada vez mais ressentidos com o enorme poder que eles exercem dentro de suas próprias jurisdições, muitas vezes suplantando ou simplesmente ignorando a sua autoridade.
       
Em todos os países da Europa Ocidental a Ordem torna-se um Estado dentro do Estado, com a agravante de ser um Estado multinacional a serviço do Papa dentro de suas fronteiras sem qualquer vínculo de subordinação às suas Coroas. Ocorrendo isto no momento em que a Revolução Comercial impele os países europeus a se estruturarem em grandes Estados Nacionais, para o que é essencial a instituição do Rei Absoluto, a Ordem Templária surge como enorme obstáculo aos novos tempos. Isto não passa desapercebido a monarcas europeus mais astutos e clarividentes, como é o caso de Eduardo o Caolho de Inglaterra e Felipe o Belo de França.

Felipe é enérgico e unifica quase todo o reino. Eduardo I da Inglaterra lhe presta vassalagem
pelos poucos feudos que ainda tem na França. Iluminura medieval (séc. XIV)
             
Embora mau administrador, Felipe é implacável e reconquista quase todos os territórios que durante séculos tinham estado em mãos de reis estrangeiros, sobretudo da Inglaterra, por isso não admite oposições nem arranhões na autoridade real, o que lhe vale receber do povo o apelido de "O Rei de Ferro". O próprio rei inglês Eduardo I lhe presta vassalagem por alguns principados que ainda tem na França, mas sabe que a qualquer momento pode perdê-los se Felipe achar conveniente extinguir a relação feudal sob pretextos que venha a inventar. Em consequência, mantém com o rei francês as melhores relações possíveis e concorda que os Templários são realmente um grande incômodo para monarcas que, como eles, aspiram governar plenamente os seus reinos sem ingerências de qualquer espécie.
         
Mas ao contrário de Eduardo, em cujo país a Ordem tem presença superficial e não lhe causa maiores incômodos, pois não possui castelos-fortaleza nas ilhas britânicas,  para Felipe o problema é gravíssimo, pois é na França que a Ordem tem a sua sede e a sua mais ostensiva presença, com dezenas de castelos-fortaleza e grande contingente de cavaleiros. Diferente do que ocorre na Inglaterra, na França a Coroa depende mais da Ordem do que a Ordem da Coroa, coisa que para um monarca aspirante ao absolutismo é intolerável.
        
Seja por esta ou por outra razão, príncipes e grandes mercadores interessados na solidificação do Poder Real começam a murmurar contra o enorme poder da Ordem e o descontentamento se espalha pela sociedade, gerando um ambiente de geral hostilidade aos Templários. Com a hostilidade surgem histórias escandalosas sobre as suas atividades públicas e privadas, muitas delas mentirosas, mas algumas respaldadas aos olhos do público pelo comportamento descuidado, arrogante e impróprio assumido por muitos cavaleiros no meio da supersticiosa e fanática sociedade onde vivem.

Passando a viver em contato com as populações locais, os templários revelam-se brutais, arrogantes
e pouco virtuosos, tornando-se odiados. Cena do filme "Arn o Cavaleiro Templário"

Como em todo agrupamento humano, é provável que entre eles sempre tenha havido cavaleiros inclinados aos pecados da gula, da intemperança e da luxúria, mas a sua fervorosa religiosidade certamente os fazia julgá-las tentações do diabo e as sufocavam sob grossas camadas de fanatismo e bravura. Porém agora fé e valentia não são mais essenciais e as suas perversas inclinações se tornam visíveis, ainda que disfarçadas pela hipocrisia. Embora sejam exceções, sua má conduta danifica a reputação de todos, tal como a maçã podre contamina as saudáveis dentro do cesto. Todavia isso em nada diminui o poder econômico e político da Ordem: reis, príncipes e ricos mercadores lhe devem altas somas e dela dependem para suas despesas e grandes transações; por isso lhe são sabujamente submissos.

Entre os que mais devem favores à Ordem está o rei Felipe o Belo, que a faz seu banqueiro e depositária do Tesouro Real. Quando por mais de uma vez os seus desmandos levam a França à beira do desastre, ele é salvo pelo dinheiro dos Templários. Sempre carente de recursos, ele confisca os bens dos judeus e depois manda diminuir o percentual de prata nas moedas cunhadas pelo Erário Real, o que faz o povo lhe dar o apelido de "O Rei Falsário". Em 1306 ocorre um levante popular em Paris contra o seu governo incompetente, e as tropas reais, que não recebem seus soldos há meses, ficam inativas nos quartéis enquanto ele refugia-se no Templo, nome que tinha a sede da Ordem em Paris e se tornara seu sinônimo. Felipe fica sob a proteção dos Cavaleiros até a calma ser restaurada após árduas negociações do Grão Mestre Jacques de Molay com os amotinados, mas durante sua hospedagem forçada entre os Templários ele vê os seus enormes tesouros e toma ciência do seu vasto patrimônio comercial e imobiliário espalhado por toda a Europa, o que lhe aumenta ainda mais a cobiça e faz o despeito sobrepor-se à gratidão que deveria ter aos Cavaleiros por o terem salvo da fúria popular. Ardilosamente, contrai novo grande empréstimo com a Ordem, põe em dia o pagamento das tropas e dos servidores civis, lhes dá um substancial aumento e lhes ganha o apoio e a gratidão.

A Ordem dos Templários era riquíssima, possuindo feudos e castelos em toda a Europa,
sobretudo na França e na Península Ibérica
         
Felipe é um patife astuto que percebe estar o Templo deixando de ser uma sociedade de monges guerreiros para se tornar uma sociedade de mercadores banqueiros, a maior e mais rica que já se viu e cujo poder político é enorme. Mas ele vê também que, em um mundo onde a espada é a lei, o poder econômico e político dissociado do poder militar é um convite certo ao desastre. Depois de várias décadas sem combater, o poder militar dos Templários é só uma lembrança de um passado distante. Corretamente, ele avalia que a Ordem é um gigante de pés de barro: um golpe certeiro a jogará por terra! Ademais, ela tem a antipatia do alto clero, muito incomodado por sua independência da autoridade dos bispos e pelo prestigioso diálogo direto que tem com o Papa e o Colégio de Cardeais. Muitos bispos não se conformam com o fato de ser o comendador diocesano da Ordem muito mais rico e poderoso do que ele dentro da sua própria Diocese. Também nobres e comerciantes, que têm os seus débitos judicialmente executados ou em vias de execução, gostariam de se ver livres de sua implacável credora e assim salvarem suas propriedades.
  
Poderosas muralhas do castelo templário de Tomar, sede da Ordem em Portugal que abrigará
cavaleiros fugitivos vindos de toda a Europa após a derrota na França
           
Já sabendo que o Templo é uma mina de ouro e tem muitos inimigos, Felipe tenta tornar-se seu membro e apoderar-se dele, mas o Grão-Mestre Jacques de Molay se nega a admiti-lo sob o argumento de que não poderia se tornar monge um homem casado e rei; para tanto teria que renunciar ao trono e à esposa. Felipe fica furioso e começa a arquitetar a destruição da Ordem com o seu ministro Guilherme de Nogaret, o qual, por razões pessoais idênticas a de muitos outros, também odeia os Cavaleiros. Portanto, coleciona vasto rol de denúncias sobre o mau procedimento de vários membros da Ordem e pleiteia secretamente junto ao Papa a sua dissolução alegando não ser ela mais necessária porque o seu principal objetivo, a proteção dos lugares santos na Palestina, desapareceu desde que ela de lá foi expulsa. Alega também que a má reputação dos cavaleiros faz do Templo um ônus para a Igreja, mas o Papa está ciente que o despeito e a cobiça são os verdadeiros motivos de Felipe e se nega a atendê-lo. Muito pressionado, tenta negociar e previne Jacques de Molay dos sinistros desígnios reais, dando início a um longo e incrível jogo de gato e rato que se travará nos bastidores e terá um desfecho terrível.

O Grande Mestre Templário ainda não sabe, mas ele e a sagrada Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém já estão mortos! 



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