segunda-feira, 11 de outubro de 2010

 Post nº 03

A  CAVALARIA  MEDIEVAL  E  A  LENDA
DO  SANTO  GRAAL
Cavaleiro Templário guardião do Santo Graal. Cena do filme "Indiana Jones e a Última Cruzada"


Para adquirir estes livros clique acima  no banner da Livraria Cultura
ou na nossa "Livraria Virtual" 

           
Uma das estórias mais interessantes produzidas pelo chamado Ciclo de Lendas Arturianas é a do Santo Graal. Segundo a Bíblia, José de Arimateia, um nobre judeu membro do Sinédrio e com acesso a Pilatos, dele conseguiu autorização para sepultar Jesus, de quem secretamente era seguidor, e o fez em uma gruta próxima ao local da crucificação, fechando-a depois com uma grande pedra.

Aí terminam os relatos bíblicos e começam os relatos arturianos, que na Idade Média produziram várias versões e na nossa época muitas outras ligadas à indústria do entretenimento, como são os casos do livro O Código Da Vinci e do filme Indiana Jones e a Última Cruzada.

Analisemos a questão com base nas escassas fontes que possuímos sobre o Rei Arthur porque a estória do Santo Graal está intimamente ligada à sua. O poema Gododdin, composto oralmente nos anos 500 e publicado em linguagem escrita nos anos 600, é a fonte mais antiga conhecida sobre Arthur, mas ela não fala do Santo Graal. O historiador Nennius, escrevendo século e meio depois a sua Historia Britonnum, se refere longamente a Arthur, citando suas grandes vitórias contra os invasores bárbaros, porém é omisso sobre o Graal.  As menções ao cálice sagrado somente surgem em poemas celtas produzidos em torno do ano 1000, dentre eles destacando-se um dos poucos que chegaram até nós, intitulado Lives of Welsh Saints, escrito originalmente em latim e no qual o Rei Arthur é convertido ao cristianismo por um milagre.

A explosão artística da 1ª Renascença incorporou o maravilhoso à vida
das pessoas e as fez substituir as dúvidas pelas certezas

Dada a pobreza de versões consistentes sobre o assunto produzidas na primeira metade da Idade Média, creio que as únicas versões que merecem atenção, ao menos como referencial histórico, são as produzidas na sua segunda metade, especialmente a partir do final do século XII, quando o assunto é abordado com vigor e criatividade pelas penas dos poetas Gaimar, Estoire des Engles; Wace, Le Roman de Brut; Beroul, Tristan; Marie de France, Lais; e sobretudo Chrétien de Troies, autor de vários poemas em prosa e maior expoente do gênero literário a que se deu o nome de Romance de Cavalaria e de Amor Cortês, o qual quatrocentos anos depois seria genialmente satirizado por Miguel de Cervantes em seu famoso romance Dom Quixote de La Mancha. Todavia, o fato de não termos fontes escritas claras sobre o Santo Graal antes do século XII não significa que elas não existissem, pois calcula-se que menos de um décimo do material literário produzido no Ocidente durante a Idade Média chegou até nós. A quase totalidade da pequena fração do legado intelectual greco-romano preservado após a queda do Império somente nos veio a partir do mencionado século, trazido que foi ao Ocidente por cruzados, clérigos e mercadores que voltavam do Oriente, pois a maior parte fora preservada lá por sábios Ortodoxos e Muçulmanos. Basta lembrar que Aristóteles e Ptolomeu, cujas filosofia e astronomia viriam a se tornar oficiais para a Igreja Católica, eram até então desconhecidos no Ocidente.

O pensar do homem medieval era simples: se a maravilha de uma catedral
gótica é real, por que então o Santo Graal não seria?

Não é por acaso que a Primeira Renascença Europeia, com fundação de universidades, construção de catedrais e surgimento de vigorosa literatura romanesca e filosófica, se inicia no século XII. Creio assim que a lenda do Santo Graal já existisse há séculos nos relatos orais guardados na memória do povo e tenha sido aproveitada pelos poetas e escritores altamente intelectualizados da Primeira Renascença, ansiosos por ganharem dinheiro, fama e prestígio com os escritos produzidos para satisfazer o gosto por romance e aventura de um novo público letrado enriquecido pelo saque do Oriente proporcionado pelas Cruzadas. Porém não excluo a hipótese de que a lenda tenha sido forjada por fanáticos no final do século XI para dar às massas mais uma motivação à Primeira Cruzada, além da pura e simples expulsão dos muçulmanos de Jerusalém e a reconquista da guarda do Santo Sepulcro.

A maestria da arte religiosa medieval da 1ª Renascença tornou real para as pessoas o que de
outro modo seria mistério ou pura fantasia

De qualquer forma, foi o ciclo literário medieval do Romance de Cavalaria e de Amor Cortês que deu consistência e popularidade às lendas sobre o Rei Arthur, seus heróicos cavaleiros e o místico Santo Graal, cujas versões podemos reduzir a três. A primeira diz que José de Arimatéia guardou o cálice usado por Jesus na última ceia e com ele colheu um pouco do seu sagrado sangue ao tirá-lo da cruz. Depois levou o cálice para a Britannia e o escondeu em Glastonbury. A segunda tem base semelhante, mas difere ao dizer que o cálice foi levado à Espanha por São Tiago e lá conservado em um mosteiro, pois operava milagres, até que um mago pagão invejoso o roubou e o levou para local secreto.O mesmo acontece com a terceira, diferindo das outras ao afirmar que o cálice não saiu da Palestina e foi ocultado pelos próprios discípulos de Jesus. Como todo mito sempre tem um fundo de verdade, não custa analisar as três versões citadas, dada a importância literária e cinematográfica que a lenda do Santo Graal assumiu na indústria do entretenimento do mundo moderno.

Exeter, com sua magnífica catedral gótica, fica no sudoeste da Inglaterra,
onde o Graal teria sido escondido e Arthur teria reinado

Penso que as duas primeiras versões não merecem credibilidade porque se o cálice fosse levado para Glastonbury, situada no próprio reino de Arthur, não haveria razão para os seus cavaleiros Percival, Galahad e Bors irem procurá-lo em lugares distantes, a ponto dos dois primeiros desaparecerem na perigosa jornada e somente Bors regressar. Por outro lado, os Atos dos Apóstolos, que relatam suas viagens para converterem os pagãos, não falam em viagem de Tiago à Espanha.

O imaginário medieval sobre o Graal tem sido tema na atualidade de  muitos livros e filmes

Na minha opinião a única versão que possui plausibilidade é a terceira, pois sendo José de Arimatéia secretamente cristão, a ponto de opor-se ao Sinédrio na decisão de condenar Jesus à morte, teria sido possível que obtivesse o cálice para tê-lo como objeto de culto e em sua devoção o utilizasse para colher um pouco do sangue que julgava sagrado. Dessa forma, o santo cálice continuaria na Palestina escondido em algum mosteiro no deserto ou lugar secreto nas montanhas, como sugere o filme "Indiana Jones e a Última Cruzada".

Ruínas do Templo de Jerusalém. Alguns dizem que os Cavaleiros Templários teriam escondido o Graal
em seus subterrâneos antes da tomada da cidade pelo sultão Saladino no ano de 1187

Recentes escavações em Jerusalém e arredores mostram que existiam lugares secretos de culto de seitas diversas nos primeiros tempos do cristianismo, os quais foram abandonados pelos fiéis devido às perseguições e depois soterrados pelo tempo. Assim, não é de se duvidar que a relíquia possa um dia ser encontrada em um desses sítios arqueológicos. A versão de que o cálice jamais saiu da Palestina possui valor histórico e prático porque motivou muitos cruzados, sobretudo os Cavaleiros Templários, a perseverarem na terra santa e lutarem ainda com mais fé contra os que consideravam inimigos de Cristo.

Os artistas pintam o Graal como um cálice de ouro ou prata, mas sendo
cálice de carpinteiro deve ter sido de madeira

Porém o maior argumento contra a existência do Graal é o fato de nenhum Doutor da Igreja o mencionar em suas obras dos séculos IV, V e VI, quando se produziu a melhor Teologia antes do século XIII. Também nenhum bom poeta do período o menciona em seus poemas, fato no mínimo estranho, pois o fervor religioso no final do Império Romano era enorme. A Imperatriz Helena em sua peregrinação a Jerusalém ordenara a construção da Igreja do Santo Sepulcro e inaugurara a "Era das Relíquias Sagradas", levando consigo para Constantinopla o que lhe garantiram ser fragmento da Verdadeira Cruz, ossos dos Reis Magos, mortalha de Jesus, vestido de Nossa Senhora, etc. Caso a estória do Santo Graal já existisse, a devota imperatriz moveria montanhas para encontra-lo e por certo o teria encontrado, tal como encontrou as outras sagradas relíquias.

Igreja do Santo Sepulcro construída em Jerusalém no século IV pela imperatriz Helena, esposa do
imperador Constâncio Cloro e mãe do Imperador Constantino, que legalizou o cristianismo

Pessoalmente, acho que o Santo Graal é apenas uma lenda criada por poetas talentosos, com base em relatos orais memorizados e repetidos pelo povo numa época em que a religião reinava suprema, lenda que em nossos dias é uma mina de ouro para cineastas e escritores criativos, sobretudo os cultores dos gêneros "policial" e "fantasia".



Um comentário: